Paróquia Ferrabraz

Sínodo Rio dos Sinos


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6º Domingo da Páscoa

09/05/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,


quem pode fazer parte do Reino de Deus? Apenas os que nós aceitamos a partir da nossa “moralina”? Apenas aqueles que nós julgamos capazes? Apenas aqueles que nós julgamos como aceitáveis? Repito a pergunta principal: Quem pode fazer parte do Reino de Deus? Somos nós quem decidimos? O que o Evangelho tem a nos dizer?

Jesus pronunciou palavras fortes e duras contra os que se ostentavam como “adeptos da moral e da religião” em seu tempo. Ele respondeu aos sacerdotes do templo que se achavam os possuidores de toda regra e moral: “Em verdade lhes digo que os publicanos e as prostitutas estão entrando no Reino de Deus primeiro que vocês”. (Mateus 21.31). Sim. Os corruptos e as prostitutas podem estar entrando no Reino de Deus antes de nós. Por quê? Porque o Evangelho inverte a lógica humana. O Evangelho da Salvação é para o perdido e não para quem acredita que vive diante de Deus de maneira sublime. O Evangelho é para os perdidos, para os que se consideram pó, humos, cocô de minhoca, e que, em arrependimento, são restaurados pela Palavra do Senhor.

Jesus não veio para os que se consideram “exemplo a ser seguido”, para os que acham que há uma auréola em sua cabeça de tão santos que são ao ponto de excluírem aquele que é pecador; ao contrário, é para o pecador que Jesus veio. Em outras palavras, é para nós todos que ele veio, pois não há um justo sequer na face da terra. Engana-se quem exclui o diferente por se achar melhor, pois, diante de Deus, não é nada melhor! O que é a nossa “moralina” diante de Deus? O que é o nosso julgamento diante de Deus? Nada! Pó! Coisa inútil.


Jesus Cristo é o Deus que se faz homem. Em tudo igual a nós, exceto no pecado, pois ele nunca pecou. Ele é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem para nos salvar dos nossos pecados e nos levar a um sincero arrependimento. Esta é a missão do Filho. Todos somos pecadores e merecemos o castigo, mas ele veio nos salvar. Esta é a mensagem pregada com muita alegria pelos primeiros discípulos.

O apóstolo Pedro estava compreendendo tudo isso. Ele ainda achava que o Evangelho era uma Palavra de Deus apenas para os judeus. Pedro não havia entendido que a Aliança de Deus era para todos os povos. Os outros povos possuíam práticas que ele considerava impuras. Isso impedia que Pedro e outros discípulos levassem o Evangelho aos povos vizinhos.

Enquanto eles deixavam de pregar o Evangelho por se acharem melhores que os outros povos, Deus cumpre a sua promessa de abençoar todas as famílias da terra (Gênesis 12.1-3). O próprio Deus faz com que a sua Palavra seja cumprida. Um dia, Pedro estava perto da cidade de Jope e, chegando a uma casa, pôs-se no terraço dela para orar próximo ao meio-dia. Ele estava com muita fome. Então Pedro teve uma visão. Diz-nos Atos 10.11-13: “Viu o céu aberto e um objeto como se fosse um grande lençol, que descia do céu e era baixado à terra pelas quatro pontas, contendo todo tipo de quadrúpedes, répteis da terra e aves do céu. E ouviu-se uma voz que se dirigia a ele: - Levante-se, Pedro! Mate e coma.” A nós pode parecer algo normal; porém, para Pedro, aquilo não era nada normal.

