Prédicas e Meditações



ID: 2931

Domingo do Firmamento | Salmo 19.1-6

21º Domingo após Pentecostes | Série: Primavera: Estação da Criação | Episódio 3

17/10/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

a própria Criação aponta para o seu Criador. Quando vemos a beleza de uma flor ou a majestade dos céus, contemplamos – mesmo que de maneira mascarada – a própria presença do Deus Criador entre o seu povo.

Hoje é o Domingo do Firmamento. Mas, o que é o firmamento? Esta é outra palavra para falar dos céus. Os autores do Antigo Testamento ainda não tinham a compreensão de que a terra é uma esfera. Na ciência da sua época, a terra era vista como plana. Tudo acontecia em cima de um disco plano que era sustentado por rochas espessas. Quando se olhava para o mar, acreditava-se que no seu fim ele subia e formava o céu azul que está sobre as nossas cabeças. Era a “lógica” daquele tempo, afinal de contas, o céu parecia ser a continuação do mar. Além disso, o que geralmente cai do céu? Água, o que fundamentava ainda mais essa visão. Claro, hoje sabemos que na verdade o céu é azul por causa dos gases da atmosfera. Entretanto, o firmamento não deixa de ser os céus.

Os céus sempre instigaram as mentes curiosas em toda a história da humanidade. O ser humano nunca ficou fascinado apenas com o que vê na terra, mas também foi e é curioso quanto ao que há nos céus e para além dos céus. Desde muito cedo o ser humano percebeu o movimento dos corpos celestes e as coincidências quanto às estações: quando o sol começava a mudar o lado em que passava, sabia-se que viria o inverno ou o verão; da mesma forma acontecia com as fases da lua que organizavam o plantio. Quando a lua estava cheia, era o tempo da semeadura. O céu também manifestava – e ainda manifesta – se vai chover ou dar sol. Lembro ainda hoje do meu avô materno falando que quando a tarde termina com o céu avermelhado, isso significa que no outro dia vai dar sol; porém, se o dia amanhecesse com o céu avermelhado, então o próximo dia seria de chuva. Quase sempre fechava! É a esplêndida e maravilhosa Criação de Deus.

O céu não é notado apenas pelos seres humanos; os outros seres da criação também o percebem e adaptam suas vidas ao que está acontecendo. Se um João de Barro construir a porta da sua casa para o lado norte, pode ter certeza – sem erro – de que a chuva virá do lado sul. Da mesma forma a saracura. Quando a saracura canta há horas, pode tirar as roupas do varal porque vai chover.

Fato é que nos céus e na terra nós vemos a beleza das coisas criadas, mas, que infelizmente, tem sido destruídas por causa dos nossos pecados contra a boa criação de Deus. O salmista está mais que certo ao declarar que os céus proclamam a glória de Deus e que o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Porém, como vamos contemplar a glória de Deus na criação se os céus estão cada vez mais poluídos e sujos de fumaça? Se a chuva que cai se torna ácida? Se as tempestades nos assustam por sua destruição? A grande verdade é que a glória humana – através da cobiça – está destruindo a contemplação da glória de Deus na criação. Explora-se para alcançar glória e prestígio, ocultando-se a glória de Deus para que o ser humano se glorie naquilo que nem é sua propriedade!

O nosso Brasil é reconhecidamente como um dos países com maiores extensões e diversidades de riquezas ambientais. Não são poucos os tesouros ambientais que estão nos nossos solos e nos céus. Porém, também no Brasil vemos há décadas um descaso para com a criação de Deus quando o assunto são as políticas públicas voltadas à preservação. Isso possui consequências sérias para o presente e para o futuro!

