Prédicas e Meditações



ID: 2931

Escutar é uma forma de amar

Prédica

04/11/2018

Marcos 12.28-34

Os textos bíblicos desse domingo nos lembram que para fazer a vontade de Deus é necessário um investimento consciente e voluntário no amor. Amar a Deus de todo coração, de toda a alma e de todas as forças. Assim diz o Antigo testamento. Mas Jesus enfatiza que o amor a Deus deve deixar sinais concretos em nós e em nossos lugares de vida. Nenhuma promessa de Deus se cumprirá em nossa vida se nos descuidarmos do amor a Deus e do amor ao próximo.

Jesus estava numa discussão com os membros de um partido chamado saduceus. Esses saduceus eram religiosos judeus, mas não acreditavam na ressurreição. Para alguns saduceus, a vida termina com a morte. Com o objetivo de colocar Jesus numa situação constrangedora eles criam a seguinte história. Uma mulher ficou viúva sete vezes. No dia da ressurreição, quem vai ser o marido dela?

Jesus responde dizendo que a ressurreição não será uma continuidade dessa nossa vida. Tudo vai ser diferente. Até mesmo o nosso corpo vai ser diferente, dia o apóstolo Paulo em 1Cor 15. Por isso, não devemos pensar que a ressurreição será uma continuidade dessa vida. A ressurreição será uma nova vida junto a Deus. Um escriba – um professor da Lei, ouviu essa boa resposta de Jesus e queria continuar essa conversa. O escriba pergunta para Jesus: Qual é o mais importante de todos os mandamentos da Lei? Ou em outras palavras: O que deve estar em primeiro lugar em nossa vida?

Jesus responde: Escute, Israel (Shema, Israel) O Senhor nosso Deus é o único Deus. Ame o Senhor seu Deus, com todo o seu coração, com toda a sua alma , com toda a tua mente e com todas as suas forças(v.29-30). Essa expressão é uma confissão de fé diária para qualquer israelita. Antes de começar suas atividades do dia, o israelita deve repetir de forma reverente que o amor a Deus era o mais importante e não poderia ser descuidado. Todos os dias o israelita deveria lembrar que não haverá promessa de Deus cumprida na terra se a vida não for um exercício consciente e livre de amor a Deus. Jesus destaca um segundo mandamento: Esse amor a Deus deve ser visível no amor ao próximo como a si mesmo.

Na conversa entre Jesus e o escriba (Mt 12.28-34) se conclui que o amor a Deus e o amor ao próximo são mais importantes que sacrifícios e rituais. O amor a Deus e o amor ao próximo nos aproximam do Reino de Deus. O contrário também é verdadeiro: o ódio nos afasta das pessoas e nos afasta também do Reino de Deus. Portanto, se queremos nos aproximar mais de Deus – devemos amar.

Mas o que significa amar?

Jesus fala de um AMAR QUE DÁ TRABALHO. Amar significa construir vínculos e relações. Isso demanda tempo. O problema é que a grande maioria de nós não tem mais nenhum tempo livre. Ficar sem fazer nada é cada vez mais raro. Os meios de comunicação não nos deixam nenhum tempo livre.
No entanto, para cumprir esse mandamento do amor – é preciso que eu tenha tempo. E só tem um jeito de eu arrumar tempo. Para ter tempo eu preciso escolher fazer uma coisa e deixar de fazer outra. Por exemplo: nós que estamos aqui na igreja hoje escolhemos vir ao culto. Para isso, certamente escolhemos deixar de fazer uma outra coisa. Quem não veio ao culto escolheu fazer uma outra coisa nessa hora.

Mas não basta estar fisicamente num lugar e com a cabeça pensando em outro lugar. Isso não é amar a Deus. O amor do qual fala Jesus pede que eu coloque a Deus e o outro no centro. Não basta estar no culto, ou estar ao lado de alguém e estar indiferente.

Certa vez o pastor e professor Rubem Alves escreveu que um dos principais sinais do amor é a nossa disposição de escutar os outros. No texto do Evangelho de hoje aparece duas vezes o verbo escutar: primeiro o escriba ouviu (v.28) a discussão de Jesus com os saduceus e depois Jesus diz: Escute, Israel (v.29).

Portanto, amar significa ter disposição para escutar. Dizia o pastor e professor Rubem Alves que o que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você eu faria assim ou assado”. Ele diz: A gente ama não é a pessoa que fala bonito. A gente gosta da pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela vem depois de uma longa e silenciosa escuta. Nos relacionamentos matrimoniais é na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que o amor termina.

