Celebramos nesse 31 de outubro os 500 anos da Reforma. A história registra como marco a colocação das 95 teses na Igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha. Esse movimento reformatório teve uma dimensão muito além do âmbito religioso. Provocou mudanças na economia, na política, na educação, na cultura e na sociedade como um todo. Pode-se dizer que esse movimento contribuiu para o surgimento de um novo ethos democrático. Uma nova cultura começou a tomar forma e um novo comportamento começou a fazer parte nas relações sociais. Menciono alguns fatos:
• Em muito pouco tempo o número de Universidades europeias passou de 20 para 70. Pessoas, não da elite, mas do povo começaram a ter oportunidades de uma boa formação. Tanto que Lutero defendeu em uma de suas teses que de “de cada um florim gasto em armamentos, 100 florins deveriam ser gastos na educação”. Sem educação não pode existir justiça. A educação precisa estar à disposição de todas as pessoas. O ethos democrático se percebe na defesa dessas ideias, isso precisa fazer parte das políticas públicas, e de todos os setores da sociedade. O bem-estar social também é objetivo da Igreja. Esse é um legado luterano. Outro dado que aponta para esta tentativa de democratização é a taxa de alfabetização, que em pouco tempo passou de 6 para 30%.
• O acesso da população à informação e, consequentemente, na participação em debates e mobilizações, foi muito impulsionada pela invenção da impressão que ajudou a “viralizar” as ideias por meio da produção livreira. Destaca-se aqui a tradução da Bíblia para a linguagem do povo. Com os escritos, as opiniões, as posições, as ideias de todos os setores da sociedade começaram a ter eco. A leitura e a interpretação deixaram de ser uma exclusividade de uma classe com poucas pessoas – como o clero e a elite.
• Assistência Social também deixou de ser uma atitude de mendicância. A população despossuída de propriedades chegou a somar 70% da população. Iniciou-se, então, todo um sistema de organização da assistência social. A constituição de Wittenberg, em 1522, em um de seus artigos estabeleceu a criação de uma caixa comum com o objetivo de prestar assistência. A esmola e mendicância começou a ser proibida, inclusive para monges. Percebemos nisso um embrião de política públicas.
A reforma luterana provocou, estimulou e contribuiu para que mudanças sociais acontecessem. Para mostrar que pessoas não vivem em si mesmas, mas também para as outras. Luteranas e luteranos se propõem a fazer e também de forma organizada. Logo, como pessoas, como Igrejas e como governo, não existimos para nós, mas para as outras pessoas. O movimento da reforma, de 500 anos atrás, deixou esse legado para nós.
As luteranas e os luteranos aqui no Brasil, em sua história, mostram que quando se constrói uma Igreja, também se constroem ao redor escolas e associações. Associação Diacônica Luterana (ADL), Associação Albergue Martim Lutero (AAML), Associação Central da Saúde Alternativa do Espírito Santo (Acesa-ES), Obra Acordai e Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (Oase) são exemplos de instituições que fazem diferença.
E continuamos tendo em nossas comunidades ações que vão para além do âmbito religioso. O religioso mostra a sua essência na medida que protege as pessoas indefesas, que promove a vida e o bem-estar em todas as dimensões e, inclusive, protesta quando a sociedade não consegue se organizar com esse propósito.
Depois de 500 anos de história, continuamos com esse legado. Que nos próximos 500 anos, junto aos que têm esse propósito – na Igreja, na política –, possamos dar continuidade a essa história. Que cada vez mais as pessoas tenham as ferramentas teóricas e capacidade para participar da vida e das decisões. Essa cultura da participação popular precisa crescer ainda muito nos dias de hoje. Que Deus nos ilumine com o seu Espírito para que esse movimento continue!
Texto adaptado de discurso proferido na Assembleia Legislativa, no dia 23 de outubro de 2017.