Atualmente, estamos enfrentando uma das piores crises hídricas da história. Sim, está faltando água. O que antes era uma realidade conhecida apenas na região Nordeste agora se estende para a região Sudeste e Centro-Oeste, onde estão os rios que abastecem as principais usinas hidroelétricas do nosso país. São lugares em que os céus estão se negando a derramar suas gotas de água. Porém, quando falamos de meio-ambiente, não estamos lidando apenas com problemas locais, mas sistêmicos. Algo que é feito em um lugar no planeta pode produzir consequências em outros. É o caso do Brasil. O contínuo desmatamento da floresta amazônica está diminuindo o volume de chuva nas regiões Sudeste e Centro-Oeste e aumentando o volume de chuvas na região Sul. Por aqui, enchentes tendem a se tornarem cada vez mais corriqueiras em função de aguaceiros que despejam grandes volumes de água em pouco tempo.

A floresta Amazônica é responsável por influenciar o clima local, da América Latina e de todo o planeta. No Brasil, nós temos um fenômeno muito interessante que são os chamados “Rios Voadores”. Primeiramente, o calor presente na linha do equador evapora a água do mar na região Nordeste. Em seguida, estas nuvens avançam e trocam umidade com a floresta amazônica; após isso, boa parte destas nuvens chegam às Cordilheiras dos Andes onde parte delas congelam (e quando derretem dão início a inúmeros afluentes do Rio Amazonas); a outra parte – que não congelou – formam os rios voadores que são correntes de ar que transportam imenso volume de umidade de água da Amazônia até outras regiões do Brasil: Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Os rios voadores são massas de vapor d’água que circulam invisíveis sobre as nossas cabeças, empurradas pelos ventos. A umidade contida nesses rios precipita na forma de chuva ao encontrar condições meteorológicas propícias. A quantidade de vapor d’água evaporada pela floresta é maior que a vazão do Rio Amazonas (200.000 m³/s)1. Sim! Um rio maior que o próprio Rio Amazonas passa sobre as nossas cabeças. Os Rios Voadores possuem cerca de três quilômetros de altura e milhares de quilômetros de extensão.

Além disso, estudos do INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – indicam que uma única árvore de 10 metros de diâmetro bombeia para a atmosfera mais de 300 litros de vapor d’água em um único dia2. Estima-se que haja 600 bilhões de árvores na Amazônia. Assim, podemos imaginar o quanto que a floresta bombeia de água a cada 24 horas. Ao passar sobre São Paulo, eles contêm 27 vezes o volume do rio Tietê, o equivalente a 115 dias da média de consumo de água da cidade. O Brasil é um país campeão de chuvas. Além disso, nossa economia é sustentada pelo agronegócio. Ao agredirmos a Amazônia, estamos matando o futuro econômico do país, pois são os rios voadores que irrigam as lavouras, enchem os rios, represas de energia hidroelétrica, sustentando a economia brasileira.

Porém, com a exploração não-sustentável dos recursos ambientais através do desmatamento para pecuária, agricultura, garimpo ilegal, e queimadas, estamos causando um grande desequilíbrio no processo de formação dos rios voadores. Quando falamos de meio ambiente, nada está isolado: uma ação está conectada a diversas reações. Se perdermos a Amazônia, o centro-sul do planeta se torna um deserto! Pesquisas do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – apontam que a Amazônia perdeu uma área de 762 mil km² - equivalente a 17 estados do Rio de Janeiro. Estima-se que 42 bilhões de árvores foram cortadas. No decorrer dos anos, temos visto acontecerem mais queimadas na região Centro-Oeste, mais enchentes na Região Sul e maior seca na região Sudeste. Onde vamos parar?

