Paróquia Ferrabraz

Sínodo Rio dos Sinos


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Paternidade e Reino de Deus | Lucas 12.49-56

10º Domingo após Pentecostes | Dia dos Pais

12/08/2022

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

o texto bíblico que ouvimos nos apresenta um Cristo bastante estranho. Estamos acostumados a ouvir sobre o Cristo amoroso, misericordioso e compassivo, enfim, o Cristo enquanto Príncipe da Paz. Logo, parece haver uma incoerência entre o Cristo da paz e esse Cristo que prometeu trazer fogo à terra.

Infelizmente, não foram poucos os momentos na História da Igreja em que o nome de Jesus foi usado para justificar o armamento, a guerra, enfim, até a morte. Quando o imperador romano Constantino se tornou “cristão”, passou a perseguir aqueles que não aceitaram o cristianismo como sua religião; pouco tempo depois, o imperador Carlos Magno utilizava o nome de Deus em nome da “missão”. No ano de 795 d. C., Carlos Magno enviou uma carta ao Papa Leão III, dizendo:

vossa missão é apoiar a nossa missão guerreira com as mãos erguidas a Deus, como Moisés, para que o povo cristão vença em todos os lugares e em todos os tempos sobre os inimigos de seu santo nome e para que o nome de nosso Senhor Jesus Cristo seja louvado em todo o mundo.1

Carlos Magno usava do nome de Jesus para dar base e justificativa a uma guerra injustificável contra aqueles que não confessavam a Jesus como Senhor. O resultado desta triste junção entre a Igreja e o Estado foi o seguinte: “Somente no ano de 782, 4.500 saxões foram executados por não querer se submeter a Cristo, isto é, a Carlos”2.

Infelizmente, essa não é uma realidade apenas do passado; quem dera fosse estar presente apenas nos livros de história. Ainda hoje há quem use o nome de Jesus para promover a guerra, a divisão, a polarização, enfim, a morte. Hoje é dia dos pais: quantas famílias talvez estejam divididas por causa de política neste ano? E quantas ainda vão se dividir por causa das eleições? Você está inserido em sua família nessa realidade dividida?

Mas, então o que o evangelista Lucas quis nos dizer ao mencionar um Jesus tão diferente daquele a qual estamos acostumados? Qual seria a relação entre o Jesus Cristo da paz com esse “Jesus Cristo do fogo e da divisão”? Qual a ligação entre o Cristo Príncipe da Paz com esse Cristo aparentemente destruidor da paz?

Para entendermos esse texto, precisamos olhar além, para os “valores” do Reino de Deus. Quais “valores?” Refiro-me àqueles conhecidos “valores” que estão registrados em Mateus 5.3-10. Vale a pena relembrar esse texto bíblico, pois muitos teólogos o consideram o “núcleo duro” ou o melhor resumo do que é o Evangelho:

Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus.

Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.

Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.

Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.

Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.

Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.

Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.

Estes são os valores do Reino de Deus. Infelizmente, viver tais valores pode trazer divisão à terra, à família, à sociedade e, talvez, até à Igreja. Em toda a História da Igreja, sempre que homens e mulheres decidiram viver de acordo com os valores do Reino de Deus, houve perseguição, tortura e morte. Aliás, basta lembrar do próprio Senhor Jesus Cristo que, pregando a vida em abundância, foi pendurado em uma cruz. Como cantaria Raul Seixas, “eu vi Cristo ser crucificado; o amor nascer e ser assassinado”3.

O Deus da paz e da cruz confunde e enlouquece a sabedoria e os poderes humanos. Como diria o filósofo italiano contemporâneo Gianni Vattimo: a “mensagem cristã que fala de um Deus que se encarna, se rebaixa e confunde todas as potências deste mundo...”4 Diante do Cristo da cruz, os poderosos ficam confusos, pois enquanto eles mesmos almejam “subir” de posição a todo custo, o próprio Deus decidiu descer até nós, fazendo-se humano como nós, seres humanos.

Parece ser impossível pensar que as bem-aventuranças anunciadas por Jesus possam trazer divisão à terra. É loucura pensar que a mensagem da paz possa trazer divisão. Porém, basta lembrarmos de alguns nomes e perceberemos a verdade: lembrei-me de Dietrich Bonhoeffer, o pastor luterano alemão que se opôs ao regime nazista e por isso foi enforcado em Flossenbürg em 09 de Abril de 1945, um pouco antes do fim da II Guerra mundial; lembrei-me de Martin Luther King Jr., o pastor batista norte-americano que, lutando pelos direitos civis das pessoas negras, foi assassinado em 04 de Abril de 1968 em Memphis/EUA; lembrei-me também de Dorathy Stang, a irmã católica que, ao defender a floresta amazônica, foi assassinada com seis tiros no dia 12 de fevereiro de 2005 em Anapu/PA; lembrei-me também de Doraci Edinger, irmã da IECLB, assassinada em Napula na África do Sul em 24 de Fevereiro de 2004 ao tomar conhecimento de várias injustiças; enfim, lembrei-me de Bruno Pereira e Dom Philips que, lutando pela dignidade de povos indígenas, foram brutalmente assassinados neste ano de 2022. E, claro, poderíamos lembrar também de todos os apóstolos que – com exceção de João – foram martirizados pelo Império Romano por proclamarem sem titubear a mensagem cristã.

