Paróquia Ferrabraz

Sínodo Rio dos Sinos


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O restaurador de relacionamentos | Mateus 5.21-37

6º Domingo após Epifania | Série de Pregações: Epifania: quem é o menino que nasceu em Belém? | 6ª Pregação

10/02/2023

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

a arte da convivência é com certeza uma das mais difíceis; onde há pessoas, certamente haverá conflitos. Por quê? Porque são pessoas! São ideias diferentes, educações diferentes, famílias diferentes... E isso não é ruim! Na verdade, toda essa diversidade é muito boa.

 Há pessoas com que talvez tenhamos dificuldade de conviver; pessoas que podem parecer muito diferentes de nós e que tem ideias muito antagônicas às nossas. Julgamos a pessoa no presente sem olhar para o passado; apontamos o dedo para a pessoa em suas características de personalidade sem conhecermos o caminho que ela trilhou até aqui; falamos mal de quem é diferente sem conhecer a resiliência que essa pessoa precisou criar para sobreviver na difícil arte do convívio em sua história de vida.

Cada um de nós possui a sua história. Ninguém foi dormir em um dia de um jeito e no outro dia acordou de outro jeito; ninguém vai dormir com uma personalidade e acorda no outro dia com uma personalidade completamente diferente; ninguém é o que é de um minuto para o outro. Somos uma construção edificada tijolo por tijolo ao longo dos anos. E muitas vezes julgamos as pessoas que são diferentes de nós sem conhecermos a sua história. Um preconceito é um conceito equivocado da outra pessoa. Julgamos quem está à nossa frente pela apresentação presente, sem conhecer o mapa que essa pessoa já percorreu em toda a sua trajetória de vida.

Nos relacionamentos humanos, o importante é descobrir e respeitar a outra pessoa – tal qual ele/a é! Sabe aquela pessoa com quem você tem entrado em conflito? Talvez o conflito que essa pessoa apresenta seja a revelação de um conflito interno escondido por anos e sem nenhum tipo de resolução. É uma pessoa que sofre sozinha com seus traumas, complexos e sombras e que, inconsciente do que acontece consigo mesma, acaba tendo dificuldades de se relacionar com outras pessoas. E talvez uma pessoa é julgada por sua personalidade sem que aquele/a que julga faça a menor ideia dos sofrimentos internos da pessoa em conflito consigo mesma e com o mundo.

De fato, relacionamentos não são nada fáceis. Nós nos enxergamos nas relações com os outros – e enxergar-se no outro pode chocar! A outra pessoa sempre é um espelho do próprio eu. Eu me vejo no outro. Ver-se no outro pode assustar! Neste caso, haverá a negação do contato, a raiva, a intolerância e o desrespeito. Talvez, quando olho para o outro, vejo nele/a os meus próprios medos e incertezas.

Enfim, somos pessoas – seres humanos. Onde há seres humanos, há conflitos. Somos mais de 8 bilhões de pessoas habitando o mundo; somos mais de 8 bilhões de mentes diferentes, ideias diferentes, sentimentos diferentes; somos 8 bilhões de histórias diferentes construídas tijolo por tijolo com diferentes relacionamentos sociais.

Pais e filhos vivem conflitos porque são de gerações diferentes; irmãos podem viver conflitos por sentirem sentimentos diferentes dos/pelos seus pais; cônjuges vivem conflitos porque a linguagem do amor entre ambos já não é mais entendida; colegas de trabalho vivem conflitos porque tem ideias diferentes sobre o trabalho e/ou o/s chefe/s; amigos vivem conflitos por causa das diferenças nas histórias familiares; religiosos entram em conflito por crerem de modo diferente; eleitores entram em conflito por votarem de maneira diferente; políticos entram em conflito para que o mais poderoso permaneça; assim por diante.

No tempo de Jesus, obviamente, já havia relacionamentos conflituosos. Havia, inclusive, leis estabelecidas ao longo do Antigo Testamento para que a justiça fosse feita caso os conflitos tivessem consequências graves, como a violência e a morte. Jesus, porém, em sua sabedoria, quis dar um passo a mais. Para Jesus, não basta fazer algo quando a tragédia já aconteceu; ao contrário, é preciso agir antes! Neste caso, para Jesus, o peso da Lei não é suficiente para impedir a tragédia, mesmo que seja pedagógica. Para Jesus, a cura dos conflitos está no amor.

Não há nada pior que ser escravo do mal. Enquanto o mal escraviza, o amor liberta; enquanto o mal oprime, o amor emancipa; enquanto o mal é preconceituoso, o amor aceita; enquanto o mal é violento, o amor é pacífico; enquanto o mal é ignorante, o amor é sábio; enquanto o mal é negacionista, o amor é inteligente; enquanto o mal é sujo, o amor é transparente; enquanto o mal é desgraçado, o amor é cheio da graça de Deus.

