Prédicas e Meditações



ID: 2931

A tensão está no ar.

Reflexão sobre Romanos 5.1-11

15/03/2020

Leia Romanos 5.1-11

A tensão está no ar

É sabido que no Brasil as autoridades policiais e jurídicas sempre precisam estar atentas para algum golpe de corrupção nas várias esferas do governo, do qual também elas fazem parte. Não é de hoje que está acontecendo uma devassa nas contas públicas de alguns setores por conta da denúncia de desvio de verbas. Em um determinado Estado o denunciante é o vice-governador que gravou conversas de integrante do alto escalão do seu Estado. E, fato vai, papo vem, boato cai, a confusão e a intriga está armada. Pois então alguém teria ouvido o seguinte diálogo: “Ciclano, seu eu fosse a sua esposa, colocaria veneno no seu café”. “Então, senhora governadora, seu eu fosse seu marido, beberia”.

Se é verdade, não sei. Mas li! Intrigas podem começar pequenas, meio inocentes, mas podem ter conseqüências devastadoras.

Há uma tensão no ar. Novo Coronavírus. Covid-19. Pandemia anunciada. É de um poder de contágio inimaginável. Mas não apenas esta a nossa preocupação de contágio. Esta outra começou com tanta rapidez que toda a humanidade foi atingida de forma fulminante e as pessoas não têm coragem de admitir que foram contaminadas: é o contágio do pecado. Este contágio começou unilateralmente: o ser humano quis ser Deus. Quis usurpar o poder que não lhe pertencia e nem nunca lhe pertencerá. A primeira consequência que esta intriga trouxe foi falta de paz. Não havia (e continua não havendo!) clima de confiança. Não há mais como olhar nos olhos. Não há mais como expressar opiniões. Não há mais ouvidos para ouvir o que a outra pessoa tem a dizer. A intriga do pecado continua sendo devastadora em toda a humanidade. Eu disse, toda!

Na profunda e importantíssima carta que o apóstolo Paulo escreveu à igreja em Roma – carta aos Romanos – há uma surpreendente notícia de que esta intriga venenosa o mortal, este contágio viral que coloca pessoas em quarentena do isolamento, tem um fim. A carta aos Romanos é, assim, o mais puro Evangelho, a mais genuína boa notícia.

São temas desta carta: “o pecado e a perdição do homem, a morte de Cristo para salvá-lo, a fé em Cristo como único requisito para ser aceito por Deus, a obra do Espírito Santo para o crescimento em santidade.” Numa linguagem de tribunal, com acusações e defesas, o apóstolo faz o desenho do caminho que leva à restauração da dignidade de cada pessoa que se arrepende. Sobre estas pessoas que aceitam a novidade estende-se o manto da justiça de Deus, manto do perdão e da reconciliação, manto este estendido a partir da cruz de Cristo.

Deus declara sua amizade a nós. A partir da cruz nos dá a notícia libertadora e transformadora: Seu perdão. Esta notícia nos traz consequências marcantes: paz, graça e glória.

A paz somente pode ser vivida dentro de um espírito de confiança e entendimento. As grandes e pequenas corporações, de dependem do bom entendimento na equipe de trabalho sabem que o elemento mais valioso para o bom trabalho conjunto é a confiança mútua. Confiança e entendimento somente são possíveis a partir da compreensão do que é a justiça de Deus. O capítulo 3.23 desta carta nos alertam que todas as pessoas pecaram e são pecadoras. Portanto vivemos uma situação de dívida para com a justiça de Deus. Isto tira a paz! Somente Deus, com Sua justiça perfeita, pode devolver a paz. E, dito uma vez mais, esta justiça é um manto que desce da cruz de Cristo sobre a humanidade. Onde a intriga é coberta pela justiça, novamente há espaço para que a paz reine. Veja o Salmo 85.10: “...a justiça e a paz se beijaram”.

A graça é o meio através do qual a paz de Deus se instala novamente neste mundo. Da cruz desce o manto do perdão necessário a toda a humanidade, a você e a mim. Desce gratuitamente, é obra da graça irrefutável de Deus, alcançando incondicionalmente Seu braço restaurador e conciliador. “Encontraram-se a graça e a verdade...” nos ensina o mesmo Salmo 85.10. A Verdade é Jesus! A Graça é Jesus! Não há outra “verdade”, porque ela sempre será somente uma verdade: Jesus Cristo que reconcilia a partir da Cruz.

