Prédicas e Meditações



ID: 2931

NOSSA PÁTRIA - TRÊS PERIGOS E UMA CERTEZA

A perspectiva da Igreja Cristã brasileira em revisão

06/09/2020

20200906 - Rio
Salmo 33.8-19

Polarização política, escândalos de corrupção, acirramento do debate ideológico combinados à alta conectividade, páginas sociais e fakenews formando a opinião pública. Essa ladainha já conhecemos. Não, ainda não mude de canal. Nesta semana da pátria preciso começar assim a pregação para que entendamos onde estamos metidos, para percebermos o cenário de hiper-politização e inquietações populares que parecem exigir novos olhares ou abordagens mais participativas em contextos democráticos. Aqui entra a palavra da Igreja.
Ainda antes de olharmos mais a fundo o Salmo lido, permitam compartilhar um pensamento atribuído a Bento XVI. Diz: Em breve teremos padres [e pastores] reduzidos ao papel de assistentes sociais e a mensagem de fé reduzida a uma visão política. Tudo parecerá perdido, mas no momento certo, apenas na fase mais dramática da crise, a Igreja renascerá. Será menor, mais pobre, quase catacumbal, mas também mais santa. Porque não será mais a Igreja daqueles que procuram agradar o mundo, mas a Igreja dos fiéis a Deus e sua Lei Eterna. O renascimento será obra de um pequeno remanescente, aparentemente insignificante, mas indomável, passado por um processo de purificação. Porque é assim que Deus trabalha. Um pequeno rebanho resiste ao mal.

NOSSA PÁTRIA — TRÊS PERIGOS E UMA CERTEZA
— A perspectiva da Igreja Cristã brasileira em revisão

1. O perigo da imposição do cristianismo
Evidentemente o Salmo 33 não se reporta ao um contexto cristão. Por ser texto do AT, e direcionado ao povo da promessa, tecnicamente se limita à adoração do Criador e Mantenedor deste povo. Salmo didático que é, convida o povo a adorar a Deus, fato somente possível a partir da retidão pessoal, do temor a Deus e da reverência a Ele prestada, segundo o Salmo.

No meio cristão, no entanto, sempre de novo se ouve o que já se tornou um mantra: “feliz a nação cujo Deus é o Senhor”. Sim, este é um anseio justo, porém isso não acontece por decreto.

Quando o império romano estava completamente destinado ao fracasso, Constantino decretou que todos habitantes dos vastos territórios deveriam se declarar cristãos. Funcionou? Por um breve espaço de tempo sim, mas sempre sob o olhar justiceiro da pax romana, que de pacífica não tinha nada. Coagia ao cristianismo.

Cristãos sinceros e comprometidos concebem seres humanos como portadores de dignidade, mas acontece também, como seres moralmente corruptíveis, cristãos também concebem pessoas que multiplicam o pecado. Além disso é necessário perceber que pessoas cristãs tem um telos (propósito) escatológico. Esperam a “Nova Jerusalém que desce do céu”. Mas esta nova realidade concretizadora de justiça não é produzida por iniciativa humana, seja individualista ou coletivista.

Sendo assim, toda tentativa de impor uma sociedade teocrática deve ser resistida por cristãos por causa da doutrina da queda e seu horizonte escatológico. Governos não podem colocar a agenda da cristianização como pauta política, mesmo que isso soe bastante atrativo.

Deve ser observada a clara distinção entre a esfera da igreja e a esfera do poder governamental. Como herdeiros diretos da reforma de Martin Luther, deveríamos procurar nos aprofundar no tema dos dois reinos: a Igreja e o reino secular. Eles até se comunicam, mas cada um têm suas especificidades. E, ter consciência de tais limites é fundamental para que cristãos se mantenham atentos a qualquer tentação triunfalista ou de domínio da esfera política a partir da igreja.

2. O perigo da indiferença
Há denominações cristãs viceralmente comprometidas com a luta social e política, mas há aquelas que se afastam de qualquer discussão do assunto. Ou, dentro das fileiras de uma denominação, podemos ter grupos que se engajam e grupos que se afastam. Para estes últimos a renúncia aos deveres cívicos inspira-se em uma rejeição a qualquer poder temporal. Seguindo uma tendência assim comunidades cristãs praticamente deveriam voltar a viver em outro contexto histórico, porque é impossível se isentar — como sal e luz — de um mundo confuso e egoísta. Quem sabe algumas pessoas se sentiriam melhor morando em cima de um metro quadrado de mármore, sem se contaminar com o mundi. É cair na tentação de deixar de ser Igreja e passar a pertencer a uma ordem monástica em resposta à decadência moral e religiosa atual. Nos perguntamos: será que cristãos deveriam abrir mão de qualquer tentativa de transformação, engajamento ou lutas, e retirar-se em comunidades exclusivas para a preservação da sua ética e de seus valores?

Vamos insistir: que não falte a esperança cristã. Nos associar às pessoas indiferentes seria deixar de ser diferente. O Salmo, nos versículos 13 a 15, aponta para a interação de Deus com seu povo, com cada pessoa. “O Senhor olha dos céus e vê todos os filhos dos homens; do lugar de sua morada, observa todos os moradores da terra, ele, que forma o coração de todos eles, que contempla todas as suas obras.” Falta esperança cristã? Então a opção deve ser não se retirar da arena pública, mas encará-la com prudência. Anunciar Jesus Cristo é virada de atitude, não por triunfalismo, mas por comprometimento com a justiça e verdade. Só Jesus é justiça e verdade. Entregar a vida a Jesus é ser diferente e fazer a diferença.

