Comunicação


ID: 2771

Sobre os riscos de seguir a Jesus

O sangue d@s mártires é(foi) a semente da Igreja (Tertuliano 2.século)

22/06/2017

Mateus 10.24-39

Estimada Comunidade:
Mateus - que dá o nome ao Evangelho de hoje - é membro de uma comunidade cristã de tradição judaica, possivelmente situada na Síria (4.24), mas que vive uma forte crise entre a fidelidade à tradição judaica da Lei e a abertura para os gentios. O evangelho de Mateus foi escrito no final da década de 80 d.C.

Nessa época Jerusalém já havia sido destruída pelos romanos e para os cristãos – além dos conflitos com os lideres judeus - começava um longo tempo de perseguições, por parte do Império Romano. As causas para essas perseguições aos cristãos eram: falta de patriotismo e serem pessoas anti-sociais, porque os cristãos não participavam das festas romanas; pessoas anti-familia, porque os cristãos rompiam laços familiares em nome da fé em Cristo e - principalmente – por recusa em adorar o imperador.

Nesse contexto, o evangelho de Mateus enfatiza a grande comissão de fazer discípulos de todas as nações batizando “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” e ensinando “a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado” (Mateus 28.18-20). Fazer discípulos significava chamar as pessoas a viver aqui na terra o reino de Deus e sua justiça (6.33). Trata-se, para Mateus, de uma compreensão vivencial, pastoral e missionária da fé em Jesus. Para Mateus a fé se pratica – se vive - na vida do dia a dia, na comunidade que convida, que desafia, que congrega, que assume compromissos e riscos com a vida da outra pessoa, do outro povo, pelo qual também Jesus morreu e ressuscitou. 

Portanto, para o Mateus a “igreja” é a continuação da caminhada de Jesus. Essa é a sua glória e a sua cruz. A igreja é aquela comunidade que ouve a palavra de Jesus, coloca-a em prática e aprende – a cada momento – o que é viver da fé e do amor, da fé que crê e do amor que põe em prática a justiça e a misericórdia.

Mas a perseguição não vinha somente dos romanos. Também dentro da Comunidade, algunas pessoas eran muito intolerantes com quem não era judeu de nascimento. Essas pessoas entendiam que o cristianismo era uma espécie de grupo religioso dentro do judaísmo. E - muitas vezes - esse grupo de judeus-cristãos denunciavam os gentío-cristãos aos romanos. Portanto, os cristãos viviam numa permanente situação de medo por causa da denúncia de uns contra os otros. E - uma vez denunciados - os cristãos eram presos e forçados a “apostatar” – isso é – a renunciar a fé cristã. Os que não renunciaram a fé, nem mesmo sob ameaça de morte, foram chamados de mártires.

Vários são as histórias de mártires. Por exemplo, o bispo Policarpo (155. C.), que foi discípulo do apóstolo João, e que morreu apunhalado por um soldado, porque na sua execução por morte na fogueira em Esmirna (Turquia), o fogo não queimou o seu corpo. Outra história é a de Perpétua e a sua escrava Felicidade, que foram presas e martirizadas em Cartago (norte da África), no ano 203 d.C. O Diário de Perpétua é um dos escritos mais antigos de uma mulher cristã. A historia da igreja ainda registra os 40 mártires de Sebaste, na Armenia - no ano 322 d.C. Trata-se de 40 soldados cristãos oriundos da Capadócia (atualmente Turquia), O general romano Agrícola os obrigou a prestar culto aos ídolos, porém estes soldados se negavam. Era inverno e entardecia. Como castigo, os 40 soldados cristãos foram obrigados a tirar as roupas e os puseram sobre o gelo que cobria o lago. O frio imobilizou suas articulações e começaram a se congelar. Na margem do lago havia uma fogueira e só poderia ir até ela para se aquecer quem abjurasse sua fé em Cristo. Durante toda a noite os soldados cristãos suportaram com coragem o frio intenso, consolando-se mutuamente e cantando Salmos e hinos. Um dos soldados – no entanto - não suportou a tortura e saiu do lago, mas antes de chegar próximo à fogueira caiu morto. O carcereiro Agaio ficou tão impressionado que tirou suas roupas e foi juntar-se aos outros 39 que estavam sobre o lago congelado. Os que não morreram congelados naquela noite, tiveram suas pernas quebradas e foram queimados. Os ossos carbonizados foram lançados em um rio.

Como podemos ver – para algunas das primeiras comunidades cristãs, seguir a Jesus foi algo exigente. Seguir a Jesus significava confrontar-se com os poderes religiosos e políticos daquele tempo. Chamar a Jesus de Filho de Deus era confrontar-se com a religião judaica - que não via em Jesus o Messias - e chamar a Jesus de Senhor era confrontar-se com os romanos, - que diziam que somente o imperador romano poderia ser chamado de senhor.

