Amados irmãos, amadas irmãs,
a terra é de Deus! A terra é casa que Deus deu ao ser humano por pura graça. Nós nos apropriamos e achamos que somos donos da Criação. Entretanto, a cada dia a própria Criação está nos mostrando que não podemos medir força com ela.
Temos visto acontecer muitas tragédias causadas pelas chuvas e também pela seca. O Brasil tem experimentado nos últimos anos alguns eventos extremos que nunca foram vistos antes. O mais recente foram as chuvas no litoral do estado de São Paulo, especialmente na cidade de São Sebastião. Uma tragédia com muitas vítimas e cenas inesquecíveis. Da mesma forma Santa Catarina tem experimentado chuvas torrenciais como nunca acontecido antes. Na pequena cidade de Schroeder/SC que fica na vizinhança de Jaraguá do Sul/SC e Joinville/SC choveu 600 milímetros em quatro dias! De outro lado, o Rio Grande do Sul vem enfrentando uma das suas piores secas com grandes perdas nas lavouras. Desde Dezembro a mídia anunciava também que o nível do Rio dos Sinos estava baixo e que as cidades deveriam racionar a água.
Agora, a grande pergunta é: o que nós fazemos diante de todas essas informações? Talvez elas até nos incomodem, comovem ou nos deixem apreensivos; talvez tenhamos refletido sobre nossa responsabilidade nisso tudo; ou, quem sabe, é mais fácil terceirizar a culpa, colocando-a sobre Deus ao dizermos que as tragédias são castigos por causa disso ou daquilo...
Deus criou o mundo como um lindo jardim; já o ser humano arrancou fora o jardim para construir o chamado “progresso”. Deus criou o mundo e nos concedeu como uma casa para vivermos em paz; já o ser humano criou a guerra para tomar posse do que acredita ser seu; Deus criou a beleza para que, mesmo de maneira mascarada, fosse ele reconhecido em sua Criação; já o ser humano tem transformado o mundo em um lugar tão feio que se torna difícil reconhecer a presença de Deus no mundo. Em sete dias Deus criou tudo o que existe; no oitavo dia, o ser humano quis derrubar Deus e assumir o seu lugar. Assim diz o missionário e professor Dr. Euler Renato Westphal:
Não bastaram os sete dias da criação. No oitavo dia, o ser humano criou o admirável mundo novo. O pequeno-homem-deus redesenhou os seres vivos e os seres humanos à imagem e semelhança dos interesses utilitaristas do deus-mercado.1
A sede do ser humano pelo avanço tem custado caro à boa Criação de Deus. Luiz Carlos Ramos, pastor metodista e professor na Universidade São Francisco em Castro/PR fez recentemente a seguinte reflexão em seu perfil no Facebook:
A lógica do crescimento econômico contínuo, num planeta com recursos limitados, não somente é ilógico como, insano. Empresa inteligente, e que quer se manter funcional, tem que reduzir e não crescer. Tem que se engajar na promoção de uma mudança cultural voltada mais para a qualidade que para a quantidade, o que pressupõe a “desaceleração da vida cotidiana”. Não precisamos de transportes mais velozes, de internet mais rápida, de smartphones com processadores mais poderosos. O que precisamos é de uma sociedade mais justa, pacífica e feliz.2
Acredito que a maioria irá olhar para estas palavras e dizer que “isso é loucura”. Talvez o que mais doa é que essas palavras não são mentirosas! A lógica do avanço que passa por cima do próximo e da Criação vai acabar matando a todos nós! A crítica não está sendo feita aos pequenos empresários que até, em muitos casos, conhecem bem a vida de seus colaboradores. A crítica é dirigida às grandes empresas que na loucura da lógica do crescimento, atropelam o próximo e a Criação de Deus.
Nós já estamos pagando o preço por acreditarmos nessa lógica. Se o ser humano não mudar a sua mentalidade egoísta e começar a cuidar dessa casa que Deus nos concedeu, podemos esperar o pior para as próximas gerações. Já agora estamos experimentando as consequências dos nossos próprios atos destrutivos. Já agora lamentamos a dor das famílias que perderam seus entes queridos nas tragédias recentes. Já agora percebemos que algo está errado com o clima. A pergunta é se como humanidade estamos prontos a cuidar do nosso planeta – antes que ele desligue.
Como Igreja Cristã inserida no mundo, não podemos fugir destas importantes reflexões!
