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Salmo 4.8

Prédica

31/10/1972

Salmo 4.8
Reforma 

Em paz me deito e logo adormeço porque a segurança do meu repouso vem só de Ti, Senhor. 

Toda e qualquer vida religiosa começa com uma necessidade elementar do homem: a segurança. Essa necessidade de sentir-se seguro explica a obediência sistemática de certas seitas que só existem para estabelecer proibições e regula mentos. O indivíduo não pode fazer isso nem aquilo, e deve cumprir isso e aquilo. Não é pequeno o número de cristãs católicos que navegam por essas águas. Acreditam eles que .Deus organiza uma espécie de contabilidade, anotando cuidadosamente as boas ações e também os escorregões de cada um. No fim da vida, se as boas obras foram suficientes, a pessoa pode se sentir tranquila é segura: Deus vai reconhecer que ela merece a eterna bem-aventurança, a salvação! 

Desde os primeiros tempos do cristianismo pode-se verificar a existência desse tipo de mentalidade na Igreja. E o primeiro a protestar com veemência contra essa perversão foi o apóstolo Paulo. Quando se lêem as cartas de Paulo, no Novo Testamento, fica claro que o cristão não pode construir garantias para a eternidade, como quem possui uma caderneta de poupança da caixa econômica celestial. Tudo o que Deus faz pelos homens, Ele faz por graça e de graça. 1500 anos depois de Cristo aparece de novo, com extraordinário vigor, essa idéia de que a gente pode comprar o perdão dos pecados - e garantir a eternidade com um pouco de caridade. Quem então se levantou para protestar foi Martin Lutero. Seu protesto foi feito em nome do Evangelho de Jesus Cristo. Os argumentos de Lutero não são nada mais que uma repetição do que já tinha dito o apóstolo Paulo. O mais impressionante, na Reforma iniciada por Lutero, talvez seja o fato de que suas palavras, Seus livros e sua pregação são realmente coisas vividas. 

Sim, Lutero também tinha acreditado que a gente pode garantir a simpatia de Deus, fazendo isso ou aquilo. Foi longa e penosa a caminhada para o novo reconhecimento de que o cristão é uma pessoa que vive completamente sem garantias e sem segurança. E por que o cristão é isso? Porque o Evangelho nos diz que é Deus quem nos perdoa, que é Deus quem nos aceita, que é Deus quem toma a iniciativa de buscar-nos para Si. 

Quer dizer: mesmo uma vida exemplar ainda não representa garantia de coisa alguma. Mesmo uma doutrina correta não pode dar segurança. A igreja é a reunião, a comunhão do Cristo com seu povo - mas não é uma garantia. O Batismo é a marca de uma nova vida que Deus nos oferece - mas a certidão do Batismo não é um passaporte para o céu. A Bíblia é a palavra de Deus para nós - mas um monte de seitas por ai demonstram que com a Bíblia pode-se provar muita bobagem também. 

Não, nós não podemos estabelecer seguranças e garantias. Quem quiser experimentar isso, vai acabar cheio de dúvidas e confusões. 

Nossa única segurança, nossa única garantia, nosso único refúgio só pode ser o Senhor - só pode ser o Deus que conhecemos através de Jesus Cristo. E isso significa que a segurança só pode ser uma coisa dada. A garantia só pode vir de fora, de um outro. Verdadeira segurança é quando alguém deita e logo adormece - em vez de pensar naquela janela que não fecha direito - ou no ladrão que pode arrombar—a porta dos fundos. Em paz me deito e logo adormeço, porque a segurança do meu repouso vem só de Ti, Senhor! 

Eu dizia, antes, que a Reforma de Lutero não é apenas uma questão de doutrina, de teoria - mas que é principalmente coisa vivida. E de fato, Lutero teve de viver sem nenhuma outra segurança, além do auxilio do seu Deus. Aos 37 anos, Lutero foi excomungado pelo papa. Aos 38 anos, foi proscrito pelo imperador. Sabem o que isso significa? Significa — que qualquer cidadão do império poderia fazer com Lutero o que bem entendesse - poderia, inclusive matá-lo - recebendo até uma recompensa por isso. Significa que se poderia tomar conta, de qualquer jeito, dos bens dos parentes, amigos e adeptos de Lutero. Significa que qualquer denúncia dos cristãos que começavam a chamar-se de luteranos, seria sempre bem recebida e recompensada. Para Lutero e sua gente não havia direito nem justiça, nem garantias de espécie alguma. 

Foi assim que Lutero viveu e começou a Reforma da Igreja. Cercado de ameaças, mas convencido de que Deus protege os seus. 

Mas nós não estamos aqui na igreja para idolatrar Lutero. Nós estamos reunidos para refletir sobre a importância da Reforma hoje. 

Os irmãos já devem ter percebido como o nosso tempo e as pessoas de nosso tempo estão possessas pela ideia da segurança. Todos os países do mundo discutem sobre a própria segurança. 

No entanto, essa preocupação, que é legitima enquanto problema nacional - essa preocupação não pode tomar conta de nossa vida pessoal. Qualquer pessoa que pretende construir a segurança da própria vida e da própria fé, está cometendo uma tolice. Agora, se alguém insistir nessa tolice, eu daria o seguinte conselho: experimente: Experimente garantir tudo em sua vida, na vida de sua família. Experimente garantir o futuro, direitinho. E amanhã, pegue um jornal e dê uma espiada. Da primeira à última página você vai ver como valem pouco todas essas medidas de garantia. 

De fato, um dos maiores dramas de nossa época é essa angústia que nasce nas pessoas que procuram garantia para tudo - e que descobrem que nada está garantido nesta vida. 

Dois terços de todas as doenças nervosas do homem moderno nascem do medo. Todas as tiranias do mundo nascem do medo dos poderosos. Metade das guerras são provocadas pelo medo. É preciso continuar? Ou devo apresentar uma receita contra o medo? Exemplo: você deve acreditar que acredita, tanto tempo até acreditar que está acreditando..? 

Não, eu não posso dar receita nem ensinar a ter fé. Eu só posso lembrar que, na vida, todas as coisas se tornam secundárias (o que não quer dizer sem importância:), quando Deus nos estende a mão. Quando Deus permite que nos concentremos nessa uma coisa realmente segura: sua misericórdia. 

Isso não significa que podemos nos reclinar, nos encostar na segurança da misericórdia de Deus. A Reforma de Lutero justamente mostra o que acontece numa vida que desiste de falsas seguranças. 

Quando nossa segurança vem só de Deus, descobrimos o que é ficar livre do medo. E descobrimos também nossa responsabilidade por todos os outros que ainda confiam nas falsas garantias.

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Autor(a): Breno Arno Schumann
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Juiz de Fora (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Natureza do Domingo: Dia da Reforma

Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 8
Título da publicação: Auxílios para a Prática Pastoral - Seleção póstuma de prédicas e medit / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1974 / Volume: P - 2
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 23331

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