Em maio de 2009 uma liderança atuante da Paróquia São Mateus em Joinville escreveu um e-mail perguntando como deveríamos tratar o tema A Vitória de Jesus Sobre o Reino das Trevas. A questão havia surgido em um grupo de Estudo Bíblico Caseiro. Haviam citado o versículo de Colossenses 2.15: ...despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. O grupo estava preocupado em saber respostas para sua pergunta sobre a maldade que acontece neste mundo, onde a Igreja, muitas vezes, se deixa levar pela onda sem perceber que se contamina com esta mesma maldade.
Em agosto de 2010 o Pastor Sinodal Manfredo Siegle lança neste site a pergunta: IECLB, quo vadis? É, segundo o autor, uma pergunta importante, haja visto o processo político em que nossa igreja se encontra no momento. Observou que nem sempre os processos político/eleitorais são claros e transparentes. Ou seja, trevas também se manifestam em nossos processos de escolhas de lideranças.
Acredito que na resposta à pergunta de 2009 encontraremos também respostas à pergunta de 2010. Assim escrevi:
Piva, parto do texto de Colossenses. Precisamos ver o que estava acontecendo naquela comunidade, motivando a reação do apóstolo Paulo. Os poderes presentes eram os políticos, que oprimiam as pessoas com leis que as mantinham 'domadas'. Para dar maior crédito a estas ordens, camuflavam as leis e obrigações com um ar de religiosidade. Diante de tais poderes só restava às pessoas fazer uma coisa: não cair no desfavor desses poderes. Era preciso temê-los, respeitá-los e mesmo adorá-los.
Para agradar tais poderes, determinadas ordenanças tinham de ser cumpridas em relação aos elementos do mundo. Certos tipos de comida eram proibidos (2.16-21) - hoje podemos dizer que certas 'espiritualidades' são proibidas. Determinados dias precisavam ser observados (2.16) - hoje poderíamos dizer que não havia liberdade litúrgica. Tal doutrina se afinava com a doutrina estatal, que afirmava o imperador como um representante desses poderes cósmicos/divinos. Temer ao imperador era temer os poderes cósmicos. Sujeitar-se ao Estado Romano era sinal de devoção aos poderes que legitimavam esse Estado.
Nesse mundo 'dominado por poderes cósmicos', a referência a Cristo não é um mito a mais no sistema de vãs sutilizas. O texto, ao fazer referência a Cristo, quer dissipar a espessa neblina que não deixa os cristãos colossenses verem com clareza a sua situação de subjugção a poderes impotentes. O texto faz referência ao Cristo para destruir o determinismo político e religioso, afirmando que a plenitude de Deus está em Cristo e não no 'cosmos', que aliás, é algo criado (1.16). Quaisquer que sejam os poderes ou elementos que se manifestem no mundo, na Cruz e na Ressurreição eles receberam definitivamente o seu Senhor. Cristo é o cabeça! O medo cósmico e tudo o que pudesse angustiar as pessoas, perdeu seu fundamento. O acesso a essa libertação dos stoichéia tou kosmou é possível através do Batismo (v.12). Batismo (ou a conversão) é, portanto, sinal de vida, de nova vida, de libertação de qualquer subjugação e dominação cosmológicas ou religiosas. No Batismo acontece a anulação de todas as ordenanças e escritos de dívidas, perdão de todos os delitos, despojamento de principados e potestades, triunfo deles na Cruz, na qual todos eles foram encravados. O Crucificado, através da Ressurreição, crucificou todos os poderes escravizadores cosmológicos, oferecendo acesso à vida e à libertação através do Batismo.
Deslegitimar os poderes cósmicos significa também deslegitimar estruturas que se sustentam sobre esses poderes, mesmo que sejam as estruturas eclesiásticas. O medo dos poderes satânicos e poderes das trevas é transformada numa estrutura oca aos olhos dos súditos de Jesus Cristo. Um Estado não se sustenta sem uma ideologia que o legitime. Para que um sistema funcione sem graves problemas, não é necessário apenas que o Estado dirigido pelos opressores mande. É também necessário que todos, ou a grande maioria das pessoas aceitem as coisas como são. Para isso se difundem maneiras de pensar, formas de cultura que estejam de acordo com os interesses dos opressores. O cristianismo, mesmo sem querer, talvez, solapa tudo isso, com a cristologia libertadora do Cristo que venceu principados e potestades, expondo-os ao ridículo, triunfando deles na Cruz. Com isso, torna os cristãos colossenses ideologicamente livres do Mal. Estão livre do mal porque colocam Cristo no centro dos interesses. São Cristocêntricos!
Assim, com esta argumentação – porque sempre precisamos dizer porque acreditamos assim ou diferente – não zombamos do poder decrépito das trevas, mas ignoramos seu poder porque foi aniquilado na cruz. O poder do mal existe, mas não tem mais vigor.
Como posição luterana, temos o hino de Lutero composto baseado no Salmo 46. As duas estrofes finais dizem tudo:
3. Se inúmeros demônios vêm,
querendo exterminar-nos:
Sem medo estamos, pois não têm
poder de superar-nos.
Pois o rei do mal,
de força infernal,
não dominará;
já condenado está
por uma só palavra.
4. O Verbo eterno vencerá
as hostes da maldade.
As armas, o Senhor nos dá:
Espírito, Verdade.
Se a morte eu sofrer,
se os bens eu perder:
que tudo se vá!
Jesus conosco está.
Seu Reino é nossa herança!
Martin Luther, 1483-1546
Espero que isso lhe ajude a refletir e formar uma opinião sobre o assunto.
Abraço,
Rolf
Rolf Rieck
Pastor na Paróquia São Mateus