A glória revela a esperança eterna que as pessoas crentes vivem. “...gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; 4 e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança...” Esta, porém, não é uma esperança futurista que pode até não ser alcançada. A partir da graça de Jesus e da verdade por Ele proclamada, podemos já aqui viver nesta glória. Ou, podemos viver eternamente na gloriosa intriga que os jogos de poder, traição, mentiras e ganância nos proporcionam.

Para não esquecermos, o versículo 8 nos consola: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores”. Consola e convida para uma nova vida. Assim também nos convida o lema da semana: “Vistam-se de justiça os teus sacerdotes, e exultem os teus fiéis”. (Salmo 132.9)

Ou alguém prefere continuar bebendo o café envenenado?

Caso exista a pessoa que prefere o veneno, o texto reitera: “quando éramos inimigos de Deus fomos reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho, quanto mais agora, tendo sido reconciliados, seremos salvos por sua vida!” (v.10)

Martin Luther afirmou: “Deus é meu acusador e meu coração, meu defensor”. Nosso coração normalmente tem dificuldades com o perdão e a reconciliação. Por isso ele procura por caminhos nada ortodoxos para colocar panos quentes sobre as tensões. Ele nos engana – “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?”(Jr 17.9) – e, com isso, nos sentimos defendidos em nossos sentimentos de orgulho. Porque, de forma enganosa, nos traz conforto diante das pessoas, às quais ofendemos.

Quando a exigência de Deus me alcança, quando Suas ordenanças me desafiam, quando suas medidas justas me colocam no devido lugar, quando Seus mandamentos me enquadram, meu coração – enganoso – vai se opor à justiça de Deus e continuaremos inimigos uns dos outros. Sempre vamos colocar a culpa nas costas da outra pessoa e dificilmente teremos disposição de fazer uma análise de si mesmo. Meu coração irá culpar a outra pessoa. “As circunstâncias me fizeram assim.” “As pressões de fora e de dentro fazem de mim esta pessoa.”

As grandes e mais devastadoras doenças na humanidade começaram em pequenas partículas de enzimas e gorduras, os vírus. Da mesma forma não são apenas – ou principalmente – os grandes pecados que devastam a vida da humanidade. Mas são os que estão aqui, também entre nós, que causam estrago inimaginável.

As pequenas desavenças. Os pequenos gestos ofensivos. As poucas letras que destroem a confiança. A inveja disfarçada. O ciúme venenoso. A ganância escondida. O desprezo manifestado. A amargura que contagia. Os pensamentos maldosos. São todos pequeninos e minúsculos inimigos que querem se entranhar – ou já se embrenharam e enraizaram? – na vida das pessoas trazendo grande prejuízo.

Mas a boa notícia é: “...por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, (...) recebemos agora a reconciliação.” (v.11) Reconciliação com Deus não é algo a ser vivido de forma particular. Ela abrange o mundo todo (Rm 11.15), restabelecendo a vida dentre os mortos. Portanto, temos uma tarefa muito clara como pessoas batizadas que devem assumir a tarefa de trazer frutos: viver e proporcionar vida transformada a este mundo infestado pelo pecado. Em Cristo temos este dever e esta autoridade.

Denunciemos o que é injusto. Anunciemos o perdão e a reconciliação em Cristo Jesus. Sejamos solidários. Sejamos pacificadores.
Amém.

 

Com isto não estamos relativizando a importância e a urgência de tudo relacionado à doença desencadeada pelo Novo Corona vírus. 

Vivemos um tempo em que são necessários cuidaos especiais sem perder a solidariedade.

Pânico não ajuda. O medo afasta a solidariedade.

Por isso encarregamos também você a:

— lavar as mãos com ainda mais frequência
— ser solidário sem perder o cuidado pessoal
— amar na forma cristã carregando os fardos uns dos outros.

Como cristãos evangélicos luteranos, recordamos as palavras do Reformador:

“Em primeiro lugar pedirei a Deus que misericordiosamente nos proteja.

Então eu desinfetarei, farei alguma coisa para ajudar na purificação do ar, tomarei remédio. Eu evitarei lugares e situações onde minha presença não seja necessária para não correr o risco de me contaminar e, assim, por acaso, acabar contaminando outros e lhes causando a morte como resultado da minha negligência.

Se meu próximo precisar de mim, entretanto, eu não evitarei lugares nem ninguém, mas livremente irei ao encontro para prestar assistência”.*


Amarás o teu próximo como a ti mesmo — palavras de Jesus em Mateus 22.39 

 * Conforme citação do Pr. Tardelli Voss - IELB


Autor(a): Pr. Rolf Rieck
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Martin Luther (Centro-RJ)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Romanos / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 11
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 55425

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