Prédicas e Meditações



ID: 2931

Pessoas arrogantes não tem lugar para Deus

03/02/2019


Prezada Comunidade
Estimados rádio-ouvintes:

No ano de 1980 eu entrei na Faculdade de Teologia em São Leopoldo/RS. No curso de teologia nós tivemos um professor de Homilética que nos ensinava a fazer prédicas. Além de estudar o texto bíblico, ele também nos ensinava a falar corretamente e nos dava algumas técnicas para manter a atenção das pessoas. A gente se esforçava, mas dificilmente a gente tirava uma nota acima de 8. O professor brincava dizendo: nota 10 só para Jesus Cristo, nota 9 para Martim Lutero, nota 8 para os bons professores e pregadores e daí para baixo vem a nota dos meus alunos.

Ele nos dizia: A Palavra de Deus sempre deve nos questionar. Mesmo confortando, ela nos questiona. Por isso, não se iludam se as pessoas lhes cumprimentarem na saída da igreja dizendo: “Parabéns, pastor, hoje a prédica foi muito bonita”. Saiba que nesse dia sua prédica foi muito ruim, porque ela não questionou ninguém.

A prédica deve despertar nas pessoas o questionamento sobre as suas vidas e as coisas deste mundo. As perguntas, os temores, as angústias vão nos aproximar de Deus. As certezas absolutas tornam as pessoas arrogantes. E pessoas arrogantes não tem lugar para Deus.

Digo isso, porque os textos bíblicos que ouvimos hoje - o profeta Jeremias e o Evangelho de Lucas enfatizam o aspecto crítico e profético da Palavra de Deus.

O profeta Jeremias (1.4-10) também preferia ter feito outra coisa na vida, mas não teve jeito. Deus o escolheu, desde o ventre de sua mãe. E o profeta sabia que servir a Deus dentro da sociedade arrogante que não aceita nenhum tipo de crítica – vai ser um trabalho muito sofrido e muito difícil.

O outro texto vem do Evangelho de Lucas (4.21-30) e trata do inicio da atividade Jesus na cidade de Nazaré – onde ele cresceu - e já de cara- começa com a história de um conflito entre os líderes da cidade e Jesus. Por quê?

Diz o Evangelho de Lucas que as pessoas que tinham escutado Jesus pregar na Sinagoga estavam admiradas com a sua maneira agradável e simpática de falar, e diziam: “Ele não é o filho de José?” Isso não era nenhuma pergunta maldosa. O pai de Jesus era uma pessoa conhecida e de boa fama. Ele era um construtor, - um carpinteiro - e isso requer habilidade e inteligência. Portanto, ao dizer: “Ele não é o filho de José?”, isso não representou nenhuma crítica, mas representou um sentimento de posse, de propriedade. Esse Jesus que fala tão bonito, esse Jesus que é o filho de José, esse Jesus é um dos nossos. Portanto, os dons que ele tem devem estar à serviço do povo de Nazaré. Se esse Jesus foi enviado por Deus, então os milagres, as curas, as palavras de Jesus devem – em primeiro lugar - ser um privilégio dos habitantes de Nazaré.

Jesus percebe que aquela bajulação inicial tinha por trás esse sentimento de posse e – por isso - logo esclarece que Deus não enviou o seu Filho somente para as pessoas de Nazaré, nem mesmo somente para as pessoas de Israel. Jesus diz que o povo de Nazaré e o povo de Israel não tem mais esse privilégio diante de Deus. Deus vai criar um novo povo, que inclui todas as pessoas do mundo. Lá no Antigo Testamento Deus já havia dado sinais de sua abertura e de sua simpatia para outras culturas e outros povos. Por exemplo, quando ele enviou o profeta Elias para a casa da viúva de Sarepta. Ela não era uma mulher israelita. Depois Deus curou de lepra um comandante do exército da Síria – chamado Naamã. Portanto, Deus não é mais propriedade de nenhum povo.

Se antes as pessoas na sinagoga estavam admiradas com Jesus e elogiavam sua maneira de falar, agora, depois dessas palavras, as coisas mudaram radicalmente. Agora as pessoas estavam com raiva de Jesus. Tanta raiva que houve até uma tentativa de linchamento. Arrastaram Jesus para fora da cidade e queriam jogá-lo de um penhasco. Foi por milagre de Deus que Jesus escapou daquela situação e depois disso, Jesus foi embora dali.

O que aconteceu ali em Nazaré não foi um acontecimento isolado. Não foi uma coisa que aconteceu só no passado. Aceitar o Cristo que me agrada e rejeitar o Cristo que me questiona. Isso é comum também entre as pessoas nos dias de hoje.

Jesus adverte as pessoas de Nazaré que Deus não pode ser um deus sob medida, um deus de nossa propriedade. E essa mensagem é muito importante para a nossa realidade de hoje. Quando se fala de Deus cada um quer um deus a sua medida. Cada pessoa quer algo de Deus, mas poucas pessoas se perguntam o que Deus quer de nós?

E Deus quer de nós que sejamos pessoas ativas nesse mundo. Ele nos quer solidários lá onde alguém está sofrendo. Ele nos quer protestando lá onde decisões humanas provocam o sofrimento de outras pessoas, como no caso do drama e da tragédia da Vale em Brumadinho e em Mariana. Deus nos quer sonhando com um mundo melhor. Para isso ele precisa que cuidemos de sua Criação, do meio-ambiente, que nos mantenhamos vigilantes para que – ao nosso redor - haja justiça, tolerância, respeito.

