Conta-se que numa tribo, como rito de passagem, cada menino tinha que passar por um teste de coragem. Sozinhos, durante uma noite, eles deveriam permanecer na mata virgem, enfrentando seus medos e animais selvagens. Chegou o dia em que um índio levou o seu filho de dez anos para cumprir o teste. Conduzindo o filho para dentro da mata, distante da tribo, por lá deixou a criança sozinha, se retirando.
As horas foram passando e a noite chegando. Não havia luar no céu e, mesmo que houvesse, sua claridade não conseguiria atravessar as densas folhagens da floresta. Foi uma noite terrível para aquela criança. Ouvir o uivar dos bichos; galhos quebrando - talvez um sinal de uma onça à espreita; aves noturnas batendo suas asas. Como tudo era assustador. Amedrontado, o menino recolheu-se junto às raízes de uma grande árvore, e chorando não conseguiu dormir. Será que aquela noite nunca iria terminar? Quando o cansaço lhe permitia um pequeno intervalo de cochilo, subitamente ele era acordado por um rosnar de animal selvagem e outros barulhos. Seu coração batia descontrolado e o medo de morrer lhe apavorava.
Finalmente começou a clarear o dia. Certa paz e tranquilidade confortou o seu coração de menino. O teste de coragem havia terminado. Quando ele se levantou para espreguiçar seu corpo cansado, ele percebeu que não estava sozinho. Seu pai estava escondido atrás de uma árvore bem próxima. A noite inteira permanecera acordado naquele local. Este era o segredo que os meninos não podiam contar para os outros. Seu pai, acordado, com arco e a flecha em punho, estava pronto para defender seu amado filho, se acaso este estivesse em perigo. Naquele instante, o menino compreendeu que não teve motivo para ter medo. Que a escuridão não lhe traria tanta angústia se ele soubesse, que um pai bondoso e amoroso, jamais abandona seus filhos na escuridão. Mas o medo do escuro tirou sua razão e não lhe permitiu ver o seu pai que o protegia.
Quando se aproxima o Natal, as pessoas são tomadas por novos ares de festa. Mas quem tem tomado o direito de anunciar a festa e fazer propagandas deste dia, em grande parte, não são mais as igrejas, mas os comércios e seus interesses de consumo. Vivemos tempos em que a mídia comercial ocupou o lugar dos anjos. É a ela que se dá o papel de anúncio dos seus produtos natalinos. Tempos em que Jesus, o presente de Deus à terra, tem sido substituído por presentes de consumo. Luzes e pisca-piscas artificiais reluzem no lugar da estrela de Belém. Tempos em que os próprios cristãos confundem Natal com papai Noel e Cristo com celebrações natalinas vazias. São tempos em que vemos a fé e a esperança da presença de Deus entre nós sendo colocadas na escuridão.
A chegada do Advento e do Natal concretiza a promessa feita por Deus aos seus filhos e filhas. Deus permanece fiel em meio à escuridão. Ele ama e cuida da sua criatura, por mais que não queiramos perceber. Deus não nos abandona diante dos sinais de trevas, como anuncia o profeta Is 9.1: “O povo que andava na escuridão viu uma forte luz; a luz brilhou sobre os que viviam nas trevas.”
No Natal, o amor Deus se manifesta à humanidade com o nascimento do menino Jesus. Esse Menino nasce em tempos difíceis, de perseguição e morte de crianças. O medo corria no ar. Poderes políticos não viam com bons olhos a chegada de um Salvador. Nem sempre boas notícias de justiça agradam as pessoas. O nascimento de Cristo não é antecedido com celebrações fantásticas. No cotidiano humano, Deus nasce criança, simples e humilde, que precisa fugir com os seus pais para o Egito, para não ser morto por causa da ganância da humanidade. Quantas crianças não têm a mesma sorte de serem protegidas pelos pais da morte neste nosso mundo? Pelo contrário, vemos tantas notícias de pais que abandonam seus filhos em latas de lixo e no meio da rua. Crianças desaparecidas e esquecidas. Sem contar pais que estupram seus filhos ou os vitimam com constantes violências domésticas. São, sim, dias de escuridão e abandono.
Para a cristandade, a cada ano celebramos o Natal com um clima de incerteza no ar. Entre os clamores, vemos a crise dos valores e a perda da sensibilidade social, que produzem pessoas infelizes e doentes espiritualmente. O crescimento da violência, do consumo de drogas, da pobreza, do desemprego, da falta de acesso aos meios de saúde e educação, dentre tantas outras dores escandalosas, são impasses que nos alimentam de incertezas e frustrações. Com as esperanças desgastadas, como falar de “Paz na Terra para as pessoas a quem Ele quer bem”? (Lc 2.14b).
É por causa da miserabilidade humana, da nossa incapacidade de praticar o amor sincero, que Deus nos vem. Ele quer dignificar a humanidade, acolhendo os rejeitados, os doentes e exclusos sociais. Transformando os pecadores e insensatos. Alimentando o faminto e curando os enfermos. Porque o Deus que nos vem é “Conselheiro Maravilhoso, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Is 9.6b).
O Advento e o Natal precisam ser percebidos como sinais da inquietação de Deus frente à escuridão que paira sobre o mundo caído. Enviar Jesus Cristo à terra continua sendo o testemunho do amor e da bondade de Deus para com a humanidade. Em Cristo, Deus se torna humano numa lógica desconcertante: O divino precisa se tornar humano para nos ensinar a sermos humanos. Por isso, o Natal é esperança que transcende as nossas razões e sentimentos. Deus nasce dentro dos limites terrenos da nossa vida, assume no corpo as nossas fraquezas e, com nobre simplicidade, nos ensina o caminho para a unidade e eternidade com Ele e com o próximo. Então, Natal é tempo de silenciar os barulhos do comércio e do mundo, para que percebamos que o amor de Deus paira no ar, em meio a humanidade que nega ser acolhida pelos braços bondosos de Deus.
Vivamos da promessa divina de que somos amados e bem amparados em meio às trevas, de que tudo no mundo pode ser passageiro, mas o Amor e a Palavra de Deus são nossa segurança e permanecem para sempre. Somente um verdadeiro amor pode compreender e mudar as adversidades do tempo humano. Um abençoado Natal e um agraciado Ano Novo a todos vocês.