Paróquia Ferrabraz

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Justiça & Misericórdia: As marcas do reinado de Cristo | Ezequiel 34.11-16, 20-24; Mateus 25.31-46

Domingo Cristo Rei | ANO | Tempo Comum

24/11/2023

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

o mundo – desde que é mundo – é marcado pela lógica do poder e da ambição. O ser humano é capaz de tudo para dominar e oprimir ao seu próximo ou a um povo inteiro. Para realizar os seus desejos, o ser humano pode facilmente passar por cima do seu próximo. E não é à toa que após o pecado entrar no mundo pela desobediência de Adão e Eva, entrou também no mundo a violência e o fratricídio – onde Caim mata Abel, seu irmão. Isso não foi apenas um homicídio, mas um fratricídio.

Onde a lógica do poder estiver presente, tenha certeza de que estará presente também a violência, a opressão e a guerra. Quem está no poder, faz de tudo para não o perder; quem não está no poder, faz de tudo para o ganhar. Humanos lutando contra humanos; irmãos da mesma terra guerreando contra irmãos da mesma terra; mortais lutando por um momento de glória e poder – antes das suas inevitáveis mortes!

É assim – desde que o mundo é mundo: um delicado jogo de xadrez cujo objetivo é fazer “xeque-mate” no “adversário”. Os poderes dos reinados deste mundo são poderes de destruição, aniquilação e que operam pela lógica da vingança. E quem sofre? Geralmente as crianças e demais pessoas inocentes são as que mais sofrem com a lógica da vingança. Os reinados deste mundo operam seus poderes através de tanques de guerra, aviões, navios, submarinos... E quanto sangue já foi derramado na história da humanidade por tantos poderosos que por alguns anos de poder foram capazes de criarem guerras com efeitos devastadores.

Nos anos 70 e 80, o mundo se apavorava pelo medo da ameaça nuclear. A qualquer momento, os Estados Unidos e a União Soviética poderiam declarar uma guerra que poderia facilmente destruir o planeta inteiro. Enfim, diante das novas tecnologias, o ser humano que antes lutava com cavalos e espadas agora se achou ainda mais poderoso – tem, até hoje, nas mãos o poder de com suas armas destruir o planeta inteiro! E nós? Nós somos mantidos reféns dessa lógica de poder que sustenta os países mais poderosos onde estão – e impedem outros países de alcançarem alguma prosperidade.

Carl Sagan (1934-1996), um grande astrofísico norte-americano, diz em seu livro “Variedades da Experiência Científica: uma visão pessoal da busca por Deus”:

Quando olhamos para a Terra do espaço, uma coisa chama a atenção. Não há fronteiras nacionais visíveis. Elas foram postas ali, assim como o equador, o trópico de Câncer e o trópico de Capricórnio, por seres humanos. O planeta é real. A vida que está nele é real, e as separações políticas que expuseram o planeta ao perigo são de fabricação humana. Não foram entregues no alto do monte Sinai. Todos os seres deste mundinho são mutuamente dependentes. É como viver num bote salva-vidas. Respiramos o ar que os russos já respiraram, e zâmbios e tasmanianos e gente de todo planeta. Sejam quais forem as causas que nos dividem, como já disse, fica claro que a Terra estará aqui daqui a milhares ou milhões de anos. A pergunta, a pergunta-chave, a pergunta fundamental – e de certa forma a única pergunta – é: E nós, estaremos?[1]

 

O mundo é um só. Nós é que nos dividimos. E ao nos dividirmos, geramos sofrimento não apenas a outros seres humanos, mas a todos os seres vivos da Criação. Essa é a verdadeira tragédia do pecado!

O teólogo católico Leonardo Boff diz: “Os homens querem ser reis; os reis querem ser deuses; Deus se fez homem”. Essa é uma frase impressionante. Enquanto a lógica humana é a lógica do poder que se exibe sem limites, a lógica de Deus é a lógica da fraqueza. A justiça do Reino de Deus não acontece na exibição do poder, mas no acolhimento da fraqueza; a justiça do Reino de Deus não acontece na exibição militar, mas na misericórdia; a justiça do Reino de Deus não acontece na opressão, mas na exaltação dos humildes.

Já temos sinais desse novo Reino no Antigo Testamento. O profeta Ezequiel, em meio ao difícil exílio da Babilônia, fala de Deus não como alguém que oprime, esmaga ou aniquila; ao contrário, Ezequiel fala de Deus como um pastor! Ou seja: Deus como aquele que cuida!

Em meio à violência do poder humano que exilou Judá, Deus se faz presente como um pastor que cuida e que consola o seu povo aflito e que está com saudade da terra prometida. Deus se faz presente para amparar o seu povo. Deus defende o seu povo e sustenta o seu povo com as promessas do seu Reino. O próprio Deus age com generosidade, compreensão e com reconciliação. Como Ezequiel fala de Deus?