Poderíamos lembrar ainda de muitos outros nomes. Quantos outros, lutando pela vida, foram mortos? “Em um mundo de exclusão, quem é contra a exclusão é excluído”5; em um mundo marcado pela morte, quem é a favor da vida em abundância para todas as pessoas, é morto; no mundo dos poderosos não há lugar para os fracos. Esse é o mundo em que vivemos: um mundo cheio de notórias contradições, contrastes e incoerências.

Em muitos outros lugares do mundo, cristãos e cristãs continuam sendo mortos por sua fé, deserdados de suas famílias e até expulsos de suas cidades. Há lugares – como a Coreia do Norte – em que ler a Bíblia é um crime gravíssimo e punível com a morte.
Portanto, entendemos que não há contradição entre o Cristo do amor e da misericórdia com esse mencionado por Lucas no capítulo 12. Ao contrário, a mensagem de Jesus é exatamente esta: onde o amor a Jesus for vivido com fidelidade e perseverança em palavras e ações, haverá divisão, perseguição, fogo... Não há como ser diferente. A mensagem cristã confronta aqueles que semeiam o ódio, a indiferença, a opressão, a divisão... Ou nos juntamos a eles e abandonamos o Evangelho ou abraçamos o Evangelho e assumimos as consequências de uma vida com Cristo!

Nossa sociedade está precisando de mais amor, carinho e compreensão; ao mesmo tempo, menos ódio, menos rancor e menos divisão. Isso não começa na escola ou na igreja, mas nas nossas casas. O lar é o lugar de fazer diferença. Hoje é o dia dos pais: os pais têm uma função especial em tudo isso. A diferença começa na maneira como o esposo age em relação à sua esposa, pois o melhor presente que um pai pode dar aos seus filhos é amar e respeitar a mãe deles; em seguida, no amor paterno que não significa dar tudo o que os filhos querem, mas perceber aquilo que eles precisam; e, claro, assim como Deus não é esse Pai longe e distante do ser humano, mas bem próximo e empático, também os pais podem se apresentar aos seus filhos com humildade, amor e carinho.

Nós já avançamos muito tecnologicamente, mas continuamos atrasados em nossa humanidade: o ser humano já pisou na lua, mas ainda não aprendeu a amar como Jesus amou. O amor se aprende e se exercita em casa. Assim, as divisões e brigas poderão dar lugar à comunhão, ao respeito, à tolerância... Ao invés do fogo destruidor, poderá haver no lar o calor humano que aquece o coração e faz bem!

Também é tarefa dos pais – juntamente com as mães – o delicado trabalho da educação cristã onde os filhos aprendem a viver o seu batismo. A vivência de Cristo na família é o caminho para a real diferença na sociedade. Assim nos diz o P. em. Gottfried Brakemeier: “A família é preciosidade insubstituível, uma comunidade em miniatura, célula de exercício e reprodução de comunhão cristã, razão pela qual, em tempos normais, merece ser promovida e receber os maiores cuidados”6. Pai, cuide da sua família; permita o Cristo da paz estar entre vocês; promova o Reino de Deus em sua família.

Amém.


10º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERDE | TEMPO COMUM | ANO C

14 de Agosto de 2022


P. William Felipe Zacarias


1 DREHER, Martin N. História do Povo de Jesus. São Leopoldo: Sinodal, 2013. p. 138.

2 DREHER, 2013. p. 137.

3 SEIXAS, Raul. “Eu nasci há 10 mil anos atrás”. in: SEIXAS, Raul. Há 10 Mil Anos Atrás. Rio de Janeiro: Philips Records, p. 1976. Faixa 1, Lado A. Disco de Vinil Compacto 7’’.

4 VATTIMO, Gianni. Depois da Cristandade. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 101.

5 KIVITZ, Ed Rene. “Sobre o meu desligamento da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil/SP”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=m2ivGEMK2rE>. Acesso em: 07. ago. 2022.

6 BRAKEMEIER, Gottfried. A Primeira Carta do Apóstolo Paulo à Comunidade de Corinto: um comentário exegético-teológico. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008. p. 101.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 12 / Versículo Inicial: 49 / Versículo Final: 56
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 67779
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