O Credo Apostólico - O Terceiro Artigo - Segunda Parte

Auxílio Homilético

17/03/1982

Na santa Igreja cristã, a comunhão dos santos

Otto Porzel

I — Introdução à problemática

Em 1537 Martim Lutero escrevia: Graças a Deus, uma criança de sete anos sabe o que é a Igreja. Esta afirmação dita com tanta convicção na sua época, por certo nos dias de hoje ninguém de nós pode assumir. O termo Igreja não possui mais a clareza de então. O sentido original do termo está estilhaçado numa porção de significados que compõem um mosaico multiforme, difícil de enquadrar nosentido original. E o Credo Apostólico está ai como um marco firme, sendo, bem por isso, uma orientação na constante busca da santa Igreja cristã. Ele quer guardar-nos do perigo de criarmos uma Igreja moldada de acordo com os nossos próprios interesses e desejos.

Em nosso meio entende-se por Igreja primeiramente o templo, o lugar onde são realizados os cultos ou, então, ainda a própria estrutura eclesiástica. E muitos, talvez a grande maioria dos nossos membros, se dão por satisfeitos com isso. Isto surge do fato de nossa IECLB, e não só ela. se ter tornado uma Igreja de atendimento. O templo foi transformado em lugar sagrado, enquanto que a vida do dia a dia é algo totalmente à parte. A postura dentro do templo deve ser uma e fora dele ela fica a critério de cada um.

Também o fato de cada uma das diferentes confissões se denominar Igreja (Evangélica de...) vem embaralhar ainda mais a problemática aos olhos do membro de comunidade.

Acrescente-se a isso tudo que, entre membros da IECLB, a estrutura eclesiástica, quando entendida como Igreja, evoca duas posições. A primeira: a Igreja é aquela que só se preocupa com dinheiro (contribuição); a segunda: a Igreja é aquela que dá o alimento espiritual, aquela que acompanha a pessoa do berço à cova, aquela que indica o caminho a seguir, etc. Temos assim, lado a lado, concepções de Igreja onde o membro se sente agredido ou, então, confortado.

Muito poucos, porém, vêem a Igreja como uma comunhão de pessoas, mas antes como uma sociedade. O que mais marca as pessoas são as festas, bailes, etc. (membro = sócio). A pregação é muitas vezes, tenho a impressão, colocada dentro desta sociedade como um enfeite cristão.

II — Reflexão sistemática

Como já aconteceu com o Espirito Santo, no Credo Apostólico também a Igreja é caracterizada como sendo santa. E isto vem apontar para o fato de que a Igreja tem em si, parte na grandeza e na dignidade do Espírito Santo. Em outras palavras, ela pertence a Deus, ela tem algo da divindade em si e, bem por isso, ela também é objeto de fé. Portanto, a natureza da Igreja é santa, mas, por ela existir no mundo e neste mundo estar cercada constantemente pelo pecado, ela deve também cons-tantemente confirmar esta sua santidade através da luta contra o pecado, dentro e fora dela (cf. Ef 5.25ss). Mas tudo isso não acontece por vontade humana. Pois a santidade, a Igreja a adquire unicamente porque Jesus Cristo é o seu cabeça e Senhor e porque o Espírito Santo é aquele que a cria e mantém. A partir disto se pode afirmar: A Igreja é, então, aquela que reúne aqueles que na realidade tem o seu lar no céu. Quando o Credo fala em Igreja, ele a entende como a Igreja universal, o povo de Deus sobre toda a terra. Não se trata também da Igreja do futuro, mas sim da Igreja do tempo presente, da qual nós fazemos parte. Isto pode ser deduzido da parte seguinte, na remissão dos pecados, pois isto é algo que caracteriza e já acontece na Igreja do tempo presente.