Em Levítico 11 há uma lista de animais puros e impuros, ou seja, carnes que poderiam e que não poderiam ser consumidas. Não vou ler toda a lista, mas recomendo a você que dê uma lida na sua casa. O capítulo 11 de Levítico termina dizendo: “Esta é a lei a respeito dos animais, das aves, de todo ser vivo que se move nas águas e de toda criatura que rasteja sobre o chão, para fazer diferença entre o impuro e o puro e entre os animais que podem ser comidos e os animais que não podem ser comidos.” (Levítico 11.46-47). Apenas para citar, estes eram alguns animais que não poderiam ser consumidos: Porco (v. 7), águia, urubu (v. 13), corvo (v. 15), avestruz, coruja, gaivota, gavião (v. 16), gralha, pelicano, abutre (v. 18), cegonha, garça, morcego (v. 19), lagarto (v. 29), crocodilo, lagartixa, camaleão (v. 30). Estas coisas eram “abominação ao Senhor” (v. 41).

Além disso, se um animal desses caísse morto sobre um objeto da casa, também os objetos seriam considerados impuros. Levítico 11.32 diz: “E tudo aquilo sobre que cair qualquer um desses animais, estando eles mortos, ficará impuro, seja vaso de madeira, roupa, pele, pano de saco ou qualquer instrumento com que se faz alguma obra; deverá ser posto em água e ficará impuro até à tarde; depois, ficará puro.” Israel era um povo que – diferente dos povos vizinhos – cuidava muito da sua higiene. A “vigilância sanitária” acontecia através destes rituais religiosos de purificação. Assim, evitavam contaminações e tornavam-se saudáveis para enfrentar as guerras e conquistar a terra prometida. Não eram apenas leis religiosas, mas leis sanitárias em formato de leis religiosas.

E Pedro, um judeu, com muita fome, tem uma visão onde aparecem exatamente estes animais que não poderiam ser consumidos. E o próprio Deus disse a Pedro: “ - Levante-se, Pedro! Mate e coma!” (Atos 10.13). Pedro, conhecendo muito bem Levítico 11, respondeu ao Senhor: “ - De modo nenhum, Senhor! Porque nunca comi nada que fosse impuro ou imundo.” Pedro não estava dizendo nada errado. Pelo contrário, estava apenas lembrando as leis do seu povo conforme Levítico 11. Mas, Deus lhe diz: “ – Não considere impuro aquilo que Deus purificou”. (Atos 10.15).

A pergunta agora é: para quê tudo isso? Por causa dos planos de Deus para levar o Evangelho a todos os povos. Como o Evangelho seria pregado se Pedro e os outros discípulos nem ao mesmo seriam capazes de ter uma refeição com aqueles que comem outros tipos de alimentos? Como seria a Ceia do Senhor? Não haveria harmonia. Por isso, o próprio Deus toma a iniciativa de deixar claro que o Evangelho deveria ser testemunhado a todos os povos, independentemente dos seus costumes. Na verdade, isso já havia acontecido em Atos 2 quando cada povo que estava presente no evento do Pentecostes entende o Evangelho na sua própria língua. Isso demonstra que Deus não é contra as diferenças culturais, mas usa as diferenças culturais para que o Evangelho seja proclamado. Agora, Pedro está entendendo isso.

Por isso, logo após a visão, Pedro é enviado a Cornélio que não era um judeu, mas queria ouvir o Evangelho. Pedro é o primeiro discípulo a pregar o Evangelho a alguém que não era da religião judaica. Embora Paulo seja chamado de “o apóstolo dos gentios” por espalhar o Evangelho por diversas regiões, Pedro é o pioneiro neste tipo de missão. Claro, ele não deixou de ser ele mesmo. Pedro estava tão desconfortável com a situação que até soltou uma grosseria ao dizer: “ – Vocês bem sabem que um judeu está proibido de se juntar a um gentio ou de entrar na casa dele”. Ok, ele não começou muito bem. Mas então Pedro disse: “ Mas Deus me mostrou que não devo considerar ninguém impuro ou imundo. Por isso, uma vez chamado, vim sem vacilar.” (Atos 10.28-29). Pedro aceitou o chamado divino e abriu mão de seu preconceito religioso para estar com aqueles que antes eram desprezados e considerados pessoas que não faziam parte da Aliança de Deus. Ele foi sem vacilar. Começou de maneira grosseira, mas logo testemunha da Palavra do Senhor.

