Prédicas e Meditações



ID: 2931

A lógica de Deus e a pedagogia de Jesus

Mateus 5.17-37: Assim foi dito aos antigos; eu, porém, vos digo.

16/02/2020


Prezada Comunidade, estimados rádio ouvintes:

Uma das perguntas constantes dos teólogos, dos estudiosos da Biblia, é entender como Deus age junto à humanidade. É compreender a lógica de Deus; entender como Deus salva o ser humano do pecado.

Conforme o Antigo Testamento a lógica de Deus consiste no seguinte: a pessoa estuda e obedece a Lei de Deus e será abençoada. Ou então – se a pessoa não cumprir a Lei de Deus – então ela será castigada e amaldiçoada.

O livro de Deuteronômio 30.15-20 fala da liberdade do ser humano para escolher o bem ou o mal, a vida ou a morte. Deus não nos obriga a nada, Deus nos fez pessoas livres. O filósofo francês chamado Jean-Paul Satre (1905-1980) dizia que a liberdade é uma coisa maravilhosa, mas ela também implica em responsabilidade. Portanto, como pessoas livres não podemos abdicar de nossa responsabilidade. Não podemos mais dizer que as coisas ruins no mundo acontecem porque Deus quis assim. O livro de Deuteronômio diz que as coisas boas ou ruins que acontecem são consequência de nossas escolhas. São responsabilidade nossa. Não é porque Deus quis assim, mas porque nós escolhemos mal e agora sofremos as consequências de nossas escolhas.

Portanto, se em nossa vida dominam a morte e o mal e por isso nossa vida parece ser sem sentido e cheia de desespero, o texto bíblico de Deuteronômio nos diz: Isso é fruto de nossas escolhas. Mas agora vem a boa noticia: Podemos fazer de nossa vida uma outra coisa. Temos a liberdade de escolher viver uma vida diferente. Temos a capacidade de querer mudar as coisas para melhor. Se escolhemos o mal e a morte, podemos agora escolher a vida e o bem. Essa é a mensagem do texto de Deuteronômio.

No Novo Testamento, o sermão da Montanha (Mateus 5-7) começa com as Bem-aventuranças e continua com a exposição das exigências da Lei de Moisés (Torá). O evangelista Mateus está escrevendo para uma comunidade de judeus convertidos. Os judeus foram educados a obedecer a Lei de Moisés. Praticar a religião judaica significava conhecer a Lei de Moisés, estudar os mandamentos de Deus e cumprir essa lei na vida de cada um. Jesus não rejeita essa forma de religião, mas ele enfatiza que cumprir a Lei de Moisés, os mandamentos de Deus não é uma questão de cumprir leis religiosas. Por isso, não basta apenas ir ao templo, não basta apenas cumprir as proibições da lei. É preciso mais do que isso. Jesus diz que a vontade de Deus deve morar dentro do nosso coração.

Lamentavelmente na história da igreja cristã nós fomos ensinados a aceitar as coisas ruins que acontecem como vontade de Deus. E que uma pessoa cristã deve aprender a aceitar e a sofrer – como se essa fosse a vontade de Deus. Quem nos ensinou a aceitar e a sofrer não foi Jesus, foi Platão, um filósofo grego que viveu uns 400 anos antes de Jesus.

O filósofo Platão pensava que a terra era plana. Nessa visão de mundo, havia um andar de cima e um andar de baixo. O Universo, o céu, a perfeição, o espírito, o reino de Deus isso fazia parte do andar de cima. A terra, o lugar onde nós vivemos, era o andar de baixo. Aqui tudo era imperfeito, depreciativo, o mundo da carne, o mundo onde as coisas se deterioram, nada aqui é perfeito, tudo é passageiro, sem consistência ontológica, sem valor salvífico, desprezível...

Mas o Platão dizia que as coisas aqui nesse mundo são uma espécie de sombra das coisas que acontecem no andar de cima. E assim, Platão começou a explicar as instituições nesse mundo. Se Deus estava no céu, sentado no trono, governando o universo, - então aqui na terra deveria haver também um rei para governar a terra. Se Deus tinha um grupo de anjos a seu serviço, então também aqui na terra o rei deveria ter um grupo de serviçais. Se Deus tinha um exército celestial, então também aqui na terra deve haver um exército a serviço do rei.