Talvez, diante de tantas informações, nos perguntemos: mas, o que podemos fazer? Nós estamos na região Sul. O que aqui podemos fazer para mudar esse quadro? Aqui vão algumas dicas:

1. Utilizar o conhecimento para combater a ignorância: Perdemos mil árvores por minuto nos últimos 40 anos na Amazônia;

2. Aumentar a consciência da sociedade humana e das elites governantes;

3. Desmatamento zero;

4. Eliminar o fogo, pois ele é o grande agravante das mudanças climáticas;

5. Apoiar movimentos a favor da Amazônia, participando como voluntário, doando recursos, assinando petições, participando de manifestações e dando voz aos movimentos;

6. Incentivar contribuições para a conservação, restauração e fortalecimento dos povos da Amazônia;

7. Boicotar a compra de produtos de empresas que agridem ao meio-ambiente;

8. Consumo consciente: a pecuária é o que mais provoca o desmatamento da Amazônia. Portanto, é preciso reduzir o consumo de carne;

9. Evitar a politização e a ideologização da crise do desmatamento e incêndios da Amazônia.

O que precisamos entender é como tudo está interligado. Não falamos do Domingo da Terra, da Humanidade e do Firmamento como se fossem realidades separadas. Na verdade, são partes que estão em relação com as outras partes. Por isso, aquilo que fazemos na terra possui consequências para os céus e – consequentemente – para a humanidade. Com consciência, preservamos os céus que proclamam a glória de Deus, o firmamento que anuncia as obras das suas mãos.

No dia 04 de Outubro, Luteranos se juntaram a líderes religiosos mundiais no Vaticano para assinarem um apelo aos governantes antes da Cúpula do Clima COP26 que irá acontecer em Glasgow na Escócia. Uma das frases mais marcantes do encontro foi: “Nós herdamos um jardim: não devemos deixar um deserto para nossos filhos”3. É uma frase profunda e impactante! Recebemos de Deus um jardim lindo, belo e perfeito. Porém, com os nosso pecados contra a criação de Deus, estamos aceitando que as futuras gerações vivam em um deserto e lutem entre si pela sobrevivência. Se não mudarmos o hoje, o amanhã será trágico.

Além disso, preservar a criação faz parte da boa prática luterana. A Martinho Lutero é atribuída a famosa frase: “Se eu soubesse que o mundo acabaria amanhã, ainda hoje pagaria as minhas dívidas e plantaria uma árvore.” Mesmo que não conheçamos o que virá amanhã, isso não é desculpa para deixarmos de mudar nossos hábitos no dia de hoje. Se hoje ainda podemos fazer algo, então façamos! Não fiquemos de braços cruzados.

Amados irmãs, amados irmãos,

hoje é o Domingo do Firmamento. Que toda vez que olharmos para os céus, possamos contemplar a glória de Deus e sejamos tornados conscientes da nossa tarefa de cuidar da criação. No nosso próprio lar podemos fazer diferença ensinando a preservação e o cuidado aos filhos e netos. A educação ambiental não deve ser uma pauta apenas das escolas, mas também dos lares.

Que através das pequenas ações de cada um/a de nós, os rios voadores possam continuar seu curso natural irrigando a produção de alimentos para que o Brasil seja grande não apenas em cofres cheios de dinheiro, mas também continuando a ser conhecido por suas riquezas ambientais. Afinal de contas, “nossos bosques têm mais vida, nossa vida, no teu seio, mais amores”. Vamos dar o exemplo! Vamos fazer a diferença!

E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus, amém.


21º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERDE | TEMPO COMUM | ANO B

Série de Pregações: Primavera: A Estação da Criação | Episódio 3

17 de Outubro de 2021


P. William Felipe Zacarias


1 Cf. AUMOND, Juarês José. “Amazônia e os Rios Voadores”. 8º Seminário do Galo verde. 08. set. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ByJpsEQpAR0>. Acesso em: 16. out. 2021. Além dessa, todas as informações na pregação sobre os Rios Voadores foram retiradas desta mesma fonte.

2 Cf. INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Disponível em: <https://riosvoadores.com.br/o-projeto/fenomeno-dos-rios-voadores/>. Acesso em: 16. out. 2021.

3 Notícia disponível em: <https://luteranos.com.br/noticias/apelo-de-lideres-religiosos-salvemos-nossa-casa-comum>. Acesso em: 16. out. 2021.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Sustentabilidade / Nível: Sustentabilidade - Justiça socioambiental
Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 19 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 6
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 64808
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