Introdução ao Catecismo

Auxílio Homilético

01/03/1982

Quando se aprende o Catecismo, faz-se o necessário (M. Lutero)

Albérico Baeske

I

1. Destino do Catecismo

Com o decorrer dos anos também os meus livros ficarão... na poeira, particularmente aqueles em que escrevi algo de bom, pela graça de Deus (Lutero considerava bons o Catecismo Menor e Do Arbítrio Escravizado)... Pois, se a gente chegou a esquecer da própria Bíblia... os meus livros não permanecerão por muito tempo.

Esta previsão de M. Lutero já começou a confirmar-se até para o Catecismo Menor. Quanto mais modernas as pessoas se acham tanto mais se sentem por cima deste livrinho considerado superado. E para tanto até evocam a chamada máxima dos reformadores: A Igreja precisa de constante reforma (apenas de passagem: seria instrutivo saber quem inventou a frase, uma vez que pesquisadores asseguram que não é de Lutero nem de Calvino), e com afã pretendem realizar a reforma aqui e agora.

A formulação evasiva na Constituição da IECLB: O Catecismo Menor de Martim Lutero é reconhecido nas suas Comunidades como confissão da Reforma (Art. 2°), é corresponsável por este estado de coisas. Neste contexto o presente livro pode ter importância, e o seu uso servir para vislumbrar sinais categóricos daquilo que se costumou chamar identidade evangélica luterana.

2. A melhor introdução

A melhor introdução ao Catecismo Menor deu o próprio autor no seu Prefácio (Livro de Concórdia, pp. 663 ss). Uma vez que o Catecismo Maior deve sempre ser consultado na clarificação do Menor, recomendo também um estudo de fôlego e de raiz dos Prefácios daquele (pp. 487 ss) De fato são conditio sine qua non para entendimento e interpretação do Catecismo Menor. (Mais um motivo para adquirir o Livro de Concórdia, imprescindível para o teólogo prático, isto é, o pastor evangélico luterano.)

3. Lutero e o Catecismo

O que Lutero inculca com tanta plasticidade e tanto vigor, ele pratica pessoalmente. Por exemplo, no auge da sua primeira pregação pública:

Eu sou... um teólogo e tenho lido, em diversos perigos, a Sagrada Escritura e possuo alguma experiência. Mesmo assim não me sinto orgulhoso devido a este dom, de maneira que não orasse o Catecismo diariamente,... e o meditasse de todo o coração, não papagaiando as palavras, mas meditando sobre o que elas querem dizer. Pois a palavra nos foi dada por Deus para que — como diz Moisés — a inculquemos em nós e nela nos exercitemos. Sem este exercício diário os nossos corações pegam — falando em sentido figurativo — ferrugem, com o que nós nos eliminamos a nós mesmos; na metade da sua vida:

Eu. embora velho doutor da Sagrada Escritura, ... não compreendo ainda direito os Dez Mandamentos, o Credo e o Pai Nosso, eu não os posso estudar a fundo nem aprendê-los totalmente, assim aprendo o Catecismo dia após dia e o oro com o meu filho João e a minha filhinha Madalena;

cinco dias antes da sua morte, à esposa preocupadíssima com a saúde dele:

Aprendes assim o Catecismo e a fé?”

II

1. Lutero, homem do povo

Muitas vezes Martim Lutero foi despertado para o fazer teológico e nele levado adiante pelo povo. Oriundo do povo, tinha muita sensibilidade para com ele. Lutero não queria doutriná-lo, mas conscientizá-lo, deixando-lhe a liberdade de posicionar-se diante de sua pessoa e suas asserções. Ele caminhava com o povo e no seu meio, solidário, crítico e aprofundador corajoso. Não o fez por prazer ou vaidade, oportunismo ou moda, mas por obediência da fé e opção de militante cristão:

“Salomão diz em Provérbios 1 1.26: 'Ao que retém o trigo, o povo o amaldiçoa, mas bênção haverá sobre a cabeça do seu vendedor.' Este adágio deve ser entendido, aliás, em relação a tudo aquilo que pode servir ao comum proveito ou consolo do povo cristão. Por isso também o Senhor chamou no Evangelho o empregado infiel de bobo preguiçoso porque tinha... escondido o ... dinheiro (confiado)

Para “escapar da maldição de Deus e do povo Lutero está atento ao povo e a sua disposição, conversando e debatendo, pregando e publicando.

2. Lutero, teólogo do povo

Em nenhuma fase do seu fazer teológico, pois, abstraía do povo, por conseguinte foi concreto, prático e popular. De pronto percebia o que faltava para a salvação eterna e temporal do povo. Em dado momento Lutero sabia esclarecer, articular e comunicar o urgente e o necessário. Assim se tornou agente pastoral por excelência. Prova saliente disso é o Catecismo Menor. Não só por causa do seu conteúdo e método mas inclusive pela maneira como vinha sendo preparado.

