Comunicação


ID: 2771

O tempero da palavra

Artigo

17/02/2006

Há uma canção, que diz assim: Palavra não foi feita para dividir ninguém. E continua: Palavra não foi feita para dominar, destino da palavra é dialogar. Palavra não foi feita para opressão, destino da palavra é a união..

A sociedade moderna nos brinda com uma crescente ampliação dos veículos de comunicação a serviço das palavras humanas. O mercado da comunicação, em especial a televisiva, é amplo e procura satisfazer a diversidade de gostos e os anseios pessoais. Em data recente, constatou-se que a criança brasileira é a que mais horas soma à frente do aparelho de TV. Comunicar-se é excelente exercício a serviço da formação e da informação. Os avanços tecnológicos na área da comunicação abrem espaços para ampliar lastros culturais. A linguagem comunicativa aprofunda conhecimentos, favorece o lazer, reconstrói pontes de relacionamentos, assim como aproxima pessoas e agiliza a veiculação dos fatos na aldeia global.

Até parece um contra-senso, mas a comunicação verbal passa por sério processo de deterioração. Basta uma análise crítica do que se veicula nas telinhas em nossos lares. A sociedade humana é levada a pensar pequeno, apesar dos enormes desafios que procedem da realidade ambiental, econômica, social e política. É da competência da ciência da comunicação fazer uso de seu poder, canalizando sua influência às sombras do globo terrestre, em busca de mudanças profundas.

O lado sombrio da arte da comunicação cria pessoas humanas coisificadas; criaturas alienadas. Exemplos dessa realidade são conhecidos, porque seus efeitos determinam, em larga escala, hábitos da sociedade brasileira. O homem, quando tratado como um número na massa, torna-se um ser desrespeitado. Palavras e jargões somados às imagens da comunicação transformam a pessoa em escravo do sensacionalismo ou do consumo, perdendo em conseqüência sua dignidade. Muitos vivem no abandono, como ovelhas sem pastor. No contexto da religião judaica, o teólogo Martin Buber assinalou que a comunicação, ao ignorar o eixo central visando à união e à construção de um mundo mais unido e irmão, perde a consciência de que comunicar é viver o amor-ação.

A Igreja cristã, por causa de sua característica missionária, precisa sair da sua casa. Desde os primeiros tempos, as comunidades sentiram o compromisso de veicular a boa notícia da salvação. Jesus Cristo, o Salvador, é a palavra de Deus encarnada, o melhor presente doado a este mundo amado por Deus. É oferta que abraça e alcança a amplitude do universo. A tarefa da teologia e da ciência de interpretação é decodificar o Evangelho, fazê-lo compreensível. A fé das pessoas cristãs nasce da comunicação da palavra de Deus. O apóstolo Paulo afirma que toda a vida em comunidade decorre da pregação da boa notícia de Jesus Cristo, o crucificado e ressuscitado. Em meio à enxurrada de palavras humanas, tantas vezes, vazias e rasas, a palavra de Deus é como martelo que esmiúça a rocha, conforme o profeta Jeremias, mas também palavra doce ao paladar! Mais que o mel à minha boca, segundo a confissão do salmista.

O Evangelho, comunicação verbal ou traduzido por gestos e símbolos, prioriza a liberdade da pessoa humana pautada no amor e aponta a leveza da graça de Deus. A boa notícia acena com o espírito de reconciliação e faz penetrar nos mistérios do reino. A sensibilidade para com a palavra libertadora motiva a aproximação das pessoas diferentes e abre espaços ao convívio pacífico e tolerante da sociedade humana. A verdade do Evangelho promove a transformação da mente e se engaja na transformação do mundo. O universo na qualidade de criação de Deus é casa (=oikos) de Deus, que compromete ao respeito mútuo e à co-responsabilidade dos que nela habitam.

A comunicação da palavra de Deus, a boa notícia sugere rupturas com sistemas de vida passados e redefine o sentido de vida no presente. O acolhimento do Evangelho transforma a vida no deserto em paraíso, o caos em ordem, as sombras em luz, o desespero em esperança e o desejo de dominar em disposição ao serviço .

Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC

Jornal A Notícia - 17/02/2006


Autor(a): Manfredo Siegle
Âmbito: IECLB / Sinodo: Norte Catarinense
Área: Comunicação
Natureza do Texto: Artigo
ID: 8693

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