Mateus 4.12-23
João Batista foi preso (v.12) e Jesus fica sabendo dessa triste notícia. Pedir que as pessoas se comprometam a viver uma vida conforme a vontade de Deus, isso foi visto pelas autoridades como uma ameaça. E quando os poderosos se sentem ameaçados eles reagem caluniando, mentindo, prendendo e matando.
Jesus sabia que João Batista não sairia vivo da cadeia. E ele sabia que Joao Batista foi apenas o primeiro a ser preso. Todos os seguidores de dele deveriam ficar alertas. Inclusive o próprio Jesus. A polícia do rei Herodes podia aparecer a qualquer momento.
Por isso, Jesus volta para o norte, para a região da Galileia. Mas não volta para Nazaré, a cidade de onde ele havia saído. Ele decide morar em Cafarnaum, a uns 50km dali. Cafarnaum ficava no Lago de Genesaré. Mas Jesus não foi morar lá porque ele queria desfrutar dos prazeres e comodidades da praia e de uma vida à beira-mar. Cafarnaum era uma espécie de fim do mundo. Terra de Zebulom e terra de Naftali eram sinônimos de lugares esquecidos, lugares sem futuro. Para sobreviver ali, a principal atividade era pescar no Lago Genesaré. Mas com tanta gente pescando, já era bem difícil encontrar peixes. Na maioria das vezes as pessoas recolhiam suas redes vazias, ou com apenas uns poucos peixes. Qualquer observador, ao ver os peixes que os pescadores traziam do mar, diria que esse trabalho era quase improdutivo. Os peixes recolhidos mal davam para a feria do dia.
No entanto, essa região de poucas esperanças, tinha agora um novo morador. Jesus, que era carpinteiro, um construtor de casas, decide que chegou o momento de edificar um mundo novo. Essa não seria uma tarefa fácil e muito menos que se pudesse realizar sozinho. Por isso, ele começa a chamar outras pessoas – jovens e velhos, pessoas que viviam sem perspectiva de futuro, que viviam na escuridão e sem esperanças, essas pessoas começam a ver em Jesus uma luz, uma esperança.
Essa é uma lição importante que Jesus nos dá hoje. A igreja cristã precisa ir ao encontro das pessoas sem futuro e sem esperança, precisa instruir os esquecidos, cuidar dos doentes e das pessoas em situação de vulnerabilidade, anunciar a todos as boas novas do novo mundo de Deus. Jesus propõem uma religião de gestos concretos, de ações, de mãos estendidas, de atitudes que reaproximam as pessoas de Deus e umas às outras.
Jesus precisa de velhos com experiência, mas também precisa de jovens com esperança. Por isso, ele chama primeiro dois pescadores experientes – Pedro e André. Depois chama também dois jovens – Tiago e João. Eles ainda eram meninos. Pescar peixes, lavar barcos e consertar redes isso eles já sabiam. Mas Jesus os chama para aprender coisas novas: reunir pessoas, anunciar que Deus quer que todos tenham um futuro melhor. O pai Zebedeu não se opôs. Ele sabe que a vida de pescador em Cafarnaum não garante nenhum futuro aos seus filhos Tiago e João. E como todo pai – toda mãe – ele quer o melhor para os seus filhos.
A maneira peculiar com que falava aos outros sobre Deus e seu projeto de vida provocava entusiasmo e paixão nos pobres de Cafarnaum. Jesus sabe onde estão os pobres e Jesus sabe conversar com eles. E era isso mesmo o que precisavam ouvir: a notícia de que “Deus se preocupa com eles”. Jesus era um “curador da vida”. Jesus despertava nos outros a vontade de viver com dignidade. Jesus contagia saúde, vida e alegria: Seu amor apaixonado à vida, sua acolhida afetuosa a cada enfermo ou enferma, sua força para regenerar a esperança nas pessoa a partir de suas raízes, sua capacidade de transmitir sua fé na bondade de Deus. Esse poder de despertar energias desconhecidas no ser humano criava as condições que tornavam possível nas pessoas a recuperação da saúde e a disposição para elas mesmas contruirem um futuro melhor.
Jesus propõem também uma grande revolução religiosa, onde o caminho que leva a Deus não passa necessariamente pela religião, pelo culto, pela doutrina ou pela confissão de fé, mas pela compaixão para com os ‘irmãos/irmãs pequenos’”. Jesus abre um novo caminho de acesso a Deus, que passa pela acolhida e o compromisso com o outro necessitado, sobretudo o mais pobre. Portanto, levar a cabo o seguimento de Jesus é também pôr no centro de nosso olhar- de nossas açoes pastorais - os pobres, os doentes e o cuidado com a Criação de Deus. Colocar-nos no lugar e na perspectiva dos que sofrem. Fazer nossos seus sofrimentos e aspirações. Assumir sua defesa.
Sim, Jesus foi alguém apaixonado pelo reino de Deus e que viveu em profundidade a dinâmica de acolhida, da hospitalidade e da compaixão pelos outros. Foi alguém que trouxe à tona a possibilidade da alegria e da esperança em tempos de apatia e exclusão. Sua mensagem - ou Boa Nova - colocou no centro do a bem aventurança dos pobres e a exigência de partilha de sua causa. Não há como aproximar-se dele sem sentir-se atraído e fascinado por sua pessoa, pelo carinho, delicadeza e ternura com que trata os outros, independentemente de seu gênero, etnia ou religião. O que fala mais alto em Jesus era o seu testemunho de vida, e é este que devemos buscar seguir em nossa vida e em nossas igrejas.
Jesus apresenta-nos um Deus profundamente interessado pelos humanos, um Deus de entranhas de compaixão, um Deus que não é propriedade de religião alguma pois é Pai de todos, um Deus que é movimento e transformação. Todos podem invocá-lo como Pai. Está acessível a qualquer um, manifestando-se abertamente a partir do segredo do coração.
E falando assim dos pobres, dos doentes, dos marginalizados, pessoas sem futuro e sem esperança, dizendo-lhes que “Deus se importa com eles” é que Jesus diz no Evangelho de João: Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai senão por mim. (Jo 14.6)
O movimento de Jesus não se sustenta com doutrinas, normas ou ritos vividos do exterior. É o próprio Jesus que deve “batizar” ou “encher” os seus seguidores com o seu Espírito. E é este Espírito que os deve animar, impulsionar e transformar. Sem esse “batismo do Espírito”, não há cristianismo.
A única fé real é a que o Espírito de Jesus desperta nos corações e mentes dos seus seguidores. Somente pessoas simples e honestas, de coração compassivo, são os que realmente “reproduzem” Jesus e introduzem seu Espírito no mundo.
Portanto, se queremos contextualizar a mensagem do Evangelho em nossas comunidades luteranas, não devemos fazê-lo apenas com os catecismos e os documentos confessionais. Só com isso não se transformam as pessoas para viver a vontade de Deus. Há algo prévio e contínuo, uma tarefa permanente: precisamos reunir grupos nas comunidades para narrar nas comunidades a figura de Jesus, ajudar as pessoas cristãs a entrar em contato direto com o evangelho, ensinar a conhecer e amar Jesus, aprender juntos a viver com seu estilo de vida e seu espírito. Essa é uma forma de “viver o Batismo”, que nossa IECLB nos propoem como tema desse ano de 2020.
Amém.
Assista o filme libanês Cafarnaúm no YouTube