Para isso, o sentido crítico é muito importante. Algumas vezes precisamos ouvir alguém nos dizer o que não está certo. Só assim nos damos conta do equívoco e temos a oportunidade de corrigir as coisas no mundo e também dentro de nós.

Mas em sua arrogância o ser humano diz: Eu não preciso que ninguém me diga o que eu tenho que fazer. A arrogância do ser humano rejeita a vontade de Deus de tal modo que esse Jesus que me questiona, esse Jesus não me interessa.

Foi esse sentimento que levou as pessoas a arrastarem Jesus até o penhasco. Essa arrogância do ser humano ainda hoje de apresenta de forma assassina. A maioria dos feminicídios acontece por conta desse sentimento de posse, de propriedade. Se a mulher não pode ser minha, então ela não vai ser de mais ninguém. As terras indígenas e quilombolas – são invadidas – e muitas pessoas concordam que essas terras não deveriam ser dos indígenas ou dos negros. E se alguém se coloca em defesa dos direitos das mulheres, dos LGBT, dos indígenas e dos negros das quilombolas, então os carrascos de plantão – com a sua falta de educação e de respeito começam os xingamentos - principalmente no Facebook.
 
Mas, prezada Comunidade, as grandes tragédias acontecem justamente quando dizemos que tudo está bem - e na realidade não está. A Samarco e a Vale dizem que tem laudos que afirmam que as barragens que estouraram estavam em perfeito estado. Para eles estava tudo bem. Ambientalistas denunciaram os problemas das barragens, mas nem a Samarco, nem a Vale levaram eles à sério.

Assim como a falta de abertura para o sentido crítico causaram essas catástrofes, assim também a força do pecado cresce aceleradamente dentro de nosso coração, quando não aceitamos que alguém nos chame a atenção em relação aos nossos equívocos. Para que a maldade não nos destrua é fundamental que exista a possibilidade do contraditório, do direito a expressar a opinião a partir de outro ponto de vista. Sem pensamento crítico, nós nos tornamos pessoas tolas e estúpidas.

Hans Christian Andersen foi um escritor e poeta dinamarquês e evangélico-luterano de histórias infantis. Entre suas histórias está o Patinho feio, a Pequena sereia, o Soldadinho de chumbo, etc... Suas histórias sempre queriam ensinar algo. Em uma delas ele se refere ao perigo que corre uma sociedade onde não se pode mais ter um sentido crítico.

Era uma vez um rei muito vaidoso e que gostava de andar muito bem arranjado. Um dia, um alfaiate espertalhão deu-lhe o seguinte conselho:
- Majestade, é do meu conhecimento que apreciais andar sempre muito bem vestido; e bem o mereceis! Descobri um tecido muito belo e de tal qualidade que os tolos não são capazes de vê-lo. Só as pessoas inteligentes conseguem enxergá-lo. Com um manto assim Vossa Majestade poderá distinguir as pessoas inteligentes das pessoas tolas e estúpidas - que estão ao vosso redor
- Oh! Mas é uma descoberta maravilhosa! - respondeu o rei. - Traga-me já esse tecido e faça-me uma roupa; quero ver as qualidades das pessoas que tenho ao meu serviço.
O alfaiate então tirou as medidas do rei e, daí a umas semanas, apresentou-se, dizendo:
- Aqui está o manto de Vossa Majestade.
O rei não via nada, mas como não queria passar por estúpido, respondeu:
- Oh! Como é belo!
Então o alfaiate fez de conta que estava vestindo o manto no rei, com todos os gestos necessários e exclamações elogiosas:
- Vossa Majestade está tão elegante! Todos vos invejarão!
A notícia correu toda a cidade: o rei tinha um manto que só os inteligentes eram capazes de ver. Um dia, o rei decidiu sair para se mostrar ao povo, desfilando pela cidade, com sua comitiva real acompanhando.
Toda a gente fingia admirar a vestimenta, porque ninguém queria passar por estúpido, até que, a certa altura, uma criança, em toda a sua inocência, gritou:
- Olha, olha! O rei está nu!
Ninguém conseguiu segurar o riso. Todos gargalharam e só então o rei compreendeu que a bajulação e a falta de uma palavra crítica o havia exposto ao ridículo.

Prezada Comunidade e estimados rádio-ouvintes:
No dia em que nós acharmos que Deus concorda com tudo o que a gente pensa e faz, no dia em que a gente se fechar e não aceitar mais ouvir uma crítica, nesse momento - podemos ter a certeza - o pecado tomou conta de nós. O pecado nos tornou arrogantes e pessoas arrogantes não tem lugar para Deus..

Procuremos evitar isso em nossas vidas.
Pergunte-se no início do dia:
O que Deus espera de mim hoje?
Avalie a sua conduta ao final do dia,
Tenha a capacidade e a humildade de reconhecer os próprios erros Aprenda a ver as críticas, os conflitos e os questionamentos como oportunidades de aprendizado.

Mesmo que pareça difícil, receba com gratidão a pessoa que Deus te enviou para te trazer uma palavra crítica, busque um Jesus que te questione, que abra teus horizontes – isso são coisas importantes para que nos tornemos pessoas mais parecidas com Jesus.
Amém.


Autor(a): Nilton Giese
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Belo Horizonte (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Comunicação / Nível: Comunicação - Programas de Rádio
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 21 / Versículo Final: 30
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 50882
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