Desta forma, o cristianismo canonizou o pensamento de Platão. Felizmente, hoje em dia muitas pessoas já entenderam que a terra não é plana e que não tem nenhum andar de cima. Quando falamos de céu na igreja, não estamos pensando num lugar geográfico, acima das nuvens. Céu é o lugar onde Deus está presente. Céu é o lugar onde a vontade de Deus se realiza, se pratica. Da mesma forma, inferno não é um lugar geográfico. Inferno é lá onde Deus não está. Inferno é lá onde a vontade de Deus não se pratica. Por isso, céu ou inferno é o lugar onde se pratica ou não se pratica a vontade de Deus. É isso que Jesus ensinou nos Evangelhos

Portanto, essa história que devemos entender o sofrimento nesse mundo como algo aceitável, porque o que vivemos aqui é um reflexo do mundo lá de cima, isso não é nada bíblico. Jesus nos ensinou um caminho diferente. Ele nos ensinou a entender melhor a o sentido das leis de Deus e como essas leis de Deus podem transformar o sofrimento e a maldade nesse mundo. Jesus não quer as leis de Deus sejam apenas obrigações religiosas para nós, mas que elas estejam presentes em nossa forma de vida, na vida que nós escolhemos viver.

Por isso, Jesus não apenas proíbe o assassinato (5mandamento), mas aponta para a importância da reconciliação. A boa vontade e a ação de reconciliar-se com o próximo são tão importantes, que devem preceder o culto a Deus. A oferta a Deus deve ser entregue somente após restabelecidas as boas relações com as pessoas.

Sobre o adultério (6mandamento) e o divórcio, Jesus fala da relação entre homem e mulher, das relações familiares e dos matrimônios. Jesus restringe o poder masculino e a integridade da mulher é afirmada. Jesus protege a dignidade da mulher, pois ela é ofendida com o olhar adúltero e com o assédio sexual. A restrição do poder masculino indica mais reciprocidade nas relações entre homem e mulher. Jesus diz que a vontade de Deus é que haja mais cuidado entre homens e mulheres.

Jurar era um ato público de comprometer-se em dizer a verdade ou de agir da forma anunciada. A lei do Antigo Testamento previa não jurar falsamente, conforme o segundo mandamento (Êx 20.7 e Dt 5.11). Esse mandamento surgiu porque quando as relações e instituições estão falidas e corrompidas, geralmente buscam no juramento e na invocação a Deus uma forma de legitimação. As autoridades gostam de dizer que o que fazem e dizem se sustenta no poder de Deus. A prática de jurar em nome de Deus geralmente tinha como objetivo enganar os ouvintes.
Jesus diz que nunca se deve jurar por ninguém. Jesus fala da necessidade de um discurso franco, sincero e confiável, que constrói relações honestas e fidedignas, que derivam da integridade das pessoas. Pessoas íntegras, pessoas honestas não precisam jurar. “Seja, porém, a tua palavra: sim, sim; não, não”. A comunicação sincera é uma marca do reino de Deus e deve ser uma característica de toda pessoa cristã. A confiança e a integridade são necessárias para sustentar as relações entre as pessoas e uma comunidade cristã.

Portanto, Jesus destaca que a Igreja deve ter um papel educativo. Educar para uma vida de fé adulta. Uma fé adulta, responsável não faz a vontade de Deus nem por temor do castigo nem por causa da promessa dos prêmios. Uma fé adulta é aquela que pratica a vontade de Jesus, porque essa é uma maneira de todos e todas vivermos melhor uns com os outros e também com o meio ambiente. Escolher a vida, escolher o bem – para Jesus significa trabalhar pelo bem de todos e todas. Simão Pedro entendeu isso claramente e por isso – no Ev de João 6.68 ele responder assim a Jesus: “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna”.
Amém.
 


Autor(a): Nilton Giese
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Belo Horizonte (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Comunicação / Nível: Comunicação - Programas de Rádio
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 21 / Versículo Final: 37
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 55117
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