Estimada comunidade,
Normalmente a palavra testemunha aparece relacionada às notícias policiais ou aos acidentes no trânsito. Se uma pessoa viu um crime sendo cometido ou estava próxima de um acidente, ela é chamada para depor e contar o que viu e ouviu da melhor maneira possível. Na leitura bíblica que ouvimos hoje, Jesus chama sua comunidade para ser testemunha, “quando o Espírito Santo descer sobre vocês, vocês receberão poder e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria e até nos lugares mais distantes da terra” (At 1.8). Uma testemunha é uma pessoa que atesta a verdade de qualquer ato ou fato. É uma pessoa que tem condições de falar sobre algo que ela presenciou. Certamente nenhum de nós aqui estava presente neste momento em que Jesus disse estas palavras. E ainda assim Jesus chama sua comunidade - incluindo você e eu – de “minhas testemunhas”. Portanto, fica a pergunta, em que sentido somos testemunhas de Jesus?
Esta palavra de Jesus, que é praticamente uma promessa, “vocês receberão o poder do Espírito Santo e serão minhas testemunhas”, faz parte do livro conhecido como Atos dos Apóstolos. E o trecho que ouvimos normalmente é reservado para o dia de Ascenção de Jesus. Hoje não é dia da Ascenção de Jesus. Entretanto, hoje e nos próximos meses gostaria de ler e meditar a partir do relato que Lucas nos escreve este livro: o livro de Atos ... de Deus. Isto mesmo, você ouviu corretamente: livro dos Atos de Deus. Estamos tão acostumados a ouvir o título Atos dos Apóstolos que nem nos damos conta de que o livro fala muito pouco sobre os apóstolos. Quando muito aparece o apóstolo Pedro, e ocasionalmente o apóstolo João. Depois do capítulo 12, Pedro desaparece de cena. Também ganham destaque, a partir do capítulo 13 até o final, as viagens missionárias de Paulo. Porém, dentro deste livro somente uma vez Paulo é chamado de apóstolo (At 14.14). Aqui é preciso esclarecer que o título “Atos dos Apóstolos” é um acréscimo posterior, provavelmente do século 2. Em algum momento, anos mais tarde depois de Lucas ter escrito este livro, o título Atos dos Apóstolos foi adicionado, e deste então a tradição adotou este nome.
Numa leitura atenta, porém, nos chama a atenção de quem é o grande personagem que se destaca nesta narrativa. Este personagem não é outro senão o próprio Deus. Atos narra Deus agindo na vida das pessoas, Deus agindo na história humana. Em Atos é Deus quem envia o Santo Espírito na festa de Pentecostes, dando à comunidade de homens e mulheres a coragem e ousadia para falar de Jesus. É Deus quem liberta os apóstolos Pedro e João da prisão. É Deus quem conduz Ananias para batizar Saulo, mais tarde conhecido pelo nome Paulo. É Deus quem sustenta o trabalho missionário de Paulo até sua chegada em Roma, onde, mesmo na prisão, Paulo anunciava o Reino de Deus e ensinava a respeito do Senhor Cristo Jesus, falando com toda a coragem e liberdade. Muitas outras pessoas fazem parte desta história, na qual Deus está agindo – algumas pessoas se deixando conduzir pelo Espírito de Deus, outras pessoas resistindo e reagindo contra o Espírito Santo. Mas não vamos hoje colocar o carro na frente dos bois. Afinal de contas, estamos ainda no primeiro capítulo deste livro de Atos.
O que, entretanto, precisa ficar claro para nós, ao ler este livro, é que muito mais dos que os atos dos apóstolos e os atos de outras pessoas da comunidade cristã, o livro narra os atos de Deus. Deus é o agente, Deus é o protagonista nesta história de salvação e transformação. Pedro, João, Paulo e as demais pessoas da comunidade cristã são testemunhas da ação de Deus. Como testemunhas seu papel é contar da melhor maneira o que viram e ouviram (At 4.20).