E para compreendermos as palavras de Jesus, vamos dividir a pregação em três pontos:

1    VIDA X MORTE (vs. 21-26)

Na Lei do Antigo Testamento, “quem matar estará sujeito a julgamento” (v. 21). É uma lei importante e necessária – sem dúvida. Porém, do ponto de vista de Jesus, é uma lei insuficiente. Para ele, o começo do homicídio não acontece quando a arma está na mão, mas quando o coração ficou endurecido, seco e desumano. E é para esse coração que Jesus dirige as suas palavras.

Para Jesus, a pessoa capaz de matar é alguém que de alguma forma “já morreu em vida”: morreu para o amor, morreu para a empatia, morreu da sua humanidade. Enfim, foi atingida pela doença da indiferença e sucumbiu de modo fatal! Do ponto de vista de Jesus, quem perdeu a sua humanidade é alguém que já não possui vida – mesmo que seu coração continue batendo e seus pulmões continuem respirando.

Por isso, para Jesus, matar alguém está muito além de tomar posse de uma arma e atingir a outrem. Pessoas podem ser mortas com as palavras: “e quem insultar o seu irmão estará sujeito a julgamento no tribunal” (Mateus 5.22). Se queremos ter relacionamentos humanos mais pacíficos, precisamos aprender que as nossas palavras machucam e matam. Talvez, a outra pessoa vá morrendo lentamente conforme vamos a atingindo e a diminuindo com difamações, humilhações e preconceitos. Onde há amor, não há espaço para palavras armadas e carregadas de ódio contra outras pessoas.

Palavras mal-ditas podem criar ambientes altamente tóxicos com grande geração de estresse a todas as pessoas envolvidas. Há salvação? Sim, se começar a haver mais espaço para o diálogo, aceitação e conhecimento mútuo. Esse ambiente pode ser uma família, uma empresa, uma escola/universidade e até uma igreja.

Jesus diz: “se você estiver trazendo a sua oferta ao altar e lá se lembrar que o seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe diante do altar a sua oferta e vá primeiro reconciliar-se com o seu irmão; e então volte e faça a sua oferta” (Mateus 5.23-24). Esse versículo é muito interessante: para Jesus, o perdão e a reconciliação valem muito mais que o dinheiro. Isso significa que no Reino de Deus, seres humanos são mais importantes que qualquer valor financeiro. Sim! Para Jesus, as pessoas não podem valer menos que dinheiro ou produtos. As pessoas são prioridade; o dinheiro vem depois.

2    AUTOCONTROLE X DESEJOS (vs. 27-32)

Em seguida, Jesus se volta para os relacionamentos conjugais. Um casal também vive seus conflitos, haja visto que são pessoas diferentes, com histórias diferentes e que vem de culturas familiares diferentes.

No Antigo Testamento, havia leis quanto ao adultério. Novamente, eram leis que abordavam a questão apenas após a ação equivocada já ter acontecido. Jesus, porém, aborda o assunto de maneira preventiva. O interessante é que para Jesus, a prevenção está ligada à educação. Para ele, o pecado não está apenas no ato, mas na vontade.

Jesus está falando aqui da coisificação da mulher. Isso acontece quando a mulher é vista apenas como um objeto a ser usada pelo homem para obter o prazer sexual1. Neste caso, a mulher não é vista como ser humano que também é densa de história, sentimentos e vontades; ao contrário, é reduzida a ser um objeto que tem como única função servir ao homem em seus desejos. A mulher não é vista como mulher, mas como coisa!

É isso que significa o “olhar” denunciado por Jesus. Antes do adultério está o “simples olhar”; e antes do “simples olhar” está toda uma educação que criou o homem para ser o “pegador que é o orgulho de seu pai”. É uma educação que faz o menino crescer objetificando a mulher. E não há pior exemplo para a criança que ver sua mãe sendo humilhada e objetificada pelo seu pai. Outro problema é a pornografia que também apresenta a mulher como simples objeto de satsfação do homem. As distorções da pornografia na mente humana é algo muito estudado por diferentes áreas da psicologia.


Jesus não quer nenhuma mutilação do corpo humano. Ao contrário, é necessária uma mudança de mentalidade. Ou seja, precisa-se de uma reeducação para a eliminação de preconceitos e a construção de novos conceitos sobre os relacionamentos humanos. O começo de uma sociedade mais justa entre homens e mulheres e com igualdade de gênero e o fim da violência contra a mulher e o feminicídio está na educação que seus pais dão para os seus filhos.