Esta Igreja assim descrita também é objeto de fé. Mesmo a sua Invisibilidade não exclui a fé. Isto, porque a Igreja da fé nunca pode ser vista em seu todo, mas somente em parte, nas Comunidades, nas reuniões, nos cultos, etc. E o fato que esta Igreja, à qual nós pertencemos, é o povo de Deus, mesmo tendo seus pontos fracos, erros, divisões, só pode ser crido. Como já foi dito antes, esta Igreja está arraigada no presente mas, simultaneamente, já atinge o invisível, o que há de vir, porque Jesus é o seu Senhor, porque nela também está o Espírito Santo e por causa da sua esperança pela plenitude no fim dos tempos.

A partir do termo grego EKKLËSIA podemos definir a Igreja como sendo um reunião festiva, que sempre de novo se repete, daqueles que crêem em Jesus Cristo. Esta reunião difere do mundo, não obstante acontecer no mundo. Em cada culto, reunião, etc., a Igreja torna-se visível, embora, bem aí, atinja também o invisível. Igreja, portanto, é constituída de muitas EKKLËSIAI (plural), reuniões, encontros, em todos os recantos, mas, mesmo assim, continua sendo apenas uma. Deduz-se dal que, para o termo Igreja assim entendido.não existe um plural.

O termo grego EKKLËSIA possui também, em alguns casos, o significado de os chamados para fora do mundo. Mas dificilmente este significado se aplica aqui, visto que o verbo do qual o termo é derivado nunca é usado num contexto sugerindo tal sentido.

A Igreja encontra-se no mundo e espalhada por todo o mundo. Por isso ela também é católica. Onde Cristo é pregado, lá também existe Igreja. A Igreja Católica Romana usou a expressão Igreja Católica no Credo Apostólico para legitimar a sua autoridade. Mas isto é uma limitação do termo Igreja. Mas tal limitação não corresponde ao seu sentido original.

Como um acréscimo posterior, e incluído ao próprio Credo Apostólico, temos ainda a comunhão dos santos. Quanto à compreensão destas palavras há muitas divergências. Elas podem, ao meu ver, ser entendidas de três maneiras diferentes:

1) Comunhão dos santos como sendo a comunhão dos crentes, dos que foram batizados, como o diz Lutero.

2) Comunhão com os santos, com o que é divino, pleno..Esta ideia aponta para o fato de que a Igreja abrange também o invisível.

3) Comunhão dos santos entendida como ter parte, participar das coisas santas, especialmente através dos Sacramentos.
Para mim, a primeira colocação possui peso maior, já que o próprio Lutero a defendeu. Além disso, a sua amplitude faz com que eta se destaque das demais, partindo da compreensão de justificação pela fé de Lutero. A segunda é restrita demais e coloca esta comunhão muito no mundo do além. A terceira, por seu turno, tem seus pontos positivos, mas, creio eu, acha-se muito limitada.

Lutero descreve a Igreja — termo de que não gostava muito; ele preferia cristandade — como sendo a comunhão dos crentes, dos santos, dos que foram salvos. E, para ele, esta não tem o seu ser, sua vida, numa reunião visível, mas sim na reunião de corações na mesma fé. Esta não tem, por sua vez, um Senhor visível nesta terra, pois é Jesus Cristo, o ressurreto, que a dirige.

Ainda assim, esta mesma Igreja mostra-se numa Comunidade visível, começando com a família e indo até a mais alta cúpula da estrutura eclesiástica. Estas duas concepções de Igreja são, contudo, inseparáveis. Pode-se apenas diferenciá-las entre si, mas não separá-las. Segundo esta compreensão está claro, pois, que deve-se pertencer á comunhão dos crentes, caso se queira ser cristão. E a consequência que isto traz consigo é a exigência da participação na Comunidade/Igreja visível.

Assim sendo, a estrutura eclesiástica, com toda a sua organização, não é algo divino. E, bem por isso, ela pode e deve ser adaptada a sempre novas situações. Ela è necessária apenas por causa do homem.