3. O perigo da sociedade sem religião
De tanta bandalheira que se observa em várias denominações cristãs, a tendência de uma sociedade sem religião cresce. Todos sabemos que há um projeto antigo em execução: o de desfazer a religião e a cultura e tornar os povos sem uma base de sustentação ética e histórica. Reiteradamente esta ideia é associada a Gramsci (1891-1937), o apóstolo da emancipação das massas. Isto, sem falar do número de cristãos desigrejados que cresce esponencialmente.

Uma sociedade sem religião é a vitória do secularismo. Sabemos que a secularização da sociedade tem suas raízes no iluminismo. Eis aí um campo fértil para o embate de iluminatis e obscurantistas. O resultado da secularizaçào é a retração de quem tem fé; vida de fé se vive de forma particular e não interessa a outras pessoas, se diz.

Conceituando, um cristão secularizado é aquele que se nega – a partir da cosmovisão cristã ortodoxa – a se posicionar em questões da vida comum em sociedade.

Novamente temos duas vertentes na secularização do cristianismo: enquanto alguns afirmam que Cristo é contra a cultura, outros defendem a ideia de que Cristo é a cultura. Assim ambos ressignificam o Evangelho de Cristo o diluindo e o tornando ineficaz neste “mundo que jaz em trevas”. Enquanto alguns reduzem Cristo Jesus a um bem elaborado “plano de salvação pessoal” — o que Ele de fato é, mas não somente — outros fazem de Cristo uma “ideolatria”, um ídolo de suas posições ideológicas. Assim reduzem o cristianismo a um ativismo político. No secularismo que vivemos, a fé cristã (ou qualquer outra!) é resignificada à medida que cada pessoa faz o que quer da sua fé, e como quer. Por exemplo, Jesus Cristo gay, negro, da cabelo oxigenado, morto por um tiro na cruz, é uma resignificação do Salvador. Cristo deixa de ser Eterno, Salvador, Redentor, Senhor, tudo porque a cosmovisão secularizada não tem espaço para o milagre do transcendente.

4. A certeza
Primeiramente quero agradecer a você que acompanha esta pregação até este momento.

Diante do cenário confuso e contraditório, como podemos ter certezas? Onde devemos e onde não devemos colocar nossa mão? Os três cenários que descrevi até agora, existem e coexistem em nossa comunidade. Temos o grupo que parte do princípio de que a participação cristã se reduz ao voto, apenas legitimando a eleição daquele que providencialmente Deus quer instituir como autoridade sobre uma nação. Temos o grupo que entende que a vida de um País deve se basear na alternância de poder por causa da corrupção humana. E temos os ativistas, daqueles que agem na supervisão e no contínuo controle dos atores políticos, apresentando reivindicações e exigindo um determinado modo de atuação.

Juntando tudo sob a profissão da fé bíblica, fundamentada no senhorio e salvação de Jesus Cristo na cruz, declaro a vocês a convição e a certeza pessoal de que em Cristo, sob Cristo e com Cristo a certeza deve ser proclamada: Jesus nos dá vida nova e ela interage de forma intensa e decisiva com este mundo em que vivemos.

Como ouvimos na leitura do Salmo 33, “…os olhos do Senhor estão sobre os que o temem, sobre os que esperam na sua misericórdia”. A ação de Deus, através de Jesus Cristo é a de “… livrar a alma deles da morte, e, no tempo da fome, conservar-lhes a vida”.

Concluindo
Querida comunidade, esta é a nossa certeza: somos chamados para dar fruto — “…deem fruto” (João 15.16) — e o apóstolo Paulo concretiza também isso de outro ponto de vista: “…não ofereçam os membros do corpo ao pecado, como instrumentos de injustiça, mas, como pessoas que passaram da morte para a vida, ofereçam a si mesmos a Deus e ofereçam os seus membros a Deus, como instrumentos de justiça.” (Romanos 6.13)

Esta mensagem é dirigida à comunidade cristã, ao Corpo de Cristo. Não é dirigida a pessoas ausentes que se fazem passar por porta-vozes das comunidades sem ter vivência comunitária plena nelas. Com isso fica registrado nosso repúdio a pessoas que assinam cartas de posicionamentos políticos usando o nome da IECLB onde muitos, nem sequer, estão na plena comunhão de suas comunidades.

Ter vida comunitária cristã ativa — como filhas e filhos de Deus com sua vida entregue e dedicada a Jesus Cristo — evita correr aqueles perigos que inicialmente citei; perigos que segregam ou induzem culturalmente a erros. Quem se mantêm enraizado a uma comunidade interpretativa e formativa como a a Igreja Cristã, onde são formados e re-encantados com a história da criação-queda-redenção, estes têm um circulo onde as narrativas e as resignificações tem um parâmetro: a vida conforme a liberdade que a Palavra de Deus nos dá. Como resultado desta comunhão e mútua-aprendizagem somos todos enviados em missão ao mundo, onde cumprimos nossos diversos papéis sociais (pai, mãe, profissional, cidadão etc) marcados por uma profunda identidade cristã, conscientes de seu sacerdócio de todas as pessoas batizadas e conforme o mandamento de sermos imagem de Deus em nossa querida pátria brasileira. Esta será sua liberdade e independência.

Que Deus nos abençoe em nossa missão cristã de brasileiras e brasileiros.

Amém.


Autor(a): Pr. Rolf Rieck
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Martin Luther (Centro-RJ)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 33 / Versículo Inicial: 8 / Versículo Final: 19
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 58776

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