Em Outubro de 2021, quando retomamos os cultos presenciais, falei na Comunidade Vida Nova sobre os Rios Voadores que é um fenômeno maravilhoso na América do Sul, mas que está ameaçado por causa da destruição. De maneira resumida, o que acontece é o seguinte: a floresta amazônica funciona como uma gigante bomba d’água. Ela puxa para dentro do continente a umidade evaporada pelo oceano atlântico. Ao entrar na floresta, a umidade cai em forma de chuva; em seguida, as árvores da floresta evaporam a água de volta à atmosfera. Estudos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) mostram que uma única árvore frondosa, com copa de 20 metros de diâmetro, pode transpirar até mil litros de água por dia! Na Amazônia existem mais de 600 milhões de árvores. Então, é possível imaginar a quantidade de água bombeada para a atmosfera diariamente na floresta.
Essas nuvens criadas pela transpiração das árvores se movimentam em direção ao leste aonde iriam embora se não encontrassem uma barreira: as montanhas da Cordilheira dos Andes. Ali acontece o seguinte: uma parte das nuvens se prendem às montanhas e congelam. O degelo é o que abastece o Rio Amazonas; já outra parte das nuvens viaja em direção ao sul, passando pelas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. O mais interessante é que em todo o globo terrestre a região Sul é desértica; apenas no Brasil que a região Sul é uma zona cultivável. Por quê? Por causa dos rios voadores.3
Foi assim que Deus criou! De maneira perfeita e pra funcionar. Mas então, o que o ser humano em sua ambição e egoísmo faz? Começa a destruir. Derruba as árvores para trocar por dinheiro; abre as terras e enche as águas e matas de mercúrio; faz as riquezas em dinheiro valerem mais que as riquezas da Criação. E nós sofremos as consequências – mesmo estando aqui no Sul. E a tendência é que se a destruição da Amazônia continuar como está, cada vez mais haverá chuvas volumosas em lugares isolados e grandes secas em outros.
Somos um país cuja economia depende hoje majoritariamente do agronegócio. Imaginemos o que acontecerá com a economia do nosso país se chover cada vez menos e as plantações se perderem cada vez mais? Ao destruir a boa Criação de Deus em nosso país, estamos matando a “galinha de ovos de ouro” que sustenta a economia brasileira.
Amados irmãos, amadas irmãs,
quando Deus criou o ser humano, Deus disse: “E o Senhor tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e guardar”. (Gênesis 2.15). Em seguida, Deus criou “uma auxiliadora que seja semelhante a ele”. (Gênesis 2.18). O homem foi criado da terra e a mulher foi criada da costela para estar em igualdade com o homem. Eva não é posse de Adão, mas está ao lado de Adão como uma semelhante a ele. Aliás, o ser humano foi criado da terra. A terra não é uma coisa e nós somos outra! Ao contrário, nós somos a própria terra. Quando machucamos a terra é a nós mesmos que machucamos!
O ser humano, porém, se alienou da Criação. Não enxerga as coisas criadas na perspectiva da irmandade, mas da coisificação. Ao invés de ser irmão da Criação e do próximo, o ser humano passou a querer dominar a Criação e o próximo. Quis assumir o lugar de Deus para ser ele mesmo deus que domina a Criação e o próximo. Não apenas isso, o ser humano passa a querer dominar sobre seu próximo a partir do domínio da Criação. Subverte a dignidade e a sacralidade da vida em nome do domínio e do poder. Deus criou; o ser humano destruiu! Essa é a tragédia do pecado!
Nós percebemos isso na própria colonização da América. Antes de 1492 (e 1500 no Brasil) a América era um lindo jardim povoado por povos que tinham profundo respeito pela natureza. Aliás, a poucos dias ouvi um podcast em que a indígena Geni Nunes falou que na língua Guarani não existe o pronome possessivo meu/minha. Na língua Guarani não se fala “meu chapéu”, mas “eu estou em companhia do chapéu”; na sua relação com o mundo, eles não dizem “meu rio”, mas “o rio está em minha companhia”.4 Até que chegam aqui os portugueses e acabam com a paz daqueles que aqui viviam. Os portugueses chegam e pensam: “Meu! Minha! Nosso!”. E nossas riquezas são exportadas para a Europa; e os indígenas são excluídos e mortos. E a gente se pergunta: por que a Europa é tão rica?
Em maio de 2002, o embaixador do México, Guaicaípuro Cuatemoc, disse as seguintes palavras cheias de ironia em seu discurso na Conferência dos Chefes de Estado da União Europeia, Mercosul e Caribe:
Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, Para encontrar os que a descobriram só há 500 anos.
(...).
Consta no Arquivo da Cia. das Índias Ocidentais que, somente entre os anos 1503 e 1660, chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América.
(...)
Teria sido isso um saque? Não acredito, porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao sétimo mandamento! Teria sido espoliação? Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do irmão.
(...)
Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o primeiro de tantos empréstimos amigáveis da América destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas indenização por perdas e danos.
(...)
Ao dizer isto, esclarecemos que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros ao ano que os irmãos europeus cobram dos povos do Terceiro Mundo.
Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de um módico juro de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos, com 200 anos de graça. Sobre esta base e aplicando a fórmula europeia de juros compostos, informamos aos descobridores que eles nos devem 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas à potência de 300, isso quer dizer um número para cuja expressão total será necessário expandir o planeta Terra.5
É muito fácil serem países ricos às custas dos tesouros roubados de toda a América Latina. A grande tragédia do pecado é que ter se tornou mais importante que ser. Ao invés de sermos irmãos e irmãs do próximo e da Criação, queremos ter o próximo e a Criação em nossas mãos como nossa propriedade. O Salmista, porém, faz bem ao nos lembrar que “a terra e sua plenitude são do Senhor.” (Salmo 24.1).
Aqui tínhamos um lindo jardim onde os habitantes mantinham respeito pela natureza. Com a chegada dos europeus, Gênesis 3, de certa forma, se repetiu. O fruto do egoísmo foi comido. A ambição falou mais alto. Os olhos cresceram! E até hoje o que vemos é destruição. Assim, nos tornamos escravos de nós mesmos. Essa é a destruição causada pelo pecado! Alienado de Deus, o ser humano se torna alienado do próximo e da Criação. Ao ser escravo da ambição, da cobiça e do egoísmo, quer escravizar tudo o que vê pela frente. E “liberdade é entender que se não tem vento, não cai semente; se não tem terra, ela não finca; se não tem água, ela não brota; e se não tem sol, ela não cresce”.6
Amados irmãos, amadas irmãs,
como igreja, precisamos fazer essas reflexões. Temos cultivado a terra de Deus? Temos guardado a Criação? Temos cuidado das pessoas e do mundo? Temos consciência do dano que estamos trazendo a nós mesmos? Temos consciência de que as tragédias recentes não são castigos de Deus, mas resultado de nossas próprias ações destrutivas?
Estamos na Quaresma e o convite de hoje é um chamado à consciência. Esse foi o desafio que assumi ao trazer as tantas informações sobre meio ambiente nesta pregação. Precisamos saber o que está acontecendo. Mas não basta saber! Quaresma é tempo de arrependimento e de mudança. A realidade pode mudar se nós mudarmos! E jamais deveremos perder a esperança, como diz essa frase atribuída a Martinho Lutero: “Se eu soubesse que o mundo acabaria amanhã, ainda hoje eu pagaria as minhas dívidas e plantaria uma árvore”.
Há um documentário muito bom chamado “Ilha das Flores”. Antes de encerrar, gostaria de mostrar apenas alguns minutos do vídeo para que reflitamos a respeito.
Nesse período de Quaresma onde caminhamos passo a passo com Jesus até à cruz e ressurreição, somos convidados a ter ações de preservação. O jejum não é apenas não se alimentar. Podemos fazer jejum de muitas coisas. E se fizéssemos um jejum para a preservação ambiental? Vou dar algumas ideias:
• Apague a luz quando não estiver no ambiente e retire da tomada os aparelhos eletrônicos que não estiverem sendo usados;
• Evite o desperdício de alimentos. Compre apenas a quantidade que você vai consumir;
• Adquira uma sacola reutilizável para ir às compras;
• Economize água, especialmente ao lavar louças e no tempo de banho.
Ainda dá tempo de fazermos a diferença. Falemos disso também em nossos lares e transmitamos isso através da educação. Assim, há mais chances de haver paz. Amém!
1º DOMINGO NA QUARESMA | VIOLETA | CICLO DA PÁSCOA | ANO A
26 de Fevereiro de 2023
P. William Felipe Zacarias
1 WESTPHAL, Euler Renato. O Oitavo Dia: Na Era da Seleção Artificial. São Bento do Sul: União Cristã, 2004. p. 124.
2 RAMOS, Luiz Carlos. in: <https://www.facebook.com/photo/?fbid=214672621059823&set=a.2101 88448174907>. Acesso em: 24. fev. 2023.
3 Recomenda-se assistir esse belíssimo documentário produzido por emissoras de TV do mundo todo em parceria com a TV Cultura do Brasil: https://www.dailymotion.com/video/x8h9h3y. Acesso em: 24. fev. 2023.
4 O áudio pode ser ouvido no link a seguir: <https://globoplay.globo.com/podcasts/episode/todos-os-caminhos/93a3974c-30d0-408c-b056-2077df3699ef/.>.Acesso em: 24. fev. 2023.
5 Discurso na íntegra disponível em: <http://forumeja.org.br/book/export/html/881>. Acesso em: 24. fev. 2023.
6 Frase dita pelo personagem “Velho do Rio” da Novela Pantanal no capítulo 28 em 28 de Abril de 2022. TV Globo.