 

1                 DEUS PROCURA

 

Porque assim diz o Senhor Deus: Eis que eu mesmo procurarei as minhas ovelhas e as buscarei. Como o pastor busca o seu rebanho, no dia em que encontra ovelhas dispersas, assim buscarei as minhas ovelhas; livrá-las-ei de todos os lugares para onde foram espalhadas no dia de nuvens e de escuridão”. (Ezequiel 34.11-12).

 

Deus procura! Ele vai atrás! Ele deixa o rebanho em local seguro para buscar as ovelhas que se perderam do seu pasto. Que imagem linda. Deus não abandona o seu povo quando estão em sofrimento e perigo. Deus não abandona o seu povo quando estão debaixo da opressão. Deus não abandona o seu povo quando vive a miséria. Muito pelo contrário: Deus procura! Deus busca! Deus vai atrás! Quer seu povo perto de si! Está aberto para perdoar e reconciliar seu povo consigo mesmo. É assim que Deus age! É assim a justiça e a misericórdia de Deus. Não é justiça que expulsa, mas justiça que inclui; não é justiça que condena, mas justiça que perdoa; não é justiça que ataca, mas justiça que acolhe. É a justiça misericordiosa do Reino de Deus.

 

2                 DEUS APASCENTA

 

Tirá-las-ei dos povos, e as congregarei dos diversos países, e as introduzirei na sua terra; apascentá-las-ei nos montes de Israel, junto às correntes e em todos os lugares habitados da terra. Apascentá-las-ei de bons pastos, e nos altos montes de Israel será sua pastagem; deitar-se-ão ali em boa pastagem e terão pastos bons nos montes de Israel. Eu mesmo apascentarei minhas ovelhas e as farei repousar, diz o Senhor Deus”. (Ezequiel 34.13-15).

 

Que promessa maravilhosa! Ao encontrar suas ovelhas, Deus mesmo cuidará delas! Elas são acolhidas, aceitas e amadas. Nos altos montes, poderão desfrutar da paz! É Deus mesmo quem estará entre o seu povo. A justiça misericordiosa do Reino de Deus é justiça de acolhimento, aceitação e de amor. Não é justiça para a guerra, mas para a paz; não é justiça para o preconceito, mas para a aceitação; não é justiça para o ódio, mas para o amor. Esta é a lógica do Reino de Deus!

 

3                 DEUS CURA

 

A perdida buscarei, a desgarrada tornarei a trazer, a quebrada ligarei e a enferma fortalecerei.”. (Ezequiel 34.16a).

 

As feridas são curadas. As dores são saradas. Os machucados são tratados com cuidado. É assim que Deus cuida do seu povo. Não pelo derramamento de sangue, mas pela cura dos feridos; não pela violência, mas pelo desarmamento; não pela luta, mas pelo perdão.

 

4                 DEUS DEFENDE

 

mas a gorda e a forte destruirei, apascentá-las-ei com justiça.”. (Ezequiel 34.16b).

 

Deus mesmo faz sua justiça. O forte opressor cairá! O poderoso que oprime, cairá! Aquele que prepara armadilhas para o seu próximo cairá na sua própria armadilha! As ovelhas gordas representam aqui os poderosos que acreditam que podem tudo e que não há limites para seu agir. Deus não está do lado deles – sejam quem forem. Deus não está do lado dos poderosos, as “ovelhas gordas” do nosso mundo. Deus se coloca ao lado das ovelhas fracas, oprimidas, violentadas, famintas, esquecidas, deixadas à margem!

O Reino de Deus é para os humildes, para os desprezados, para os que já não tem forças para lutar. O Reino de Deus é para os que buscam a paz. O Reino de Deus é para os que buscam a justiça. O Reino de Deus é para os que buscam vida – e vida em abundância!

Essa imagem pastoral de Deus se torna evidente no Novo Testamento quando, em Jesus Cristo, Deus mesmo decidiu habitar entre nós cheio de graça e de verdade (cf. João 1.14). Ele não nasceu em um palácio real, mas é o Rei dos reis; ele não cresceu com as maiores regalias, mas é o Rei dos reis; ele não entrou em Jerusalém em um tanque de guerra, mas em um jumentinho, cria de jumenta – e é o Rei dos reis!

As duras palavras de Jesus no discurso do Grande Julgamento mostram-nos com muita clareza a quem pertence o Reino de Deus:

Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me. Então, perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? E quando te vimos enfermo ou preso e te fomos visitar? O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”. (Mateus 25.35-40).

 

Hoje é o Domingo de Cristo Rei onde celebramos a Justiça e a Misericórdia como as marcas do reinado de Cristo. Para quem é o seu Reino? Para os famintos; para os sedentos; para os estrangeiros; para os sem roupas; para os enfermos; para os presos.

