Paróquia Ferrabraz

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Deus se humilhou por amor | João 13.1-19

Quinta-feira da Paixão | Ciclo da Páscoa - ANO B

20/03/2024

 

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

estamos hoje na Quinta-feira da Paixão. É hoje a última reunião de Jesus com os seus discípulos. É a última refeição. Já no dia seguinte Jesus será pendurado na cruz e os discípulos que hoje estão à mesa com o Senhor serão dispersos por causa do medo. Esse é o momento. Esse é o “clima”. Essa é a situação.

Há poucos dias Jesus havia entrado em Jerusalém em um jumentinho, cria de jumenta. E o povo o aclamava cantando “Hosana”. Ao lermos os Evangelhos, percebemos que Jesus e seus discípulos caminhavam muito. Andavam de um lado para o outro. Estavam sempre em movimento. Assim aconteceu nos três anos do ministério de Jesus.

Naquele tempo, era comum as pessoas usarem sandálias. Com tanta caminhada e suor, como você imagina que ficavam os pés? Bem, nem é preciso imaginar muito para perceber que os pés ficavam encardidos. Era muita sujeira nos pés. Talvez até algum cheiro desagradável – ou não, por já estarem acostumados. Afinal de contas, essa era a realidade da época. Além disso, embora hoje as pinturas retratem a última ceia em uma grande mesa, a verdade histórica é que as refeições aconteciam no chão, sobre algumas toalhas. As pessoas se agachavam ou até mesmo se deitavam ao redor das comidas para se alimentarem nos momentos de refeição.

Agora, imagine a cena: uma pessoa deitada ou sentada ao lado da outra... Onde ficavam os pés? Por causa da higiene e para não contaminar a refeição ou mesmo tornar o momento desagradável, havia o costume de lavar os pés. Quem executava esse serviço? Os escravos. Era comum o escravo já lavar os pés dos seus senhores já na entrada da porta de casa. Esse serviço de lavar os pés era visto pela sociedade da época como um dos trabalhos mais humilhantes que poderia haver. A pessoa que lavava os pés de outros era como alguém sem nenhuma dignidade – pois alguém com um pouco de dignidade e estima nunca se rebaixaria a este serviço. Quem considerava ter algum valor, não se humilharia ao ponto de lavar os pés de outras pessoas. Lavar os pés era um lugar de desprezo, rejeição e humilhação pública.

Então, como já dito, Jesus e os discípulos caminharam bastante de Betânia até Jerusalém. Agora, após a entrada de Jesus em Jerusalém, passaram alguns dias andando pela cidade. Imagina a situação daqueles pés... Com suas sandálias... Eles caminhando debaixo do sol quente... O suor se misturando a poeira da estrada... Essa é a cena! Não tinha tênis-pé; não tinha desodorante; não tinha tênis ou meia. Imagine a situação daqueles pés...

É assim que começa a última reunião de Jesus com seus discípulos. E então, Jesus, o Senhor, o Mestre, o Salvador, toma uma atitude inesperada: “Jesus, sabendo este que o pai tinha confiado tudo às suas mãos, e que ele tinha vindo de Deus e voltava para Deus, levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, pegando uma toalha, cingiu-se com ela. Em seguida, Jesus pôs água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido”. (João 13.3-5). O Senhor – a Segunda Pessoa da Trindade – começa a lavar os pés de seres humanos! O Senhor, o Mestre, o Salvador assume o papel que era reservado aos escravos. Em vez de ser servido, ele decidiu servir!

Mas, por que Jesus fez isso? Qual foi sua intenção em lavar os pés dos discípulos? Muitos vão dizer que Jesus fez isso para dar o exemplo. Obviamente, não podemos negar que Jesus nos dá um grande exemplo de serviço e humildade ao lavar os pés dos discípulos. Mas será que foi somente isto? Será que podemos reduzir esse momento único em que Deus, na Pessoa do Filho, lava os pés dos discípulos a um mero exemplo e lição?

Há algo mais profundo aqui! E nem sempre estamos atentos à profundidade da Palavra de Deus e das ações de Jesus. Não negamos que Jesus tenha dado o exemplo. Mas isso é pouco diante da profundidade do texto bíblico. Algo mais aconteceu aqui! O quê? Aprendemos que Deus se manifestou não apenas em amor, mas também em humildade. Ou melhor: aprendemos que Deus se humilhou por amor! O amor de Deus se revela na sua humildade! Não é um amor abstrato, distante ou meramente intelectual (no sentido de apenas conhecer que existe). É um amor que se revela em relacionamento. E não é um relacionamento de cima para baixo; neste momento, é um relacionamento de baixo para cima – onde Deus se rebaixa para lavar os pés dos discípulos. O amor de Deus se tornou concreto na sua humildade! Não apenas no lava-pés, mas de maneira ainda mais escrachada na humilhação da cruz – pois a humilhação do lava-pés que em si já é dramática não se compara à humilhação que virá quando o Filho de Deus for pendurado na cruz! Deus se humilhou por amor! Essa é a profundidade do lava-pés!

