Paróquia Ferrabraz

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Amor e Aceitação | Tito 3.4-7

Noite de Natal

24/12/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

vivemos em um mundo onde tudo é questão de mérito próprio. A felicidade é medida a partir do número de seguidores nas redes sociais; o sucesso é medido a partir das conquistas da vida; a qualidade de vida é medida a partir das coisas que se pode comprar; identidades são vestidas e despidas a todo momento, pois o que importa é agradar a todo mundo. O problema é que ninguém consegue agradar a todo mundo suficientemente. Então, surge a falta de sentido, a depressão, o vazio, a incerteza sobre o próprio “eu”.

Aqueles que não atingem o sucesso também são julgados a partir dos próprios méritos. São chamados de fracassados por não conseguirem àquilo que os outros conseguiram. Lentamente, são excluídos da sociedade e colocados à margem. As cidades os jogam para as periferias. Assim como aconteceu com José, Maria e Jesus, não há lugar para eles na cidade. Precisam, portanto, serem jogados em qualquer outro lugar onde haverá propensão à criminalidade, prostituição e outros males.

Esta é a realidade em que vivemos. Realidade em que aceitamos os que nos são parecidos e excluímos os que são diferentes. Trazemos para perto quem pensa parecido conosco, mas cancelamos, julgamos e excluímos quem tem a coragem de pensar alguma coisa diferente. Nós mesmos nos tornamos os juízes uns dos outros, julgando quem é agradável e quem é desagradável. Com as redes sociais, essa divisão da sociedade se aprofunda ainda mais: formam-se bolhas de ideias, umas contra às outras. Conforme o documentário “O Dilema das Redes” disponível no Netflix, os próprios algoritmos das redes sociais criam essas bolhas, gerando cada vez mais divisão entre os seres humanos ao mesmo tempo em que alimentam seus donos com bilhões de dólares em enriquecimento.

Este é o mundo em que vivemos: um mundo dividido até mesmo quanto a algo básico como o uso ou não de máscara e o tomar ou não das vacinas contra a covid-19.

Mas, qual é a ligação disso tudo com o Natal?

A Carta de Paulo a Tito não fala dos méritos humanos. O apóstolo Paulo não está interessado em falar sobre o potencial do ser humano para o sucesso, felicidade e prazer. Não! Paulo conhece muito bem a natureza do ser humano. Paulo sabe que o ser humano é alguém egoísta, cobiçoso e que quer tudo apenas para si. Por isso, em suas cartas, Paulo desenvolve uma teologia que não vai falar do ser humano em todo o seu potencial. Ao contrário, ele vai falar do ser humano como alguém que não possui chance nenhuma em si mesmo de chegar diante de Deus.

Por isso, o apóstolo Paulo revela a exata natureza do natal, muitas vezes perdida nos nossos “natais” (sim, no plural). A natureza do natal não está em falar dos méritos ou dos potenciais dos seres humanos. Na verdade, os méritos humanos não valem nada diante de Deus, visto que nascemos no pecado e com a nossa natureza inclinada a fazer o que é contrário à vontade de Deus. Todos já nascemos rebeldes a Deus e com a vontade de assumir o lugar de Deus. Essa é a certeza do apóstolo. Portanto, não há méritos no próprio ser humano.

Então, Paulo nos fala dos méritos de Jesus. A notícia do natal é que nós não poderíamos salvar a nós mesmos, ainda que fôssemos Madre Tereza de Calcutá, Martin Luther King Jr. ou qualquer outra pessoa bondosa. Em si mesmo, o ser humano está perdido; em suas próprias capacidades, não há salvação; o seu próprio esforço não lhe ajuda nem um milímetro para que alcance a salvação. A Bíblia não fala de uma salvação por méritos ou por qualquer feito humano, mas da salvação através da graça de Jesus. Ler o “Castelo Forte” ou qualquer outro devocional todos os dias ainda não nos garante a salvação. Fazer coisas boas não traz a salvação a ninguém. Ou seja: não são os nossos méritos que nos tornam aceitáveis diante de Deus.

É por isso que Jesus nasceu! É por isso que o próprio Deus desceu ao mundo, fazendo-se carne como nós. Ele vem para nos justificar: nos transformar em pessoas justas, ou seja, pessoas aceitáveis diante de Deus. A criança que nasceu em Belém veio ao mundo com uma missão pré-determinada: causar a justificação daqueles que nele creem e o confessam como único e suficiente Senhor e Salvador.

É disso que nos fala os vs. 4-5a: “Mas, quando se manifestou a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor por todos, ele nos salvou, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia.” Portanto, mesmo que nos consideremos as pessoas de mais sucesso no mundo, não é isso que nos traz a salvação eterna e o pleno perdão dos nossos pecados. Somos salvos unicamente por causa da misericórdia de Deus.