Já em 1516/17 Lutero tratava os Dez Mandamentos, o Pai Nosso e o Credo em suas prédicas. No tempo subsequente continuou a fazer isto regularmente. No ano de 1523 introduziu pregações catequéticas anuais. A partir de 1525 estas aconteciam quatro vezes ao ano,durante duas semanas seguidas, em quatro dias úteis. Elas eram proferidas ao lado das prédicas matutinas dominicais que igualmente versavam sobre o Catecismo. Das respectivas séries das suas pregações de 1528 Lutero criou os Catecismos. Começou a formular o Menor antes do Natal. As primeiras três partes foram impressas em janeiro, a quarta e a quinta em março de 1529 e, logo depois, as orações e a tábua dos deveres, todas elas em cartazes. Em maio saiu o Catecismo Menor em forma de livro. Entre ambas as impressões Lutero publicou o Catecismo Maior. A última edição autêntica do Catecismo Menor do Dr. Martim Lutero é de 1531, a qual encontramos no Livro de Concórdia (pp. 463 ss.)

III

1.Aprender, sinal da fé

“Catecismo significa livro de aprender. Já a sua mera existência define Igreja como comunhão de aprendizagem. Aprender é sinal de vida da fé. Aprender inclui ficar quieto, ter tempo, esperar — e
ouvir Deus, entregar-se a ele, começar tudo de novo. Observe o próprio Martim Lutero! Veneno mortal para a fé é o tédio perante a Palavra de Deus. Quem não a continua aprendendo, desaparece como cristão.

Os Catecismos de Lutero fazem frente a isso. O Menor insiste em gostar de ouvir e aprender (a Palavra de Deus) e o Maior no exercício da Palavra de Deus”. A Palavra de Deus impele a que os homens se treinem nela.

'Não apenas assim que decorem e (depois) recitem as palavras mas que sejam capazes de responder quando perguntados, o que parte por parte significa e como deve ser entendida (Lutero).

De que modo? Lutero era sóbrio em relação tanto à percepção e ao alcance da prédica quanto à lerdeza e teimosia dos ouvintes. Por isto ele se importava com um jeito de conservar para o dia útil da semana o que havia sido dito no sermão. Aí se viu levado a conceber o Catecismo Menor como instrumento de tal treinamento e como resumo concreto da pregação.

2. O Catecismo habita para tempo e eternidade

A fé anela entender e exige concludência. Ela não se satisfaz com explicações descadeiradas e rejeita lengalenga piedosa. A fé se revolta contra qualquer alienação e fuga da realidade, sobretudo quando aparece sob bandeiras cristãs. Ela quer que a sua razão de ser se evidencie na vida nua e crua. O raciocínio dos crentes penetra e escava a fé, verbalizando-a e materializando-a racionalmente.

Aqueles que aprendem a fé com o auxílio do Catecismo Menor sabem articular em quem, o que e por que crêem; sabem ainda tirar as devidas consequências práticas. O Catecismo com o seu Que significa isso?, Como sucede isso?, etc. conscientiza a fé. tornando-a livre e critica, animando-a a perguntar e contestar e oferecendo-lhe argumentos; abre visão para as suas tarefas, impulsionando para a militância cristã no dia a dia.

O Catecismo Menor habilita não apenas para a intransigente confissão comprometida da fé no mundo,mas apronta também para alem deste:

Nós somos todos forçados a enfrentar a morte e ninguém morrerá pelo outro, cada um lutará por si mesmo com a morte. Por isso cada um, pessoalmente, precisa saber bem os artigos principais (da fé)... e estar bem preparado (Lutero).

IV

1. Catecismo, necessário para a salvação

Os artigos principais são as seis partes do Catecismo Menor. Sabê-las é necessário para a salvação (Johannes Bugenhagen). Na-iln itmis c nada menos se necessita. O Catecismo tem importância pelo fato de oferecer o extrato das Sagradas Escrituras, e autoridade por estar a serviço da vivência das mesmas pelos homens. Por isso Lutero o chamava de Bíblia para os leigos. Com ele os cristãos ganham base sólida para avaliarem toda a doutrina e vida da Igreja e as suas próprias vidas.

2. O Catecismo peneira a experiência, do crente

Está claro, pois, que não fica ao agrado — convicção, experiência e inspiração — do indivíduo definir o que é principal. O individualismo cristão é o lugar de penetração do sectarismo que, muito antes de caracterizar grupos inexpressivos na cristandade, infesta a maioria dela.

