Paróquia Ferrabraz

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O poder do olhar | João 9.1-41

4º Domingo na Quaresma - Ano A

15/03/2023

 

Amados irmãos, amadas irmãs,


com que olhar nós olhamos e medimos o nosso próximo? O que os nossos olhos veem é a verdade? Qual tipo de olhar temos tido para diferentes pessoas com quem convivemos? O que o nosso olhar diz sobre nós mesmos? Conseguimos conversar olhando nos olhos das pessoas? Por que desviamos o olhar? O que não queremos que as outras pessoas vejam em nosso olhar? Com que força projetamos nossos próprios sentimentos, desejos ou medos em outras pessoas? Podemos ter uma visão distorcida da realidade? Será que podemos ser “cegos” mesmo que a biologia dos nossos olhos esteja funcionando perfeitamente?


O capítulo 9 de João é marcado pelo olhar. Há aquele que é cego de nascença e há aqueles que construíram uma cegueira em seus corações. De um lado, um homem que sofre e é julgado/desprezado por causa da sua condição física; de outro lado, aqueles que o julgam e procuram encontrar respostas rápidas e fáceis para o sofrimento alheio – quando o melhor a se fazer seria se calarem!


João 9 é um texto paradigmático para muitas situações. Sim! Até para situações que estão muito além da fé. O nosso olhar diz muito sobre nós mesmos e a maneira como vemos e lemos o mundo ao nosso redor diz muito sobre a nossa história e sobre como nós fomos educados. Num piscar de olhos, podemos sentir medo, angústia, alegria ou paixão. Através do olhar, podemos nos sentir ameaçados, acolhidos, amados, excluídos... Há o amor que surge à primeira vista e há o desprezo que surge sem dar espaço para conhecer ao outro.


Olhares e mais olhares. Os olhos que são a janela da alma. Olhos que contemplam cores e olhos que contemplam dores; olhos que veem a beleza e olhos que veem a indiferença; olhos que enxergam o outro e olhos que desprezam o outro; olhos que derramam águas de alegria e olhos que derramam águas de tristeza em profundos prantos; olhos que prestam atenção e olhos que desviam a atenção. Olhares e mais olhares. E cada um deles revelando sutilmente algo sobre nós.


Para compreendermos os olhares de João 9, nós vamos dividir a pregação em três pontos que nos ajudarão a olharmos o texto bíblico no todo de sua importante mensagem:

 

1    O OLHAR PRECONCEITUOSO

 

Esse é o primeiro olhar no texto. Há um cego de nascença e ele é julgado sem ser ouvido. A sutil pergunta dos discípulos a Jesus demonstra claramente seus preconceitos em relação ao cego: “E os discípulos perguntaram: – Mestre, quem pecou para que este homem nascesse cego? Ele ou os pais dele?”. (João 9.2). Esse é o olhar que julga! Esse é o olhar que humilha! Esse é o olhar de quem se sente superior ou melhor que os outros. É um olhar de cima para baixo!


Esta é a maldita lógica da “causa e efeito” que por vezes procuramos absurdamente aplicar à vida como se tudo tivesse um motivo para ser como é. É o olhar que julga ao invés de acolher; é palavra maldita no lugar da escuta empática; é o gesto preconceituoso de apontar o dedo no lugar das mãos que deveriam estar estendidas para abraçar.


E por vezes nós repetimos essa ação dos discípulos. Vemos pessoas em sofrimento e queremos encontrar respostas rápidas e fáceis para aquilo que estão passando. Ao fazermos isso, nos equivocamos redondamente. Dizemos que o sofrimento é consequência desta ou daquela ação no passado. Ao fazermos isso, ousamos nos colocar no lugar de Deus para nós mesmos sermos os juízes das outras pessoas. Haja graça de Deus para que sejamos salvos de tamanho orgulho e arrogância!


