Paróquia Ferrabraz

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ID: 324

Resiliência Espiritual | 1 Pedro 3.18-22

1º Domingo na Quaresma - ANO B

13/02/2024

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.[1]

 

Estamos na jornada da Quaresma, onde buscamos o crescimento espiritual através da preparação e do arrependimento. Todos nós passamos por dificuldades e sofrimentos em nossas vidas. As nossas vidas são marcadas por altos e baixos. Há momentos de pleno prazer e alegria em que poderíamos cantar a bela poesia alemã que diz “So ein Tag, so wunderschön wie heute, So ein Tag, der dürfte nie vergehn.” (Um dia assim, tão lindo como hoje, um dia assim, nunca deveria acabar). São momentos maravilhosos, gloriosos, perfeitos. Mas, a vida também é marcada por sofrimentos, tristezas, mágoas, desafios, estresses. Como dizem as canções de Beuern (Carmina Burana em latim), “Ó Fortuna, velut Luna, statu variabilis, semper crescis aut decrescis; vita detestabilis” (Ó Sorte, és como a lua: sempre mutável: sempre cresces ou diminuís; ó, detestável vida)[2]. Ou seja, lançado à sua própria sorte, o ser humano não tem possibilidade de antever o dia de amanhã.

A cor violeta dos paramentos indica que estamos vivendo o tempo da Quaresma. A cor violeta é associada à penitência, espera, tristeza, saudade. Sinaliza que algo está por vir. Nos convida para a meditação e a oração. Um dos propósitos da Quaresma é o nosso crescimento pessoal e espiritual. Este período do calendário litúrgico não está relacionado apenas a algumas privações (como o jejum, por exemplo). Ao contrário, a Quaresma é uma jornada de crescimento que destaca o tempo de preparação, arrependimento e reflexão como meios de fortalecer a nossa capacidade de superar as adversidades da vida – logo, a Quaresma é uma oportunidade.

O sofrimento faz parte da vida tão humana. No texto que ouvimos do evangelho de Marcos 1.9-15, vemos que logo após o seu batismo (ponto inicial), Jesus passou pela tentação no deserto (ponto de tensão) e, então, iniciou seu ministério de três anos (ponto de reflexão); da mesma forma, em 1 Pedro 3.18-22, o apóstolo aponta para a importância de recordar o batismo enquanto “apelo por uma boa consciência (συνειδήσεως ἀγαθῆς) para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo” (v. 21). Pedro escreveu sua carta às igrejas que sofriam com a perseguição do Império Romano – para que sejam resistentes (e resilientes?) na proclamação do Evangelho de Jesus Cristo.

Tanto a situação de Jesus quanto a situação de Pedro nos apontam para a resiliência. Mas, o que é a resiliência? A palavra resiliência inicialmente significa “a capacidade máxima que um material possui de suportar tensão sem se deformar de maneira permanente, retornando ao seu estado original”[3]. É como um elástico que, após ser esticado, retorna ao seu estado original. Outra ilustração é o metal. Trabalhei por dez meses em uma metalúrgica na minha cidade natal, Agrolândia/SC. Minha função principal era temperar metais para que se tornassem mais resistentes. O metal era aquecido até quase derreter; então, vinha a água gelada sobre o metal que, com o choque térmico, fazia o metal ficar mais resistente. Como eram rolos de picadores de madeira, os dentes dos rolos precisavam passar por esse processo de resiliência para “aguentarem o tranco”.

Jesus, Pedro e os apóstolos passaram por diversas dificuldades, adversidades e momentos de tensão. Contudo, surpreende que, mesmo diante de situações de tensão, Jesus, Pedro e os apóstolos conseguiram continuar sua jornada. Os desafios eram enormes. Contudo, eles seguiram em frente. As humilhações, opressões e perseguições foram avassaladoras. Mesmo assim, a chama da esperança permanecia acesa.

Na vida moderna também passamos por situações desafiadoras e de puro estresse. As crises são diferentes e variam de acordo com as circunstâncias: traumas, feridas não curadas na alma, doenças, luto, desemprego, polarização... Enfim. A vida é boa, mas também sabe dar suas “pancadas” de vez em quando... A boa notícia é que estamos na Quaresma – esse tempo que nos oferece uma oportunidade para exercitarmos a resiliência, fortalecendo a nossa fé e a nossa confiança em Deus diante das adversidades e tensões da vida. Para refletirmos mais sobre o assunto, convido você a caminharmos juntos através do tema com a ajuda de três pontos:

 

1      BATISMO – PRESENTE DE DEUS

 

Na resiliência, há um estado inicial que é a naturalidade das nossas vidas. A partir da fé cristã, sabemos que o ponto inicial da vida cristã é o batismo. Através das águas do batismo, cumprimos a ordem de Jesus (cf. Mateus 28.18-20), somos aceitos/as por Deus e fazemos parte da Igreja Cristã.