Os cristãos em conjunto descobrem — confrontando o seu próprio pensar, querer e desejar com as Sagradas Escrituras — o necessário para a salvação, o que, de novo em conjunto, resumem em credos. No povo cristão atraem atenção especial os credos que mais engrandecem a Jesus Cristo, gravando na memória das pessoas, de maneira nítida e plástica, o seu sacrifício inocente e único, que liberta e lança para dentro do serviço a Deus nos homens. Daí por que os Catecismos de Martim Lutero terem sido aceitos entre os Escritos Confessionais da Igreja Evangélica Luterana (cf. Livro de Concórdia, pp. 500. 5 ss 543. 8ss).

3. O chefe de família ensina o Catecismo

Sendo o Catecismo Menor Bíblia para os leigos, são estes os naus promotores. Originalmente o Catecismo foi escrito para

o chefe de família saber como deve ensinar os Dez Mandamentos, o Credo, etc. com simplicidade a sua casa (Livro de Concórdia, pp. 366; 370 e outras).

Para facilitar isto, inclusive o manejo prático, a primeira edição saiu em forma de cartazes. Estes eram apropriados para serem colocados na parede da sala maior da casa. De lá o chefe de família os tirava com regularidade a fim de serem, sucessivamente, aprendidos por todos os da casa. Além de ensinar, o chefe de família também tomava as lições já passadas.

A partir da primeira publicação sob forma de livro (e com o Prefácio) o texto ganhou o título ' 'Catecismo Menor para os pastores e pregadores indoutos (Livro de Concórdia, p. 363). A tradução latina colocou Pequeno Catecismo para meninos na escola. De que maneira os mestres-escolas devem ensinar aos meninos, do modo mais simples, os Dez Mandamentos (p. 366, nota 11).

Tal compreensão posterior do Catecismo Menor corroborou com que se esquecesse logo o intuito primeiro de Martim Lutero: a responsabilidade integral dos pais pelos filhos e demais companheiros de casa e trabalho como realização do seu sacerdócio de todos os crentes ou bispado (Lutero) junto a todos eles em forma de catecumenato permanente:

Como vocês querem se justificar quando Deus no... juízo final... disser: 'Eu lhes dei filhos (e demais companheiros de casa e trabalho) e bens, mas não ajudaram a construir e melhorar meu reino na terra e no céu, mas apenas contribuíram para enfraquecê-lo e destruí-lo. Do contrário, a Satanás ajudaram a construir e aumentar o seu inferno, por isso morem na casa que construíram.

É claro que o Catecismo tem que ser tratado na igreja pelo pastor e na escola pelo professor para o que se lhes oferece o seu Catecismo, o Maior. Antes de tudo, porém, o Catecismo precisa ser ensinado pelo responsáveis pela comunhão da casa e do trabalho. O seu encargo é intransferível. Nada e ninguém pode fazer as vezes do seu testemunho e exemplo.

O Catecismo Menor quer ser estudado com a ajuda do mais próximo — e não de especialistas distantes; quer ser aprendido onde se vive — e não em locais específicos que meramente se frequentam por parcas horas.

4. Como iniciar?

Podemos começar de maneira bem simples, distribuindo a memorização e oração do Catecismo Menor através do Ano Litúrgico. A título de sugestão:

[ Veja quadro anexo]


Não se deveria realizar nenhum Batismo e Ceia do Senhor sem recordar parte ou todo o respectivo capítulo no Catecismo Menor; nenhuma bênção matrimonial, aniversário de casamento e bodas de prata ou ouro sem os Primeiro, Quarto e Sexto Mandamentos, os relativos trechos do Primeiro Artigo do Credo e as Quarta e Sexta Petições do Pai Nosso; nenhum enterro sem o Que diz Deus..., a Sétima Petição e as correspondentes passagens do Segundo e do Terceiro Artigo; nenhum aniversário comemorado sem os Primeiro e Segundo Mandamentos, o Primeiro Artigo, as Quarta e Sexta Petições.

A constante repetição leva a uma familiarização com o Catecismo que, por sua vez, conduzirá a perspectivas surpreendentes, dimensões esquecidas e verificações desprezadas da fé. Vejamos alguns exemplos:

1. O Catecismo serve mais do que a Confissão de Augsburgo

Referente ao Catecismo como assistente da fé:

— ele pertence a adultos e crianças; todos precisam dele (isto se evidencia em todas as suas Partes);
— ele ajuda mais na reorientação da fé e da sua militância do que a Confissão de Augsburgo (cf. em especial as suas três primeiras Partes):
— embora construtivo e irenista, ele é decidido e chama à decisão (cf. Primeira Petição).