Certa vez ele viu uma família. Todos reunidos alegremente no restaurante: pai, mãe, filhos, falatório alegre. Na cabeceira, a avó, com sua cabeça branca. Silenciosa. Como se não existisse. Não é por não ter o que dizer que ela não falava. Ela não falava por não ter quem quisesse ouvi-la. O silêncio dos velhos é porque não há quem lhes queira ouvir. Ele terminou dizendo que no tempo de Sigmund Freud as pessoas procuravam os terapeutas para se curarem da dor das repressões sexuais. Hoje as pessoas procuram os terapeutas por causa da dor de não haver quem as escute. Não pedem para ser curadas de alguma doença. Pedem para ser escutadas. Querem a cura para a dor da solidão -  Rubem Alves, em “Se Eu Fosse Você” (do livro “O Amor Que Ascende a Lua”).

Portanto, uma das principais tarefas do amor do qual fala Jesus é ter disposição para escutar a Deus e ao outro.
Mas será que sabemos escutar?

Tem gente que escuta o outro a partir dos seus interesses. Isso é muito comum nesses tempos de individualização, de indiferença e de ódio que estamos vivendo. Se nos atrevemos a escrever alguma coisa no Whatsapp ou nas redes sociais, logo tem um tanto de gente pronta para atacar. Se numa conversa presencial o outro fala uma coisa que a pessoa não concorda, essa pessoa logo diz: mas você não pode pensar assim!

O verdadeiro escutar o outro não é rebater e criticar o outro, mas é tentar entender o ponto de vista do outro. É abrir-se para aquilo que eu ainda não sei. A verdade nunca é absoluta. Numa conversa entre duas pessoas, com pontos de vista diferentes, muitas vezes os dois podem estar equivocados, ou podem os dois ter algo de razão. Mas dificilmente uma só pessoa está totalmente certa e a outra totalmente equivocada. Portanto, para escutar o outro eu preciso renunciar a posição de poder – que me faz pensar que só eu estou certo e a outra pessoa está equivocada.

As pessoas que não sabem escutar o outro, que não conseguem se colocar no lugar do outro são pessoas muito difíceis de conviver. A psicologia diz que o EGO delas vai se inflando cada vez mais. E ao mesmo tempo, elas se tornam indiferentes a tudo que acontece nos outros ou no mundo. Tornam-se pessoas amargas, insensíveis e moralistas, que só conseguem criticar e condenar tudo e todos. Isso leva essas pessoas a se tornarem cada vez mais solitárias. O excesso de solidão é uma das portas que nos leva a depressão e ao sentimento de menos valia da própria vida. Desta maneira, as pessoas com o EGO inflado se tornam vítimas de sua própria crueldade. As suas atitudes de vilão as transformam em suas próprias vítimas.

A psicologia diz que o principal tratamento para a depressão é abrir-se para o outro. Não basta só tomar remédio. Auto-ajuda também não resolve. A verdadeira ajuda está em conseguir fazer coisas boas para outras pessoas ou para a Natureza. O tratamento da depressão é mais eficaz quando a pessoa diminui o seu EGO e começa a dar importância e valor para o que está fora de si. E uma das coisas importantes é saber escutar o outro. Quem sabe escutar o outro, quem consegue se colocar no lugar do outro, essa pessoa vai criando uma imunidade contra a depressão.

Portanto, a ciência vai confirmando o que Jesus nos ensinou com o mandamento do amor a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo. Amor prá valer tem de ser com profundidade. Não basta um amor que somente se expressa nos rituais da igreja. Não basta um amor que somente é confessado com palavras. Não basta um amor comprado com presentes e sacrifícios. O amor que Jesus se refere é o amor de Deus que vem até nós e que ao passar por nós se torna visível para os outros através de atitudes e gestos de amor. E uma das principais carências afetivas desses nossos dias é aprender a escutar uns aos outros. Escutar não significa concordar com a outra pessoa. Depois de uma atenciosa escuta, certamente também terei o direito de falar. Mas jamais devo ofender ou tratar a outra pessoa com desrespeito e agressividade.

Por isso, expor-se à diversidade, conviver com pessoas diferentes, ouvir opiniões diferentes, quando conversamos com outras pessoas não tratar logo de julgar ou de condenar as palavras dos outros, mas tentar compreender o ponto de vista do outro – essas são atitudes concretas, esse é o caminho correto para quem quer viver esse mandamento do amor a Deus e ao próximo em sua própria vida. Esse amor é capaz de reconstruir vínculos, é capaz de reconstruir relações fraternais, familiares e amorosas. Mas isso exige tempo, disposição para escutar de verdade. Levemos conosco essas palavras como lição aprendida: É na escuta que o amor começa/recomeça. E é na não-escuta que ele termina.  Amém.
 


Autor(a): Nilton Giese
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Belo Horizonte (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Comunicação / Nível: Comunicação - Programas de Rádio
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 12 / Versículo Inicial: 28 / Versículo Final: 34
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 49743
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