Jesus não nos é apresentado em seu reinado como algum déspota dominador ou vitorioso militar conquistador. Porém, somos convidados a ver o reinado de Cristo como o dom da graça, serviço e compaixão de Deus que está disponível para todos, e que compartilhamos uns com os outros enquanto vivemos a presença de Cristo no mundo hoje:

  • Jesus é Rei daqueles cujos reinados (ou poderes) humanos não alcançam;
  • Onde enxergamos desgraça (fome, sede, xenofobia, miséria, doença e prisão), Deus enxerga a possibilidade da graça;
  • Deus está nas imagens que não queremos ver.

 

O reinado de Cristo é reconhecido naqueles que são tudo, menos a “aparência de uma realeza”: os doentes, os nus, os famintos e sedentos, os sem-teto e encarcerados!

E então, de repente, quem procura pelo Reino de Cristo vai passar a ver esse reinado em muitos lugares. De repente, ao olharmos as ruas da nossa cidade (especialmente no centro), veremos o quão visível é o reinado de Cristo.

A ênfase do Reino de Cristo hoje é: como escolhemos tratar uns aos outros? Jesus disse para nos tratarmos uns aos outros como “pequenos Cristos”. Quando faço o bem a alguém, estou fazendo bem ao próprio Cristo! Foi Jesus mesmo quem disse isso! As “ovelhas gordas”, ou seja, poderosas, serão julgadas; as “ovelhas magras”, ou seja, oprimidas, serão acolhidas.

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

as marcas do reinado de Cristo são Justiça e Misericórdia. Essas marcas se tornam evidentes quando começamos a mostrar generosidade, compreensão, perdão, inclusão e acolhimento, a celebração da diferença – que fazem o reinado de Cristo se manifestar em nosso mundo já agora. Pode ser tentador excluir aqueles que não se encaixam conosco. Mas esse não é o reinado de Cristo.

Comecei com uma citação de Carl Sagan e quero concluir com mais algumas frases suas e uma dinâmica:

Portanto me parece que essa ideia de que vale a pena cuidar deste mundo deveria estar no cerne de religiões que quisessem dar uma contribuição para o futuro da humanidade.[2]

As religiões e os líderes religiosos têm atuação muito importante quando se trata de tirar a espécie humana de situações em que ela nunca deveria ter se metido, que comprometeram profundamente nossa capacidade de sobreviver, e não há nenhum motivo para as religiões não assumirem papéis semelhantes no futuro.[3]

As religiões podem nos lembrar de que estamos todos juntos nisso. A religião pode cumprir muitas funções na tentativa de evitar essa catástrofe final.[4]

 

O que nós podemos fazer para mudarmos a realidade? Talvez nós não consigamos interromper os conflitos entre a Rússia e a Ucrânia, entre Israel e Gaza, ou em outros lugares que enfrentam conflitos. Contudo, você pode fazer diferença onde você vive. Você pode viver as marcas do reinado de Cristo no seu contexto – no nosso contexto! Como podemos ser uma igreja que vive as marcas do reinado de Cristo – justiça e misericórdia? Como podemos fazer diferença no bairro em que estamos? Que atitudes e olhares podemos ter para acolhermos diferentes pessoas em nosso meio?

Hoje é o Último Domingo do Ano Eclesiástico. No próximo Domingo a Igreja Cristã estará em “Ano Novo Eclesiástico” – Ano B, onde as leituras do Evangelho passarão a ser segundo Marcos. Agora é a época da correria, de fazer aquela faxina geral na casa, de comprar presentes e de montar o pinheirinho.

Teremos um pinheirinho na Comunidade Vida Nova para o culto de Natal. E os enfeites serão feitos por nós! Cada um e cada uma de nós vai receber um enfeite de natal. Nesse enfeite, escreva de coração como você pode viver na prática as marcas do reinado de Cristo em 2024. Coloque ações, atitudes, algo que você se compromete a fazer. Não precisa colocar seu nome. Esse é um compromisso seu com Deus! Depois, no momento das ofertas, você poderá trazer seu enfeite para o altar e assumir esse compromisso com Deus. Vamos ter um pinheirinho enfeitado não apenas “de enfeites”, mas de ações. Ao mesmo tempo, não deixe que essas ações fiquem apenas enfeitando o pinheirinho. Procure colocá-las em prática para realmente fazermos a diferença com quem está perto de nós em 2024. Lembre-se: Justiça e Misericórdia, as marcas do reinado de Cristo, são notadas na maneira como escolhemos tratar uns aos outros.

Amém.

 

 

 


[1] SAGAN, Carl. Variedades da experiência científica: uma visão pessoal da busca por Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 228.

 

[2] SAGAN, 2008. p. 224.

[3] SAGAN, 2008. p. 224.

[4] SAGAN, 2008. p. 225.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Testamento: Antigo / Livro: Ezequiel / Capitulo: 34 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 24
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 71783

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