Decorre disso tudo também o fato de que não é possível fazer uma delimitação, na Comunidade/Igreja, entre crentes e não-crentes. Igreja, na opinião de Lutero, não é um clube de pessoas imaculadas, mas sim um hospital, um sanatório para pecadores.
Esta comunhão dos santos, dos crentes, tem a sua continuidade na pregação do puro Evangelho e na reta administração dos Sacramentos conforme o Evangelho.

III — Meditação

Como já foi colocado no início, a profusão de confissões, em especial no meio protestante, serve para criar confusão entre os membros de Comunidade. Cada uma das confissões, por seu turno, também se entende como a Igreja, o que nem de todo está errado. Vimos, contudo, que a Igreja, como a quer o Credo, não está limitada a determinada confissão religiosa. Justamente a multiplicidade de confissões vem confirmar a existência do pecado do homem. A não existência de limites para a Igreja cristã, como aqui proposto, abre amplamente as possibilidades para o trabalho ecuménico entre as diversas confissões. Igualmente o anúncio do Evangelho não está preso a determinadas ordens imutáveis. Estas são apenas meios, usados na sua propagação e que, por isso mesmo, precisam ser revistas para verificar se ainda servem a esta finalidade. Assim sendo, a Igreja cristã não tem limites. Ela acontece onde o puro Evangelho é anunciado e os Sacramentos são administrados de acordo com este Evangelho.

Igreja sempre será urna comunhão de pecadores, mas reconciliados com Deus. Sua missão é a de propagar esta reconciliação a todos os homens. A reconciliação, por seu turno, acontece somente através de Jesus Cristo — por isso a Igreja é cristã.

Deus usa os homens culpados e pecadores na edificação da sua Igreja. Pois não existe limite claro e visível entre o homem justo e o pecador. Cada pessoa é simultaneamente justa e pecadora. A afirmação de que a Igreja é o hospital para a doença do pecado é correia. Todo membro da Igreja sempre precisa estar conscientemente de que sua cura já está acontecendo, mas que esta estará completa no dia do juízo final. E esta acontece sob a iluminação do Espírito Santo.

IV — Pensamentos para a prédica

Para a pregação sugiro os passos seguintes, que o pregador obrigatoriamente deverá adaptar á sua realidade bem concreta. Na medida do possível apontarei algumas ideias.

1. O Espirito Santo cria e mantém a Igreja, por isso ela é santa. Para ilustração podem aqui ser analisadas as atuações de presbitérios que acham que deles depende a existência da Comunidade.

2. A Igreja está no mundo, mas não é do mundo. A preocupação da Igreja deve acontecer no mundo e com o mundo a partir da loucura do Evangelho.

3.Não existem Igrejas. Conforme o Credo Apostólico existe uma única igreja. Confissão não pode automaticamente ser identificada com Igreja. Ela só o será quando ela pregar o puro Evangelho e administrar retamente os Sacramentos. Aqui pode ser ressaltada a implicância que isto tem com o movimento ecuménico local, nacional e/ou internacional.

4. A Igreja como comunhão dos crentes, dos santos, dos reconciliados com Deus através de Jesus Cristo não pode ser vista em seu todo, mas somente em parte. Ex.: Comunidade, culto, reniões, etc. Ela sempre se manifesta a partir da fé no seu Senhor Jesus Cristo. Por isso ela é universal, católica, pois em todos os lugares onde há fé neste Senhor ela está presente.

5. A Igreja aparece também de forma visível através da estrutura eclesiástica. Esta está a serviço da Igreja invisível. Deve-se pertencer à comunhão dos santos (= Igreja invisível) para ser cristão e, em consequência, também à Comunidade/Igreja, que é personificada na estrutura eclesiástica. Assim como o homem não pode ser entendido sem o seu corpo, assim também não se pode entender a Igreja sem a sua organização.