É preciso mencionar também o perdão. Perdoar o/a cônjuge não significa voltar ao relacionamento tóxico, mas receber e dar a paz. Nunca podemos generalizar uma única forma de perdão. Há casais que experimentaram diferentes crises e, através do perdão, buscaram a reconciliação e permaneceram juntos; e há casais em que a convivência é algo impossível. Aqui é importante dizer que Deus não é contra que cada um siga a sua vida e procure o seu recomeço. Neste caso, a tarefa da igreja/comunidade não é julgar ou fofocar a respeito, mas acolher, ajudar e sempre estar do lado da vítima. E no caso de violência, é nossa tarefa também ajudar, orientar e até mesmo denunciar antes que o pior aconteça.

3    SINCERIDADE X FALSIDADE (vs. 33-37)

Nas dificuldades apresentadas pelos relacionamentos interpessoais, há quem confunda sinceridade com grosseria e há quem vista máscaras para evitar o conflito. Ambas as ações são equivocadas, pois uma pessoa não precisa ser grosseira para ser verdadeira. Sinceridade não tem nada a ver com lacração; da mesma forma, o uso de máscaras pode até ajudar por um momento, mas a despersonalização por ela causada cobrará seu preço com o passar do tempo.

Portanto, sejamos pessoas verdadeiras. Não precisamos esconder nada de ninguém; não precisamos viver para agradar; não precisamos viver de curtidas e seguidores nas redes sociais. O que precisamos é de sentido(s) para a vida e relacionamentos saudáveis que são fundamentados no respeito, na tolerância e no amor.

Todos somos pessoas diferentes – e isso é muito bom! A diversidade é boa! Quantas filhas são expulsas por seus pais de casa quando se tornam mães solteiras? Quantos filhos e filhas são expulsos de casa por seus pais quando assumem a sua sexualidade? Certamente que essas ações não correspondem aos valores do reino de Deus, pois o reino de Deus prega o amor, o respeito e a inclusão.

Sejamos pessoas verdadeiras/sinceras: “Que a palavra de vocês seja: Sim, sim; não, não”. (Mateus 5.37). Não tenhamos medo de sermos quem somos; não tenhamos medo de nos movimentarmos em direção ao/à diferente; não tenhamos medo de pregar e lutar pela paz em todos os relacionamentos humanos e com a Criação de Deus.

Amados irmãos, amadas irmãs,

sim, viver é difícil; conviver, talvez um pouco mais. Aceitemos hoje o desafio de transformarmos as nossas convivências. Podem me chamar de idealista, mas eu nunca vou deixar de sonhar com a esperança da paz em todas as relações. O amor cura; o amor doa o recomeço; o amor possibilita encontros e reencontros entre desencontrados.

Somos pessoas diferentes, com histórias diferentes e ideias diferentes. Nada disso, porém, nos impede de juntos buscarmos a paz e relacionamentos pautados na aceitação, no amor e na justiça.

Precisamos aprender a conviver com as diferenças religiosas, políticas e étnicas. Sejamos humildes: não sabemos de toda a verdade. Estamos entre 8 bilhões de outras pessoas: será que apenas nós estamos certos? Sejamos humildes o suficiente para jogar fora todo tipo de fundamentalismo, pois o fundamentalismo acaba com a convivência e gera a violência.

Ao mesmo tempo, sejamos humildes para buscar ajuda. Há situações de conflitos que nunca daremos conta de resolvermos sozinhos. É preciso buscar ajuda profissional, seja ela espiritual, psicológica ou até médica. Busque ajuda! Como comunidade, apoiaremos e ajudaremos você.

Desejo que tenhamos relacionamentos que priorizem a vida, relacionamentos construídos sobre uma educação que enxerga as mulheres como seres humanas e relacionamentos construídos com verdade e sinceridade, sem que isso seja motivo para a grosseria ou para a lacração.

Que haja paz na sua família; que haja paz nas igrejas e religiões; que haja paz nas cidades; que haja paz nos estados; que haja paz em todo o Brasil; que haja paz no mundo. Que a cobiça termine; que nenhuma vida seja colocada como menos valorosa que dinheiro ou bens; que toda pedra de julgamento caia no chão e pavimente o caminho da paz. Amém.


6º DOMINGO APÓS EPIFANIA | VERDE | TEMPO COMUM | ANO A

12 de Fevereiro de 2023


P. William Felipe Zacarias


Quando a mulher é coisificada, o homem não tem uma relação sexual com a mulher, mas usa a mulher como ferramenta de masturbação.
 


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 21 / Versículo Final: 37
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 69606
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