Em sua carta, o apóstolo Pedro aponta uma relação entre o Batismo e o Dilúvio de Noé. Através da arca de Noé, Deus concedeu salvação aos seus. Naquele momento, “apenas oito, foram salvos através da água” (v. 20b). Da mesma forma, Pedro afirma que “o batismo, que corresponde a isso, agora também salva vocês, não sendo a remoção das impurezas do corpo, mas o apelo por uma boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo.” (v. 21).

Esse é o estado inicial. No nosso batismo, Deus nos acolhe, inclui e ama. Pela leitura e conhecimento da Palavra de Deus, pela vida em comunidade e pela prática do amor que inclui sem preconceitos, somos capacitados para, a partir do Batismo, enfrentarmos as adversidades. Em meio aos problemas e tensões da vida, lembramos que fomos batizados/as e que somos amados/as por Deus. Martinho Lutero escreveu “sou batizado” em sua escrivaninha como uma forma de lembrar a si mesmo sobre o amor de Deus – ele que também passou por períodos de profunda tensão e adversidades durante a Reforma.

Portanto, em meio às suas crises, tenha certeza: Deus ama você; Deus capacita você; Deus cuida de você. Não porque mereçamos, mas por causa de Cristo e da sua graça! O Batismo é um presente a qual abrimos com a nossa fé! Através da prática da fé, o Batismo se torna a lembrança recorrente do amor de Deus e do amor ao próximo – para uma boa consciência, disse Pedro. Através da lembrança do Batismo, recordamos a morte e ressurreição de Jesus – e que, da mesma forma, fomos afogados para o pecado e ressuscitados para uma nova vida em Cristo Jesus.

 

2      TENTAÇÃO – JORNADA QUARESMAL

 

Nós recebemos o batismo. A recordação do Batismo anuncia que fomos aceitos e amados por Deus. Contudo, o Batismo não elimina os sofrimentos, as dificuldades e as lutas dessa vida. Ainda não estamos nos céus! O melhor ainda está por vir.

Nesse tempo da Quaresma, nossa pia batismal está preenchida com areia. Esse é um lembrete de que em algumas circunstâncias o deserto faz parte da nossa vida. Em meio ao sofrimento, à tensão e aos problemas da vida, temos sede de cura. Nos sentimos secos, vazios e ansiosos pela abundância da graça. Na resiliência, esse é o estado de tensão.

Jesus experimentou o Batismo. Aquele foi um momento glorioso – basta lermos novamente o relato em Marcos 1.9-11. Mas então a glória dá lugar à tensão: “E logo o Espírito conduziu Jesus ao deserto, onde ficou durante quarenta dias, sendo tentado por Satanás.” (Marcos 1.12-13). Da mesma forma Pedro que, após a ressurreição de Jesus e do Pentecostes, foi uma figura-chave na pregação e proclamação do Evangelho, também enfrentou as perseguições do Império Romano, escrevendo, em sua carta, palavras consoladoras e pastorais às igrejas sofredoras.

Aqui é o momento em que o elástico está esticado – em tensão. Aqui é o momento em que o ferro recebe o fogo: amarela, avermelha e quase se derrete. É o momento da provação, da tentação, da tensão.

A Quaresma é um lembrete desses momentos ao mesmo tempo em que é um consolo ao nos afirmar que Deus, em Jesus Cristo, também passou por sofrimentos. Deus sofre! Deus sofre conosco! Não estamos sozinhos. Existem momentos em que o elástico estica e gritamos: “não aguento mais! Vai arrebentar!”; existem momentos em que o metal ferve e gritamos: “não dá mais! Tudo está desmoronando”.

No mundo moderno, muitas pessoas vivem à base do estresse. Inclusive, por circunstâncias diversas (e às quais não julgamos), pessoas se acostumaram à tensão. Qual é o seu estresse? Qual é a sua tensão? Quais são as suas dificuldades? Qual é a sua tentação? Qual é a sua provação? Não quero parecer superficial, mas o que posso lhe dizer é que este momento está te capacitando para a resiliência. A experiência do agora dará seus frutos nas suas experiências futuras. Tudo é aprendizado. Creia nisso!