6. A Igreja é o hospital para a doença do pecado. Todos são pecadores e tem necessidade de tratamento neste hospital.

V — Subsídios litúrgicos

1. Intróito: Salva-nos, Senhor, nosso Deus, e congrega-nos de entre as nações, para que te demos graças ao teu santo nome e nos gloriemos no teu louvor. Bendito seja o Senhor de eternidade a eternidade (S1 106. 47-48a).

2. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus, Pai amado. Confessamos-te que muitas vezes duvidamos da tua palavra. Enviaste-nos o Espirito Santo para dirigir e orientar a tua Igreja e nós agimos como se ele não existisse. Achamos que nossas forças são suficientes e que somente através delas a tua Igreja pode existir. Faze com que reconheçamos este nosso erro. Para tal, ilumina-nos com o Espirito Santo, pois só com o seu auxílio podemos ser transformados, e assim também aceitemos Jesus Cristo como o único Senhor da tua Igreja e da nossa vida. Em seu nome suplicamos: Tem piedade de nós, Senhor!

3. Absolvição: O Senhor nos anuncia em sua graça: Dar-vos-ei coração novo, e porei dentro em vós espirito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro em vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis (Ez 36.26-27).

4. Oração: Senhor Jesus Cristo! Em tuas mãos estão todos os cristãos nesta terra e com o Espírito Santo tu os guias e diriges e reúnes, mesmo os que estão dispersos. Te pedimos: congrega a tua Igreja na unidade da fé, para que nela possamos viver obedientes à tua palavra e assim te confessar e louvar em todas as situações. Amém.

5. Oração final: Bondoso Deus, Pai do nosso Senhor Jesus Cristo e Senhor da nossa vida! Nós te agradecemos por nos convidares sempre de novo a buscar-te e por nos deixares também encontrar-te. Nós te pedimos: Desperta entre nós pessoas que em teu nome, proclamem a tua Palavra de maneira reta e digna de crédito. Dá forças àqueles que já o fazem e que, por isso, são desprezados e perseguidos. Faze também de cada um de nós um mensageiro teu lá no nosso lar, entre amigos e colegas. Aos tristes em nosso meio dá alegria e aos alegres dá a gratidão. Mostra a cada um de nós que só seremos tua Comunidade se houver entre nós comunhão, e que esta só pode existir porque tu nos deste o teu Filho e também o Espirito Santo. Nesta comunhão dá-nos forças para não resignarmos, mas impulsionados por ela cresçamos juntos na fé, na esperança e no amor e, assim, anunciemos a tua santa vontade ao mundo atribulado pela fome, pela guerra, pelo ódio e pela morte. Dirige-nos com tua Palavra, por Jesus Cristo! Amém.

6. Leitura Bíblica: Atos 20.17-35 ou Efésios 3.14-21.

VI – Bibliografia

CENTRO ECUMÊNICO DE INFORMAÇÃO. O Credo Apostólico. In. Bíblia Hoje. Caderno 4. Rio de Janeiro, 1971.
JENTSCH, W. e outros, ed. Evangelischer Erwachsenenkatechismus. Gütersloh, 1975.
FISCHER, J. O conceito Igreja de Lutero segundo seus escritos Dos Concílios e da Igreja e Contra Hans Worst. In: Estudos Teológicos. Ano 6. Caderno 4. São Leopoldo, 1966.
LUTHER, M. Der grosse Katechismus. In. Calwer Luther-Ausgabe. Vol.1. 2.ed., München/Hamburg, 1967.
MEINHOLD, P. Luther Heute. Berlin/Hamburg, 1967.
TAYLOR, W. Dicionário do Novo Testamento Grego. 4.ed., Rio de Janeiro, 1965.
TRILLHAAS, W. Das Apostolische Glaubensbekenntnis. Witten/Ruhr, 1953.


Proclamar Libertação – Suplemento 1
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Otto Porzel Filho
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1982 / Volume: Suplemento 1
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7297
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