Essas histórias horríveis nos fazem pensar: Por que a fé cristã não provoca mais essa distinção e polarização no mundo de hoje? Será que é porque o cristianismo se acomodou e se moldou ao mundo e não é mais “luz do mundo”? Será que o Evangelho não é mais capaz de transformar as pessoas como nos contam as histórias dos primeiros cristãos? Ou será porque nós apenas aceitamos no Evangelho o que for conveniente - para justificar nossa maneira de ser e de pensar? Desta forma, já não é o Evangelho que nos transforma, mas nós transformamos o Evangelho a nossa conveniência.

É verdade que ainda hoje escutamos notícias de comunidades cristãs atacadas no Egito, no Afeganistão, no Iraque e na Síria pelos radicais do Estado Islâmico. Mas, além desses lugares não é algo perigoso declarar-se uma pessoa cristã. No entanto, praticar os ensinamentos de Jesus – falar das consequências práticas da fé cristã, isso ainda causa temor em muitas pessoas também hoje.

Assim como olhamos para as primeiras comunidades cristãs, olhemos também para as nossas comunidades cristãs de hoje e perguntemos: - O que a pessoas veem em nossas comunidades cristãs de hoje? Certamente veem muita devoção, oração, missas, cultos. Mas certamente alguns também falarão das divisões entre as igrejas, entre os cristãos. Falarão do bom ou do mau exemplo de muitas igrejas e de muitos cristãos. Falarão da intolerância de alguns membros e do temor de alguns ministros e ministras para falar profeticamente dos púlpitos, com medo de serem mandados embora da Paróquia.

Aqui em Minas Gerais, quando uma pessoa é muito teimosa, nós dizemos: Parece “piruá”. Piruá é o milho de pipoca que não estourou na panela. Ruben Alves – que era mineiro - dizia que a pipoca nos faz lembrar que as grandes transformações na nossa vida somente acontecem quando passamos pelo fogo (por situações muito difíceis). Talvez seja por isso que o Espírito Santo tenha se manifestado aos discípulos em forma de línguas de fogo. Quem não passa pelo fogo – fica do mesmo jeito a vida inteira. E algumas pessoas, mesmo passando pelo fogo, não se transformam. São pessoas de uma dureza assombrosa, de coração duro, tal qual o piruá. E para que serve o piruá? Não dá para comer! Não dá para plantar! Só serve para alimentar as galinhas.

O Evangelho de hoje pede que demos testemunho dos valores cristãos – sem medo. Ser discípulo(a) de Jesus é deixar-se transformar, é enfrentar o medo com a fé. Medo não é ausência de coragem. Medo é ausência de fé. A fé quer transformar nossos pensamentos de intolerância, de discriminação, de ódio social. Deus deseja que as pessoas vejam em nossas atitudes, nossos pensamentos que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus. 

Por isso, diante do temor pelo impacto que a palavra profética vai causar nos corações “piruás”, deveríamos ouvir mais as palavras de Jesus que diz: não temais – vocês valem muito mais que passarinhos e quem se coloca à serviço de Deus é bem cuidado por ele, pois até os fios dos seus cabelos estão contados (Mateus 10.30-31). O povo de Deus deve espelhar a vontade de Deus.

No século XIX algumas igrejas – também luteranas - no norte dos Estados Unidos - tinham quartos secretos onde eles escondiam os escravos fugitivos. Essa atitude subversiva das igrejas foi muito criticada pelos conservadores, mas essa atitude também gerou uma lei nos Estados Unidos que passou a considerar as igrejas como “santuários”. Isso significava que eram lugares de refúgio. Qualquer pessoa que buscasse abrigo numa igreja, não podia ser tirado de lá à força. Também aqui na América Latina, muitas igrejas esconderam e ajudaram perseguidos políticos a escapar das ditaduras militares. 

Portanto, manter firme a fé, mesmo tendo que correr riscos, praticar a solidariedade com aquelas pessoas que luta pela vida, isso continua sendo um desafio e um chamado para a igreja também hoje. Jesus nos alerta dizendo que colocar-se ao lado de pessoas e de movimentos sociais que lutam pela vida, pela justiça, pelos direitos de opinião política, de condição sexual, pelo cuidado com a Terra, etc.. - isso vai fazer uma grande diferença no dia do juízo final.   
“Se uma pessoa afirmar publicamente que pertence a mim, eu também, no Dia do Juízo, afirmarei diante do meu Pai, que está no céu, que ela pertence a mim. Mas se uma pessoa disser publicamente que não pertence a mim, eu também, no Dia do Juízo, direi diante de meu Pai, que está no céu, que ela não pertence a mim.” (Mateus 10.32-33)

Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus nosso pai e a Comunhão do Espírito Santo permaneçam também no meio de nós. Amém.
 


Autor(a): Nilton Giese
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Belo Horizonte (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Comunicação / Nível: Comunicação - Programas de Rádio / Organismo: Capela Luterana
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 10 / Versículo Inicial: 24 / Versículo Final: 39
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 42721
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