 

3      MINISTÉRIO – SEGUIR EM FRENTE

 

Jesus passou pela tentação: “Depois de João [Batista] ter sido preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o evangelho de Deus. Ele dizia: - O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo; arrependam-se e creiam no evangelho” (Marcos 1.14); Pedro e as primeiras comunidades cristãs passavam por duras dificuldades sob o tenebroso Império Romano. Contudo, Pedro permanece escrevendo palavras de consolo, resistência e resiliência ao povo de Deus.

Todos passamos por tentações, provações, sofrimento, privações e dificuldades. Levamos as cargas uns dos outros, embora cada um também deva carregar seu próprio fardo (cf. Gálatas 6.2). Em meio às dificuldades, a missão de Deus continua. Em meio às tentações, podemos lembrar do batismo e sabermos que Deus está conosco. Não dá de estacionar! É preciso seguir! “Reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”[4].

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

o sofrimento dói. Não devemos romantizar nem diminuir o sofrimento próprio ou alheio. O sofrimento não é bonito. O sofrimento não é material para produzir psicologias baratas de cura emocional. O sofrimento precisa ser levado a sério! A Quaresma aponta para isso. A Quaresma não romantiza, não enfeita e não brinca com os nossos sofrimentos. Ao contrário, a Quaresma nos faz olhar para o sofrimento a partir da cruz de Cristo – a sexta-feira da Paixão que se aproxima. Através dos sofrimentos do seu Filho, Deus quer capacitar você para enfrentar seus sofrimentos com resiliência!

Resiliência é mais que sobreviver aos traumas; conforme Viktor Frankl, sobrevivente dos horrores do Holocausto Nazista, resiliência é florescer diante das adversidades, encontrando significado e propósito mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras!

Precisamos aprender e também ensinar às pessoas em desespero que a rigor nunca e jamais importa o que nós ainda temos a esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida espera de nós.[5]

Quando um homem descobre que seu destino lhe reservou um sofrimento, tem que ver nesse sofrimento também uma tarefa sua, única e original (...). Ninguém pode assumir dela o destino, e ninguém pode substituir a pessoa no sofrimento.[6]

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

as vezes a vida lhe dará sofrimentos. Esse será o seu momento de buscar sentido e significado. Em meio as tensões que parecem que vão “arrebentar” você, siga com fé e com resiliência, sabendo que Deus cuida de você. Tenha perseverança. Não desista. Deus e também nós estamos com você! Aproveite o deserto da Quaresma para se preparar a fim de superar desafios e crescer espiritualmente, reafirmando seu compromisso com a missão de Deus.

Para finalizar, trago essas palavras da poetisa brasileira Cora Coralina:

Eu era triste, nervosa e feia.

Amarela, de rosto empalamado.

Chorava, importunava.

De dentro a casa comandava:

- Levanta, moleirona.

E a moleirona, pandorga, perna-mole

se levantava com seu próprio esforço.

Um velho tio que assim me via - dizia:

- Esta filha de minha sobrinha é idiota.

Melhor fora não ter nascido!

Que trabalho imenso dei à casa para me torcer, retorcer,

medir e desmedir.

E me fazer tão outra,

diferente,

do que eu deveria ser.

 

Resiliência! Esse trabalho imenso de torcer, retorcer, medir e desmedir a si mesmo, se fazer outro, tão diferente, do que deveria ser (do ponto de vista dos outros). O elástico estica, mas não vai arrebentar; se arrebentar, estamos aqui para te abraçar. Fique e permaneça na paz de Deus, amém.

 


[1] VANZOLINI, Paulo. Volta por cima. Intérprete: Noite Ilustrada. [S.l.]: Philips, 1963. Disco de Vinil Compacto 10’’, 78 RPM, Mono, Faixa 1, lado 1.

[2] cf. Carmina Burana: Canções de Beuern. Tradução de João José de Melo Franco. 2. ed. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2009.

[3] BENETTI, Idonézia Collodel; CREPALDI, Maria Aparecida. Resiliência revisitada: uma abordagem reflexiva para principiantes no assunto. in: Revista Electrónica de Investigación y Docencia, Jaén, Grupo de Investigación IDEO, 2012, n. 7, p. 9, ISSN 1989-2446. Disponível em: < https://revistaselectronicas.ujaen.es/index.php/reid/article/view/1086 >. Acesso em: 13. fev. 2024.

[4] VANZOLINI, Paulo. Volta por cima. Intérprete: Noite Ilustrada. [S.l.]: Philips, 1963. Disco de Vinil Compacto 10’’, 78 RPM, Mono, Faixa 1, lado 1.

[5] FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 43. ed. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2018. p. 101.

[6] FRANKL, 2018. p. 102-103.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Testamento: Novo / Livro: Pedro I / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 18 / Versículo Final: 22
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 72297

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