Esse é o olhar preconceituoso. É um olhar com uma leitura equivocada da outra pessoa. Conforme o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, os preconceitos de uma pessoa são, então, como as janelas através das quais a luz do ser brilha no mundo humano.1  O nosso olhar é marcado pela nossa história. Os nossos pressupostos determinam a maneira como lemos o mundo e como julgamos o próximo. Se fomos educados a partir de um olhar preconceituoso do próximo, então teremos uma leitura preconceituosa do próximo.
É o que aconteceu com este cego de nascença. Dentro da religiosidade popular da época, as doenças eram consideradas consequências de pecados. A grande questão é que rotular o próximo sofredor era mais importante que ouvi-lo e acolhê-lo. Tanto os discípulos quanto depois os fariseus que irão julgar a situação possuíam um olhar limitante. Eles não conseguiam enxergar o mundo além das próprias crenças. Eram escravos da sua própria visão de mundo. E por estarem “teimosos” nessa convicção, era difícil que fossem curados de seus equívocos.


Quais são os nossos preconceitos? Quais são os nossos pressupostos? Qual é a tua história? Em termos práticos: se entrasse um mendigo aqui na comunidade neste momento, com que olhar o veríamos? E se no lugar do mendigo fosse uma pessoa negra? E se fosse uma pessoa LGBTQIA+? Se uma pessoa trans entrasse aqui na igreja para ouvir da Palavra de Deus hoje no culto, qual seria o nosso olhar para ela? O que falaria mais alto em nossos corações? A música “Aqui você tem lugar” é fato ou só discursinho barato? “Ah pastor, mas é pecado...” Não é essa a discussão! A discussão aqui no texto bíblico é sobre a acolhida! Os discípulos julgaram o cego de nascença perguntando que pecado ele ou seus pais cometeram para que nascesse assim. Jesus, porém, não faz esse tipo de julgamento.


Somos o país no mundo que mais mata a população LGBTQIA+. O 5º Mandamento nos diz: “Não matarás!”. Ou nossos preconceitos estão tão enraizados que nem ligamos para a violência sofrida por essas pessoas? Uma coisa é discordar; bem outra coisa é usar a violência para impor a própria opinião; uma coisa é pensar diferente; bem outra coisa é querer exigir que a outra pessoa seja o que você quer e não aquilo que ele/a é; uma coisa é crer em Deus; bem outra coisa é usar o nome de Deus para legitimar a humilhação, a exclusão, o deboche, a violência e a morte.


Por isso, arrisco mais uma vez a fazer essa provocação: com que olhares receberíamos caso uma pessoa trans viesse ouvir a Palavra de Deus neste culto? E quando alguém vem pedir comida nos eventos da comunidade? E se uma pessoa com problemas com as drogas viesse aqui pedir o nosso auxílio – como a olharíamos, como a julgaríamos e o que lhe diríamos?


São perguntas difíceis de responder. Vamos, então, olhar para Jesus. Seguimos, assim, para o nosso próximo ponto:


2    O OLHAR ACOLHEDOR

 

Jesus não olhou para aquele homem cego de nascença da mesma forma que os discípulos e os fariseus. Os pressupostos de Jesus são outros. São eles amor, compaixão e misericórdia. Jesus é Deus que acolhe, ampara, anima e cura. É Deus próximo da dor do sofredor. É Deus que olha para quem sofre enquanto nós desviamos o nosso olhar.


Jesus disse: “ – Nem ele pecou, nem os pais dele; mas isso aconteceu para que nele se manifestem as obras de Deus.” (João 9.3). A cegueira daquele homem não é consequência de pecado algum. Ao contrário, é oportunidade para manifestar quem Deus de fato é!
O olhar de Jesus para com aquele homem é um olhar de graça, amor e misericórdia. É um olhar acolhedor. Não é um olhar que julga ou que aponta o dedo. Antes, é olhar que abraça, ajuda e auxilia. Enfim, o olhar de Jesus é um olhar de quem serve amorosamente ao próximo em suas dificuldades. Jesus não faz julgamentos a partir da aparência, orientação sexual ou status. Ao contrário, ele se importa com as histórias e experiências de vida – mesmo que sejam tão multifacetadas. Por isso, quando Jesus olhou para o homem, Jesus o acolheu e lhe ofereceu ajuda.