Não há psicologia, filosofia ou qualquer outra teoria humana que explique esse mistério. E por isso mesmo o lava-pés é profundo: é um mistério. Deus não é alguém inacessível, mas alguém que se torna acessível aos seres humanos em Jesus Cristo. Deus não revela a nós um amor apenas em palavras, mas em gestos – ou melhor, no gesto da humildade! O amor de Deus se revela acima de tudo na humildade! Onde não há humildade, ali não está o amor de Deus! Onde só há soberba e orgulho, certamente que ali não está a presença amorosa de Deus – pois o amor de Deus pressupõe a humildade.

Isso se torna ainda mais evidente em Filipenses 2.5-8 onde o apóstolo Paulo, citando um hino da época, afirma que “Cristo Jesus, mesmo existindo na forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus algo que deveria ser retido a qualquer custo. Pelo contrário, ele se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos seres humanos. E, reconhecido em figura humana, ele se humilhou, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz”. E qual convite a Palavra de Deus faz a nós a partir da humilhação de Deus? “Tenham entre vocês o mesmo modo de pensar que Cristo Jesus”. (Filipenses 2.5). Ou seja: também tornem o amor de Deus concreto através da humildade!

A grande verdade é que o ser humano por si próprio não sabe e não consegue ser humilde. Em Gênesis 3, o pecado afastou o ser humano de Deus, do próximo e da criação. O ser humano quis se tornar seu próprio deus. Passou a querer subir ao invés de descer! O pecado tornou o ser humano orgulhoso, egoísta e ambicioso! E aí de quem estiver à frente! Será derrubado, não importando se é Deus, o próximo ou uma árvore! Tudo será derrubado para que o ser humano orgulhoso e egoísta possa prosperar!

A humildade não faz parte da natureza humana. Pelo contrário, a humildade é a antinatureza humana! Enquanto o ser humano se tornou orgulhoso, Deus desceu até a humilhação mais radical ao se encarnar na Pessoa de Jesus Cristo. Enquanto o ser humano quer subir, Deus desceu; enquanto o ser humano quer ser servido, Deus serve lavando os pés dos seus discípulos.

No texto bíblico nós encontramos a natureza humana. Vejamos: “Então Pedro disse: - O senhor nunca lavará os meus pés!” (João 13.8). Isso não é outra coisa senão a natureza humana orgulhosa e egoísta gritando de desespero diante da humilhação de Deus! A natureza humana não consegue aceitar a revelação do amor de Deus na humildade! A inteligência humana diz que isso é loucura e impossível! Mas aquilo que era impossível e loucura estava acontecendo bem diante dos olhos de Pedro. E o que sua natureza humana faz? Ela nega! Não quer! Não foi isso que ele imaginou como Reino. Não foi isso que ele sonhou como objetivo. Não estava seguindo a Jesus por três anos para agora ver o Senhor lavar os seus pés. O Pedro impulsivo e grosso não aceita a humildade.

Mas ele mudou rapidamente de ideia: “Ao que Jesus respondeu: - Se eu não lavar, você não terá parte comigo. Então Pedro lhe pediu: - Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça”. (João 13.8-9). Para continuar fazendo parte do grupo dos íntimos de Jesus, Pedro precisou aceitar esse mistério insondável da entrega divina ao sacrifício, que constitui o núcleo central da vivência cristã[1].

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

“qualquer cristão que viva sinceramente o seu cristianismo se defrontará algum dia com a radicalidade dessa exigência”[2]: a humildade! A exigência da humildade é negar a si mesmo, tomar a sua cruz e seguir a Jesus. É negar o próprio orgulho, egoísmo e ganância; é assumir a cruz de ser julgado e perseguido pelo mundo cheio de violência e destruição; é seguir a Jesus com fidelidade mesmo em meio às tentações do poder.

Humildade não significa se fazer de coitadinho/a; humildade é compromisso profundo com o amor de Deus revelado em Jesus Cristo. É a disposição para servir – e até mesmo para lavar os pés! Esse é o mistério deste dia! Esse é o mistério desta última reunião de Jesus com seus amigos.

Nem todos aceitam a verdade. Mesmo tendo seus pés lavados, Pedro ainda assim continuou orgulhoso ao ponto de cortar a orelha do soldado romano com a espada; mesmo tendo os pés lavados, Judas continuou com seu plano de trair Jesus por míseras trinta moedas de prata; e todos os discípulos se dispersaram quando “a coisa apertou”, com exceção de João. A nós, segue o ensinamento de Jesus: “Ora, se eu, sendo Senhor e Mestre, lavei os pés de vocês, também vocês devem lavar os pés uns dos outros” (João 13.14). Jesus nos ensina que o amor se revela na humildade do serviço. Amém.

 

 


[1] GUARDINI, Romano. O Senhor: reflexões sobre a pessoa e a vida de Jesus Cristo. São Paulo: Cultor de Livros, 2021. p. 527.

[2] GUARDINI, 2021. p. 528.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 13 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 19
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 72522

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