Comunicação


ID: 2771

Nasce a imprensa

16/10/2017


Foi por volta de 1440 que Johannes Gutenberg criou o que ficou conhecido como prensa de tipos móveis. Sua invenção revolucionou a Europa do século XV e permitiu a disseminação das ideias de Lutero e da Reforma no começo do século XVI. Até então, os livros eram redigidos à mão por monges copistas e custavam muito caro. A Bíblia ficava acorrentada porque seu preço “equivalia a uma junta de bois. Caso fosse roubada, o prejuízo seria grande”, como explica o historiador Martin Dreher (2014) no livro De Luder a Lutero: uma biografia.

Há registros de que na China e no Japão a impressão era realizada em outros moldes desde o século VIII. A chegada à Europa, porém, provocou grandes mudanças. Nos dias de Lutero, o púlpito era a principal ferramenta de pregação. Depois vieram as folhas avulsas ou volantes – em alemão, Flugblätter – com a inscrição dos hinos. E por fim os livros, que passaram a ser escritos em língua vernácula. Em 500 anos de reforma protestante: perspectivas e reflexões, o teólogo Rubens José Ogg (2017) afirma que, em 1521, “o Novo Testamento saiu do prelo custando 1 florim e meio, quantia insignificante comparada com o que custaria se não fosse impresso. Em 1534, toda a Bíblia foi traduzida para o alemão e publicada”. Cem mil cópias do Novo Testamento foram vendidas em quatro décadas por um único impressor que atuava em Wittenberg.

As vantagens da impressão em termos de preço e rapidez levaram a Bíblia traduzida por Lutero para pessoas comuns. Suas 95 teses também foram assim ligeiramente difundidas a partir de 1517. Mas há que se registrar sua perspicácia no que tange ao idioma utilizado. No livro Uma história social da mídia: de Gutenberg à Internet, Asa Briggs e Peter Burke (2006) contam que, “enquanto o grande humanista Erasmo (c.1466-1536), que também quis reformar a Igreja, escrevia em latim para ser lido nos círculos acadêmicos de toda a Europa, Lutero normalmente usava a estratégia oposta. Escrevia em vernáculo, de modo que sua mensagem pudesse ser compreendida pelas pessoas comuns, mesmo que tivesse de se restringir, no início, ao mundo de língua germânica”.

Alguns impressores publicavam todos os tipos de materiais, mirando apenas o lucro que obteriam. Outros, porém, estavam alinhados com os ideais de Lutero e davam exclusividade às obras do reformador. “Mais de 80% dos livros em alemão publicados no ano de 1532 — para ser exato, 418 títulos em um total de 498 — tratavam da reforma da Igreja” (BRIGGS; BURKE, 2006, p. 84). Antes desse sucesso, é importante dizer que a invenção da prensa garantiu a Lutero um destino diferente daqueles que o antecederam.

Também deve-se considerar o fato de que Wittenberg, embora pequena, era uma cidade universitária. Por ela passavam muitos jovens que iam estudar e depois voltavam às suas regiões, levando consigo aquilo que ouviram sobre Lutero e a Reforma. Carregavam também os panfletos – considerados por longo período como meio de comunicação de massa e usados no conflito do imperador Carlos V e o rei Francisco I da França.

Não se pode esquecer, porém, do poder do púlpito e dos debates públicos – haja vista que uma parcela ainda pequena da população sabia ler. Também por isso, “[...] embora Martinho Lutero (1483-1546) saudasse a nova técnica de impressão como ‘a maior graça de Deus’, ele ainda considerava a igreja ‘uma casa da boca, e não da pena’” (BRIGGS; BURKE, 2006, p. 36).

Nesse mesmo período, as imagens funcionavam para alcançar os analfabetos. Lucas Cranach, amigo e retratista de Lutero, foi um dos que desenharam à população comum a situação estabelecida com os exageros da Igreja e, de outro lado, as ideias da Reforma proposta pelo ex-monge. É de sua autoria a famosa e polêmica pintura Paixão de Cristo e Anticristo. “No caso de Lutero, a Igreja bem que tentou dar cabo das suas obras ao ordenar que fossem queimadas. Contudo, já era tarde. O Papa foi incapaz de controlar o autor, os editores e, principalmente, os leitores alemães”, como destaca o mestre em História Rogério Pereira da Cunha (2017), em texto publicado no livro 500 anos de reforma protestante: perspectivas e reflexões.

A criação da prensa, portanto, garantiu também a disseminação e a preservação do conhecimento, além, claro, da possibilidade de – literalmente – imprimir novas versões sobre os fatos históricos. Fato é que o invento, sozinho, não age. Por isso, como sugerem Briggs e Burke (2006, p. 31), “talvez seja mais realista ver a nova técnica – como aconteceu com outros meios de comunicação em séculos posteriores (a televisão, por exemplo) – como um catalisador, mais ajudando as mudanças sociais do que as originando”.
 


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