Foi então que o milagre aconteceu: “Depois de dizer isso, Jesus cuspiu na terra, fez lama com a saliva e com a lama untou os olhos do cego. Então disse ao cego: – Vá lavar-se no tanque de Siloé. Siloé quer dizer “Enviado”. O cego foi, lavou-se e voltou vendo.” (João 9.6-7). De fato, em meio ao sofrimento e à dor é que foi manifestada a glória de Deus. Um homem que não via era olhado com maus olhos pelos que por ele passavam diariamente. Agora, porém, também ele poderá contemplar o mundo ao seu redor. Assim, ele terá a oportunidade de também ter um olhar acolhedor para outras pessoas da mesma forma como ele mesmo foi acolhido pelo olhar de Jesus.


O milagre simboliza e marca a capacidade de Jesus de fazer com que as pessoas vejam aquilo que está oculto. Em sua condição, o ser humano está cego para a empatia, o acolhimento e o cuidado. Por isso, o grande milagre acontece quando os nossos olhos são abertos e passamos a enxergar aquilo que antes não víamos – tendo, assim, maior discernimento sobre a realidade que nos cerca. Quem é impactado pelo acolhimento de Jesus volta do tanque de Siloé enxergando o próximo de maneira acolhedora.


3    O OLHAR TRANSFORMADOR

 

Jesus curou o cego de nascença e isso mudou a sua vida para sempre. A partir do acolhimento de Jesus, aprendemos a ter um olhar transformador de realidades. Isso significa não apenas ver, acolher, mas agir concretamente para que a mudança realmente aconteça em todos os níveis da sociedade. Não é apenas acolher, mas também gerar uma transformação na sociedade com alvo na paz, justiça e na vida digna para todas as pessoas.


Esse talvez seja o trabalho mais difícil. É um trabalho arriscado e que geralmente pode custar a própria vida. Os “coronéis” do sistema opressor se beneficiam da opressão. Certamente que não lhes é interessante mudar o sistema. O que lhes importa é que tudo continue como está – custe o que custar! E se for necessário matar para isso, sim, são capazes até de matar!


Por isso, somos chamados a sermos transformadores de realidade. Isso se faz na luta por justiça, igualdade e vida digna para todas as pessoas. É colocar a vida como prioridade. É ouvir, acolher, mas também agir! É promover a humildade, a sensibilização, a mansidão, a justiça, a misericórdia e a paz (cf. Mateus 5.3-10). E claro, fazer isso poderá gerar a perseguição (cf. Mateus 5.10-12).

 

Amados irmãos, amadas irmãs,


como nós vemos a dor dos outros? Como especulamos a respeito da dor dos outros? É possível olharmos o mundo de uma maneira diferente? Estamos dispostos a olhar o mundo com os olhos de Jesus? Ou continuaremos (como os fariseus) teimosos em querer manter nossa arrogância e egoísmo a qualquer custo?


Precisamos aprender a ver. Um olhar certo leva à ação certa; já um olhar errado leva à ação errada. Enxergar bem a realidade em seu todo pode gerar mudanças internas e externas. E esse é o convite de Jesus a nós hoje! Tenhamos um novo olhar: olhar de compaixão, olhar com empatia, olhar com tempo, olhar com misericórdia. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus, amém.

 


4º DOMINGO NA QUARESMA | VIOLETA | CICLO DA PÁSCOA | ANO A

19 de Março de 2023


P. William Felipe Zacarias


1  GADAMER, Hans-Georg. Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. Tübingen: J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1960.
 


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 41
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 69891
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