Se alguma vez – Deus queira que não – você apanhar de assaltantes enquanto vai de Jerusalém a Jericó, é melhor que depois passe por ali um samaritano pouco religioso. Porque ser religioso ou ateu não deixa as pessoas melhores ou piores, mas parece condicionar a forma de entender a generosidade e o altruísmo com desconhecidos. E as pessoas menos religiosas têm uma tendência mais espontânea a ajudar o próximo.
É o que afirma uma pesquisa realizada por Jean Decety, neurocientista e psicólogo da Universidade de Chicago, com crianças entre 5 e 12 anos em países culturalmente muito diferentes (Canadá, EUA, Jordânia, Turquia, África do Sul e China) e publicada no mês de julho passado, concluiu que, as crianças criadas em ambientes religiosos são menos propensas a ser generosas. “É importante destacar que as crianças mais altruístas vêm de famílias ateias e não religiosas”, destaca o chefe do estudo, Jean Decety. “Espero que as pessoas comecem a entender que a religião não é uma garantia para a moralidade, e que religião e moralidade são duas coisas diferentes”, acrescenta ao ser questionado da importância desse estudo.
A pesquisa também perguntou aos pais se seus filhos eram mais ou menos generosos e, curiosamente, os pais e mães mais religiosos acreditam que estão criando uma prole mais solidária: os religiosos dão como certo que seus filhos são mais altruístas, mesmo que na hora da verdade compartilhem menos. Outra descoberta importante é que a religiosidade faz com que as crianças sejam mais severas na hora de condenar danos interpessoais, como, por exemplo, os empurrões. “Essa última descoberta encaixa bem com pesquisas anteriores com adultos: a educação religiosa está diretamente relacionada com o aumento da intolerância e das atitudes punitivas contra delitos interpessoais, incluindo a probabilidade de apoiar penas mais duras”. Em resumo, os menores criados em ambientes religiosos seriam menos generosos, mas mais propensos a castigar quem se comporta mal.
A explicação para essa situação é bastante diversa.
Alguns sociólogos dizem que a questão fundamental não é a religião, mas o fundamentalismo religioso. Educar as crianças a partir de posições condenatórias e intolerantes, usando textos bíblicos como justificativas, tem como efeito gerar a indiferença e a falta de compaixão com quem é diferente. “Para os menos religiosos, a força de sua conexão emocional com outra pessoa é fundamental para decidir se irão ajudá-la ou não. Os mais religiosos, pelo contrário, fundamentam menos sua generosidade nas emoções e mais em outros fatores, como o dogma, a identidade de grupo e a reputação”.
Outra explicação é que aqueles que já rezam pelos demais, e que além disso entregam 10% de seus ganhos para a igreja, pensam que já cubriram a quota de generosidade em sua comunidade religiosa, e por isso se eximem de precisar ser altruísta com desconhecidos. “É uma falha mental particularmente interessante: realizando algo bom, que ajuda a fortalecer nossa própria imagem positiva, se desinibe o comportamento egoísta e, portanto, somos mais propensos a tomar decisões imorais”, explica Decety, um dos maiores especialistas em empatia. Isso explicaria o fato de crianças criadas em lares religiosos, que se percebem como mais sensíveis e justas, serem - na verdade - as menos altruístas entre seus colegas de classe.
Na parábola de Jesus descrita por Lucas 10.25-37, o sacerdote e o levita não se aproximaram do necessitado. Foi o samaritano, considerado o menos religioso, quem parou para ajudá-lo. A parábola e a pesquisa nos querem chamar à reflexão sobre as consequências dos discursos intolerantes de pessoas cristãs e se estamos dando suficiente peso à compaixão e à solidariedade na educação de nossas crianças e jovens na família e na igreja.