E o primeiro Ato de Deus que o livro nos narra é Deus cumprindo sua promessa de levantar Jesus dentre os mortos. Jesus, morto na cruz, foi ressuscitado, conforme a promessa de Deus, e permaneceu durante 40 dias entre os apóstolos, “Depois da sua morte, Jesus apareceu a eles de muitas maneiras, durante quarenta dias, provando, sem deixar dúvida nenhuma, que estava vivo. Os apóstolos viram Jesus, e ele conversava com eles a respeito do Reino de Deus.” Ou seja, o que antes era dado como certo, a morte de Jesus, ganha um novo capítulo pela ação de Deus que levanta Jesus dentre os mortos para anunciar que o Reino de Deus continua avançando na história humana. Nem a cruz do Império Romano e nem a morte foram suficientes para impedir a promessa de Deus de ressuscitar Jesus, o crucificado.
No final dos 40 dias, Jesus então dá aos discípulos uma segunda promessa, “vocês receberão o poder do Espírito Santo e serão minhas testemunhas”. É uma promessa que se desdobra em duas partes. Por um lado, receber o Espírito Santo, e, por outro lado, ser testemunha de Jesus. É uma promessa onde as duas partes estão fortemente entrelaçadas. Por um lado, a ação do Espírito Santo é conduzir as pessoas – a comunidade cristã - a dar testemunho de Jesus. Por outro lado, ninguém pode dar testemunho de Jesus a não ser pela ação do Espírito Santo. Uma só promessa em que as duas partes estão seguramente conectadas uma com a outra.
De fato, esta promessa se cumpriu na festa de Pentecostes, quando Deus agiu, enviando seu Espírito, dando à comunidade coragem e ousadia para falar de Jesus. E a mensagem do Reino de Deus foi levada adiante pelas testemunhas de Jesus em Jerusalém, Judeia e Samaria e até os lugares mais distantes da terra. A promessa se cumpriu e continua se cumprindo nos dias de hoje, quando no batismo - no seu batismo, no meu batismo - Deus envia seu Espírito Santo para nos acolher na comunidade de Jesus e o Espírito nos capacita para falar e viver a partir de Jesus Cristo. Também aqui neste tempo e lugar Jesus nos chama e nos capacita para ser testemunhas de Jesus.
A comunidade cristã é, neste sentido, testemunha do agir de Jesus, impulsionada pelo Espírito Santo de Deus. Nos dias de hoje, Jesus Cristo continua agindo por meio de sua palavra que restaura relações rompidas, sua palavra que cura feridas, palavra libertadora que transforma, converte e muda pensamentos e atitudes, palavra que educa e fortalece a fé de crianças, jovens e pessoas adultas, palavra que dá sabedoria para as decisões e situações difíceis onde precisamos de discernimento, palavra que promove entre as pessoas solidariedade e serviço mútuo, palavra que nos inspira à gratidão e ao ofertar, seja o ofertar para a própria comunidade, seja o ofertar para a missão entre pessoas em sofrimento em lugares distantes de nossa comunidade.
Palavra fiel que sustenta a nossa fé, pois se as duas promessas foram cumpridas, certamente a terceira promessa há de se cumprir. Se Deus levantou Jesus dentre os mortos, se o Espírito Santo nos foi enviado para sermos testemunhas de Jesus, certamente a terceira promessa há de se cumprir: Jesus que foi levado para o céu há de retornar.
E enquanto aguardamos seu retorno, nosso papel como igreja é dar testemunho dos atos de Deus em nossas vidas e na história humana. O nosso testemunho é o cumprimento da tarefa que recebemos. Como testemunhas, não assumimos o lugar de Deus, de Jesus ou do Espírito Santo. Apenas anunciamos os atos de Deus. E fazemos isto em palavras e ações. Não precisamos de muitas palavras, mas principalmente de vivência coerente da nossa fé. Nesta tarefa Jesus continua fiel à sua palavra e promessa, “quando o Espírito Santo descer sobre vocês, vocês receberão poder e serão minhas testemunhas”. Amém.