Pedro, então, pregou na casa de Cornélio. Ele inicia a sua pregação, dizendo: “ – Reconheço que Deus não trata as pessoas com parcialidade; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável.” (Atos 10.34). Deus não faz diferenciação entre as pessoas ou entre os povos como nós fazemos. Pelo contrário, ele deseja que o Evangelho chegue até mesmo aos mais pecadores, miseráveis e desprezíveis. E na continuação da pregação, Pedro expôs com clareza toda a história dos três anos do ministério de Jesus. Pedro anuncia como Jesus pregou por toda parte, que foi morto e ressuscitado ao terceiro dia. Esta foi a sua pregação: uma mensagem cristocêntrica!

E então, chega o texto que nós ouvimos na leitura bíblica e que é o trecho previsto para este 6º Domingo após a Páscoa. O Pentecostes chegou também para aquelas pessoas: “Enquanto Pedro falava estas palavras, o Espírito Santo caiu sobre todos os que ouviam a mensagem.” (Atos 10.44). Houve salvação naquela casa. A mensagem de Jesus foi entendida. E os judeus ali presentes com Pedro ficam espantados: “admiraram-se, porque também sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito Santo.” (Atos 10.45). E logo aquelas pessoas foram batizadas em nome de Jesus Cristo (cf. Atos 10.49).

Foi um acontecimento extraordinário. O Evangelho poderia ser pregado e aceito pelos diferentes povos e culturas. Era necessário abandonar qualquer preconceito moral ou religioso para testemunhar da Palavra viva a quem quisesse ouvir. O Evangelho não nos orienta a nos acharmos melhores do que os outros, mas a pregarmos o amor de Jesus a todas as pessoas; a não agirmos com parcialidade, mas a termos misericórdia, seja com quem for.

Claro, nem tudo foi tão bonito. Quando Pedro voltou para Jerusalém, teve que dar explicações. Os outros apóstolos afirmam a ele: “ – Você entrou na casa de homens incircuncisos e comeu com eles.” (Atos 11.3). Perceba: não é uma pergunta, mas uma afirmação e um julgamento. Pedro então contou toda a história a eles e se defendeu das acusações. O resultado foi o seguinte: “Quando os demais ouviram isso, acalmaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: - Então também aos gentios Deus concedeu o arrependimento para a vida!” (Atos 11.18). Através do Espírito de Deus, houve um grande entendimento de que o Evangelho não era uma mensagem fechada aos judeus somente, mas que deveria ser anunciada aos quatro cantos da terra, a judeus e gentios.

O martelo foi batido apenas em Atos 15 quando acontece o que chamamos de Concílio de Jerusalém. Os apóstolos e os presbíteros se reuniram na cidade para discutir se os gentios que se arrependeram e confessavam o Evangelho deveriam passar pelo ritual judaico da circuncisão ou não. A circuncisão era um pequeno corte feito no órgão genital masculino no oitavo dia após o menino nascer. No Antigo Testamento, era o sinal da Aliança e foi instituído por Abraão, conforme Gênesis 17. E agora? Todos os que se tornavam cristãos precisariam passar pela circuncisão ou não? Primeiramente, Pedro tomou a Palavra e disse: “somos salvos pela graça do Senhor Jesus, assim como eles”. (Atos 15.11). Também Tiago tomou a Palavra. Baseou a sua argumentação em Amós 9.11-12 onde o profeta afirmava já no Antigo Testamento a salvação dos gentios.

A decisão final está na Ata que encontramos em Atos 15.23-29 em forma de carta. Ela diz: “Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não impor a vocês maior encargo além destas coisas essenciais: que vocês se abstenham das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e da imoralidade sexual; se evitarem essas coisas, farão bem. Passem bem.” (Atos 15.28-29). Agora o martelo estava batido: o Evangelho poderia ser pregado por todos os lugares e aqueles que ouvissem e se arrependessem de seus pecados não precisariam passar pelos rituais judaicos, pois já seriam purificados pelo sangue do Cordeiro morto na cruz pela nossa Salvação. Já não é mais a circuncisão ou qualquer outro ritual religioso que traz a Salvação ao ser humano. Nenhuma obra humana é capaz de purificar o ser humano dos seus pecados. Apenas o sangue de Cristo pode fazer isso. É para isso que ele morreu e gritou “Está consumado!”, pois esse sacrifício é único!