2. O Catecismo destapa a fé

Referente à fé destapada pelo Catecismo:

— Somente Deus é livre e agente (cf. Primeiro Mandamento; Que diz Deus.. : Primeiro Artigo): ele não depende dos homens para ser Deus (cf. Primeira à Quarta Petições);

— Deus concede a fé como fruto da sua Palavra corporificada uma vez por todas em Jesus Cristo e trocada em miúdos de maneira permanente e provocativa pelo Espírito Santo (cf Terceiro Artigo; Primeira e Segunda Petições) e a preservas (cf. Terceira, Sexta e Sétima Petições;

- só a lê alcança tudo; nela se tem tudo (cf. O Sacramento do Santo Batismo, Segundo e Terceiro; O Sacramento do Altar, Terceiro e Quarto. Terceiro Artigo).

3. O Catecismo insiste na verificação da fé

- a fé é temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as coisas (Primeiro Mandamento; cf. Que diz Deus..., Pai nosso, que... ) e ela se verifica na militância diária e concreta em favor e ao lado do próximo (cf. Segundo ao Décimo Mandamentos; Primeira e Segunda Petições; Primeiro Artigo);

- a verificação da fé acontece junto com todos os crentes (cf. Terceiro Artigo; mudança de tu para nós nos Dez Mandamentos; nós no Pai Nosso, Santa Ceia, Batismo e Como se deve ensinar as pessoas simples a se confessarem (particularmente)/Confissão) na política (cf. Quarto, Quinto e Sétimo ao Décimo Mandamentos; Primeiro Artigo; Quarta Petição (v.. Confessando nossa fé, pp. 60s);
- a verificação da fé dá expressão categórica à esperança ativa pelo Remo de Deus (cf. Terceira Petição); sim, já o antecipa — na fé (cf. Segundo Artigo; Segunda Petição; Batismo, Segundo; Santa Ceia, Segundo);

- na verificação da fé os crentes são principiantes (cf. Batismo, Quarto); para poder continuar, eles dependem da ordem (cf. Segundo Mandamento) e da animação de Deus de gritar para ele (cf. Pai Nosso, que...; Primeira à Quarta, Sexta e Sétima Petições) e do seu perdão (cf. Quinta Petição; Confissão) maciço e objetivo (cf. Batismo, Segundo e Terceiro; Santa Ceia, Segundo e Terceiro).

VI

1. Catecismo versus costume

E assim por adiante... Sondar o Catecismo Menor é uma aventura. Justamente por provocar falta de ar, tira as viseiras da fé, engaja a fantasia e desata as suas mãos. Os que pretendem participar nesta «ventura, tenham presente:

É trabalhoso arrancar-se dos erros e vencê-los: devido ao exemplo de todo mundo, tornaram-se intocáveis e, devido ao longo costume, transformaram-se, por assim dizer, em natureza da gente. Como é verdadeiro o provérbio: 'Difícil é abandonar aquilo a que a gente se acostumou' e 'Costume é outra (segunda) natureza', e Agostinho fala com toda razão: 'Não resistindo ao costume, ele vira obsessão' (Lutero).

2. Catecismo, dádiva especial de Deus

O Catecismo Menor auxiliará a resistir ao costume e a finalmente vencê-lo. Ai se concordará com Justus Jonas, cooperador de Lutero, que escreveu três anos após a publicação dos Catecismos:

É uma ... dádiva especial ... de Deus que se ensina agora de novo o Catecismo na Igreja de maneira pura... Pois nele cada pessoa tem toda a teologia e pode aprender a perceber o que é o mais exalo, grande e verdadeiro serviço a Deus: qual a vontade de Deus e o (seu) mandamento...: idem. como cada um — conforme o agrado de Deus — deve se portar e viver no seu posto em relação ao próximo... E se a Doutrina Luterana nada teria adiantado a não ser ter feito conhecido o Catecismo... ao povo. ela teria edificado na Igreja mais... do que... todas as universidades, desde que existem.

VII

Bibliografia

ALTMANN, W. ed. Confessando nossa fé. São Leopoldo, 1980.
COMISSÃO INTERLUTERANA DE LITERATURA, ed. Livro de Concórdia. Confissões da Igreja Evangélica Luterana. Tradução e notas de A. Schüler. São Leopoldo/Porto Alegre. 1980.

Proclamar Libertação – Suplemento 1

Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia

baixar
ARQUIVOS PARA DOWNLOAD
Plano de Estudos.doc


Autor(a): Albérico Baeske
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1982 / Volume: Suplemento 1
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7289
REDE DE RECURSOS
+
Ele, Deus, é a minha rocha e a minha fortaleza, o meu abrigo e o meu libertador. Ele me defende como um escudo, e eu confio na sua proteção.
Salmo 144.2
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br