O 2o Turno das Eleições 2014 passou e a apuração dos votos já foi concluída. Já sabemos quais pessoas foram eleitas para governar no Brasil e nos 26 Estados da Federação. No lugar das postagens de promoção dos/as candidatos/as preferidos/as e de questionamentos dos/as adversários/as, lemos nesta semana muitas manifestações de alegria ou frustração sobre o resultado final das eleições. Neste contexto todo, uma palavra se destacou muito – já no período de campanha e também agora nos discursos de eleitos/as, derrotados/as e dos repórteres: a palavra é mudança. Desde as manifestações de meses atrás até o resultado apertado e histórico das eleições presidenciais foram interpretados por muitos – também pela própria presidente reeleita, Dilma Rousseff – como pedidos e cobranças por mudanças e reformas.
Nós como Igreja provinda da Reforma Protestante do Século 16, deveríamos ser especialistas em assuntos de mudança e reforma. Nesta semana, comemoramos no dia 31 de Outubro (Dia da Reforma) os 497 Anos do Início da Reforma, desencadeada com a pregação das 95 Teses na Porta da Igreja do Castelo de Wittenberg/Alemanha por Martim Lutero. Mais uma razão para meditarmos muito sobre as mudanças significativas e duradouras da Reforma, que tiveram início em plena Idade Média e têm consequências até hoje. Daria para mencionar muitos aspectos destas mudanças, mas quero resgatar apenas um exemplo importante: A tradução da Bíblia para o Alemão por Lutero e o seu engajamento pela alfabetização e capacitação intelectual de todos foi uma ação profética para a democratização do acesso ao Evangelho que transformou toda a sociedade. Estaéapenas uma das muitas mudanças, que mudaram o mundo. Mas, Lutero deixou claro que estas mudanças foram apenas um início e que mudanças precisam acontecer continuamente, quando defende que
„ecclesia semper reformanda esse“- “a igreja precisa ser reformada/precisa se reformar sempre”.
Mudanças são expressões da vida e, por isso, nunca devem acabar. E, na medida em que a igreja assume a sua missão de ser agente da vida – criada por Deus, de uma vida com esperança, dignidade e qualidade – elaprecisa se reformar continuamente!
Nós comemoramos o Dia da Reforma a cada ano no dia 31 de Outubro, lembrando do evento público que desencadeou a Reforma (95 Teses). Mas, antes deste ato público que teve uma repercussão muito maior do que a esperada pelo próprio Dr. Martim Lutero, que queria motivar apenas uma discussão, uma disputa acadêmica sobre os assuntos expostos, aconteceu uma outrareforma – maiore mais importante, mas em âmbito particular: a chamada “Experiência da Torre” na qual Lutero compreendeu o significado das palavras “O Justo viverá pela Fé” (Romanos 1.17). O monge Agostiniano Eremita, que observava com rigor as leis e regras desta ordem religiosa – tidacomo uma das ordens religiosas mais severas – paraobter a aprovação de Deus, entendeu que a justiça de Deus era uma dádiva, um presente que se aceita pela fé:
“Enquanto meditava dia e noite e examinava o sentido destas palavras - o justo viverá pela fé - comecei a compreender que a justiça de Deus significa aqui a justiça que Deus oferece e pela qual o justo vive, se tem fé. O sentido da frase é, pois, o seguinte: O Evangelho revela-nos a justiça de Deus, mas a justiça passiva, pela qual Deus, na sua misericórdia, nos justifica por intermédio da fé. (...) Senti-me imediatamente renascer e pareceu-me transpor as portas escancaradas do próprio Paraíso!”
(Uma retrospectiva numa das “Palavras à Mesa” de Lutero do ano 1532)
Especialmente a última frase deste trecho revela a força desta descoberta de Lutero e seus atos corajosos provam a força desta descoberta. Inspirado e fortalecido pelo Amor de Deus, Lutero se tornou capaz de provocar, conduzir, moldar, acompanhar e corrigir mudanças necessárias no contexto no qual estava inserido.
Mas, o que estas mudanças, o que a Reforma tem haver com as mudanças e reformas das quais nosso país carece? A meu ver, nós luteranos - especialistas em assuntos de mudança e reforma (?) - precisamos olhar mais para a grande reforma/mudança na vida de Lutero que o capacitou para as suas ações em âmbito público. Precisamos valorizar mais a fé que se baseia no Amor, na Misericórdia e na Fidelidade de Deus, também na hora de nos engajarmos pela sociedade. Acredito que a inspiração da fé pode nos ajudar a participar ativamente das mudanças que nosso país precisa. Pois a inspiração da fé leva a atitudes éticas – seja na ocasião de debater ideias com quem votou em outra pessoa que a gente; seja na hora de avaliar, fiscalizar, criticar ou apoiar propostas e projetos de determinado/a político/a ou partido; seja na própria política, quando ambas – governo e oposição – devem unir forças para aprovar e concretizar projetos e reformas necessárias e denunciar, investigar e punir fraldes e crimes cometidos. Eis algumas mudanças muito necessárias para amadurecer a nossa democracia e gerar reformas que nosso país precisa.
Encerro voltando o olhar novamente para a reforma na vida de Lutero, a reforma particular: Viver na fé, lidar intensamente com as perguntas e dúvidas da fé, procurar descobrir e aplicar a boa vontade de Deus para com as suas criaturas podem despertar forças e capacidades dentro de nós. Forças e capacidades para concretizarmos mudanças necessárias – primeiramente no âmbito pessoal. Quem sabe – antesde pensarmos nas (mas sem esquecermos das) reformas políticas, de gestão e de prioridades no nosso país – procuremos descobrir as convicções e situações na nossa vida particular, familiar e profissional que carecem de mudanças para sentirmos a presença de Deus, sua justiça e sua misericórdia como fontes de forças e poder que pode transformar até a realidade que nos cerca.
Um abençoado Dia da Reforma. Que Deus nos inspire com a presença do seu Espírito Santo para que possamos sentir a força do seu amor que pode transformar a realidade – também através das nossas atitudes e ações. E que Deus abençoe também o nosso país!