Amados irmãos, amadas irmãs,

hoje nós passamos por uma longa história. Fizemos isso para não deixar dúvidas a respeito da pregação do Evangelho. Pobre de quem se considera melhor que os outros e não enxerga os seus próprios pecados. Na verdade, acusa os outros justamente para esconder aquilo que faz. Só vamos entender e viver o Evangelho ao compreendermos que ele é para todos e que não há maiores pecadores que nós mesmos. Quando pensarmos assim, jogaremos fora o nosso martelo de juiz para, de fato, agirmos com misericórdia até com os mais pecadores, miseráveis e desprezíveis.

Termino citando três pontos muito importantes trazidos pelo pastor metodista Luiz Carlos Ramos na sua explicação do texto bíblico para hoje no livro Proclamar Libertação:

1. Universalidade: o Espírito Santo desce sobre o estrangeiro e todos da sua casa, sem distinção de etnia, idade, sexo, língua ou condição social – o Espírito Santo não pode ser contido pelos nossos preconceitos, nem ser confinado às quaisquer fronteiras que queiramos erigir.
2. Inclusividade: todos são batizados: o evangelho, a despeito de ser uma experiência que transcende instituições, dogmas e rituais, não nega aos seus o direito aos sinais sacramentais, visíveis, portanto, que tornam evidente e pública a inclusão no seio da família da fé daqueles e daquelas que outrora eram excluídos, marginalizados e proscritos.
3. Solidariedade: permanecendo na casa de Cornélio alguns dias, Pedro e seus acompanhantes repetiram o que Jesus tantas vezes havia feito: partiu e repartiu com eles o pão em ação de graças, celebrando a verdadeira eucaristia, não a do reino de Herodes, nem a do império de César, mas a do novo mundo de Deus, cujo fundamento é o grande mandamento do “amor sem limites, amor sem idade, amor por toda a humanidade”.¹

Universalidade é Evangelho para todas as pessoas; Inclusividade é o acolhimento dos que são diferentes; Solidariedade é o auxílio aos necessitados. Como Igreja de Jesus, assumamos esta postura diante de outros irmãos e irmãs e da própria sociedade. Arranquemos as auréolas das nossas cabeças e desçamos da núvem em que achamos que estamos para que, assim, estejamos mais próximos daqueles que precisam de palavras de alento e consolo, bem como de arrependimento e vida nova. Termino citando mais uma vez o pastor Luiz Carlos Ramos:

A missão de evangelizar é abrir-se para o outro e a outra, o diferente e a diferença, e não se limita à realização de discursos. Implica ainda quebrar barreiras, superar preconceitos, adotar uma atitude de inclusão e uma postura de acolhimento. E mais do que coexistir, é estar disposto a conviver, sentando-se à mesma mesa, é partir e repartir o pão em ação de graças (eucaristia), e singeleza de coração, que é o que Jesus faria. É reconhecer que o amor sem limites de Deus torna puras todas as coisas e todas as pessoas, por meio da solidariedade humana.2

Amém.
 


5º DOMINGO DA PÁSCOA | BRANCO OU DOURADO | CICLO DA PÁSCOA | ANO B

02 de Maio de 2021


P. William Felipe Zacarias


1 RAMOS, Luiz Carlos. “Não somos tão desprezíveis, afinal”. in: HOEFELMANN, Werner (Coord.). Proclamar libertação: auxílios para o anúncio do evangelho. vol. 45. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2020. p. 177.

 

2 RAMOS, 2020. p. 175.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Missão / Nível: Missão - Coronavírus
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 10 / Versículo Inicial: 44 / Versículo Final: 48
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 62406
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