A grande verdade é que não havia saída para nós em nós mesmos. Porém, misericórdia significa que ao invés de nos castigar, Deus escolheu nos salvar. Sua justiça funciona de um jeito diferente da nossa justiça. Nós cremos que apenas os bons podem ser salvos; Deus, porém, é livre para determinar quem ele quer salvar, mesmo que seja um ladrão pendurado na cruz ao lado de Jesus. Deus é Deus e é preciso que deixemos Deus ser Deus.

Como Deus – que é Santo e Justo – pode salvar a nós – pecadores e ímpios? Somente através da sua bondade. Assim nos diz o P. Dr. Gottfried Brakemeier:

O amor de Deus assumiu forma concreta no homem Jesus de Nazaré. Deus se tornou homem; aliás, não qualquer homem, mas sim o homem que aceita os homens, que não os julga conforme os méritos nem os ama por causa de eventuais boas obras. É misericórdia que faz com que Deus se incline ao ser humano para arrancá-lo de sua miséria e perdição.1

Quem nasceu no Natal? O próprio amor de Deus que se tornou gente como a gente! Jesus é a própria encarnação do amor de Deus. A bondade deixou de ser uma busca para se tornar uma pessoa. Antes de Jesus, o ser humano buscava (e ainda busca) ser bom em si mesmo (e pode até conseguir aos olhos do mundo, mas não de Deus); em Jesus, nós descobrimos que a bondade não é um sentimento, uma busca ou uma ação, mas o próprio Jesus. Ele mesmo é a bondade. Assim, não somos bons em nós mesmos, mas somos transformados em bons, isto é, em pessoas aceitáveis a Deus, por causa de Cristo que habita em nós. Somos bons não por causa das próprias capacidades, mas porque Jesus, a encarnação do amor e da bondade, habita em nós.

Existe uma palavra específica para isso: filantropia. Esta é a palavra que aparece no grego original do Novo Testamento para amor aos humanos. Um filantropo é alguém que ama ao seu próximo e pratica a bondade não por um reconhecimento ou para ganhar algo em troca, mas por pura graça e vontade de ajudar. Do ponto de vista bíblico, a filantropia também não é apenas um conceito, mas uma pessoa: Jesus Cristo. Jesus é a própria filantropia que assumiu a forma humana. Assim nos diz o P. Jorge Dietrich:

A filantropia de Deus assumiu forma humana em Jesus. Isso aponta para o Natal. Pois se refere à encarnação da bondade de Deus. O amor de Deus assumiu forma concreta no homem Jesus de Nazaré. Deus se tornou um ser humano e habitou entre nós.2

Deus não nos aceita por causa dos nossos méritos, mas por causa de Jesus. Esse é o sentido do Natal. Esse deve ser o foco da nossa celebração. Na manjedoura de Belém não estava deitado um mero libertador humano, um simples revolucionário ou um pequeno militante; na manjedoura de Belém estava deitado o próprio Deus que se fez carne e habitou entre nós. Sua cruz não foi um erro de percurso, mas o plano de Deus para a salvação dos seres humanos. Deus assume a nossa fraqueza, a nossa injustiça e os nossos pecados para nos tornar pessoas boas e aceitáveis a ele. Gottfried Brakemeier diz: “Natal já implica a Sexta-feira Santa. A criança de Belém, pela qual Deus nos revela seu amor, é aquela que será crucificada por causa dos nossos pecados, pelo ódio que reina neste mundo”3.

Esse é o sentido da encarnação de Deus também para nós: que encarnemos no mundo, procurando através da graça e da misericórdia a aceitação mesmo daqueles que não consideramos dignos de nossa aceitação; a nossa filantropia não parte de uma mera antropologia humana, mas do amor de Jesus. Todos somos pessoas muito diferentes e com ideias muito diferentes. Porém, isso não precisa ser motivo para a guerra, mas pode ser de construção, manifestando os sinais do Reino de Deus já neste mundo perdido.

Natal é tempo de união não só da boca da fora, mas de fato e de verdade, a partir da própria bondade de Deus que se fez gente e habitou entre nós. Somos aceitos por Deus não por méritos, mas pela graça; portanto, aceitemos o nosso próximo não por seus méritos, mas pela graça de Jesus. E assim se cumpra em nós as palavras de Paulo a Tito: “Ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna.” (Tito 3.5b-7). Neste natal, sejamos lavados e regenerados para uma vida nova em Cristo Jesus, nosso único e suficiente Senhor e Salvador, para que recebamos a herança da vida eterna e possamos levar outros conosco. Deus nos abençoe, amém.


NOITE DE NATAL BRANCO | CICLO DO NATAL | ANO C

24 de Dezembro de 2021


P. William Felipe Zacarias


1 BRAKEMEIER, Gottfried. “Natal”. in: VAN KAICK, Baldur (Coord.). Proclamar Libertação. vol. 4. São Leopoldo: Sinodal, 1979. p. 282.

2 DIETRICH DE OLIVEIRA, Jorge Batista. “Salvos pela graça”. in: HOEFELMANN, Verner. Proclamar Libertação. vo. 46. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2021. p. 38.

3 BRAKEMEIER, 1979. p. 283.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Testamento: Novo / Livro: Tito / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 7
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 65687
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