Comunicação e Reforma Luterana
Claudio Schubert
¨A imprensa é o último supremo dom, através dela Deus quer tornar conhecida em toda a terra a questão da verdadeira religião, até o fim deste mundo, sendo ela propaganda em todas as línguas. É a última chama de luz antes da extinção deste mundo¨
(Lutero, em WA TR 1, 18, IP 1038. LIENHARD, p. 263, 1998)
A imprensa foi um dos elementos que contribuiu de forma decisiva para o êxito da Reforma Luterana. Não é possível dizer que a Reforma dependeu desse meio de comunicação, no entanto, se pode dizer que sem este, o movimento reformista não teria tido a repercussão que teve. Foi a primeira vez em que se estabeleceu uma parceria exitosa entre o material impresso e um movimento popular, pois até aquele momento a imprensa ainda não tinha sido utilizada como meio massivo. Somente durante a vida de Lutero, houve em torno de 4.000 edições ou reedições de suas diversas obras.
Mesmo aquelas pessoas que não tinham acesso aos textos de Lutero eram informadas do conteúdo dos escritos. Isso foi possível porque muitos panfletos eram lidos em voz alta para os ouvintes. Esta era uma tarefa principalmente dos chamados pregadores. Eles, na maioria das vezes, eram ex-monges que encontravam na pregação da Reforma um espaço importante para sua atuação. Atingiam grandes contingentes populacionais informando-os do significado e da novidade dos ideais reformistas, mobilizando-os, assim, para a causa.
Arte na Reforma
Um dado relevante é que, além da imprensa escrita, também a arte torna-se um meio utilizado para divulgação dos ideais da Reforma. Gravuras, caricaturas e páginas ilustradas foram meios importantes que auxiliaram a causar impacto e repercutir os ideais reformistas. Um exemplo típico foi a publicação do Novo Testamento em 1522, traduzido por Lutero e ilustrado pelo pintor Lucas Cranach.
Muitos dos panfletos eram ilustrados com gravuras ou caricaturas (com críticas ao papa, por exemplo). A caricatura e ilustração reforçavam o texto e às vezes falavam até mais do que este. Os panfletos não estavam mais restritos ao círculo dos intelectuais, mas, redigidos na língua do povo com as devidas ilustrações, levavam as pessoas simples a se interessar pelos escritos reformistas.
A difusão das ideias da Reforma e a ação da imprensa não ficou restrita somente a Alemanha. Constata-se que a partir de 1519 alguns dos escritos de Lutero podiam ser encontrados na França e Itália. O texto ¨Da Liberdade Cristã¨, por exemplo, foi traduzido para a língua francesa já em 1525. Até 1516, os escritos dele eram feitos em latim, a partir desta data sempre mais ele emprega o alemão, dependendo do público alvo a quem os textos se destinavam. Basicamente a mensagem de Lutero foi divulgada de três modos: pelo meio escrito, pelos pregadores e pelos comentários boca-a-boca entre o povo.
De Lutero aos nossos dias
Do início do movimento da Reforma Luterana aos nossos dias passaram-se mais de 480 anos. No que se refere ao papel desempenhado pela imprensa, comparando aquele momento com o atual, estamos num déficit inominável. A Reforma constituiu-se num conceito novo na época. E para fazer conhecida essa novidade entre a população, um dos meios utilizados pelos reformadores foi a imprensa. À medida que esse meio foi sendo utilizado, ele ¨forçou¨ o próprio conteúdo a se adaptar às formas que a imprensa dispunha. O uso de ilustrações, gravuras, caricaturas é um exemplo típico. Em outras palavras, os idealizadores do movimento da Reforma fizeram uso dos mais variados e modernos meios de comunicação que dispunham na época. A maioria destes estava disponível na sociedade.
Algumas questões para refletir
A partir do papel desempenhado pela imprensa na Reforma Luterana, em termos de IECLB procuro elencar alguns indicativos que querem auxiliar a entendermos nossa indecisa e acanhada inserção nos meios de comunicação:
* Nossa mensagem não representa mais aquela novidade para a opinião pública, por isso não encontramos motivação suficiente para investir mais tempo, energia e dinheiro na comunicação.
*A Igreja gostaria de pautar o que vai dizer à opinião pública, mas não tem muita disposição para responder as perguntas que a imprensa coloca: a) ou porque sabe que para muitas questões não tem respostas; b) ou porque o que quer responder não são as perguntas que a mídia faz; c) ou porque ainda sabe antecipadamente que as nossas respostas estão um tanto fora de sintonia com a realidade.
* Temos medo de que, com a nossa inserção nos meios de comunicação, escape das nossas mãos um certo ¨controle¨ do religioso.
* Temos consciência (ou talvez não) de que precisamos adaptar nosso conteúdo teológico, muitas vezes rígido e com formas arcaicas, para a realidade, isto é, para as formas que a imprensa exige. Usando exemplo de Lutero, talvez tenhamos medo de que um ¨Lucas Cranach¨ ilustre alguns discursos que veiculamos.
* Mesmo que alguns líderes eclesiásticos procurem uma aproximação entre Igreja e mídia, falta priorizar, no concreto, uma ação em comunicação, com todas as consequências que possam advir desta opção.
* Falta-nos, na IECLB, uma ação mais conjunta, a exemplo da Reforma, onde as diferentes tendências possam somar para a causa luterana maior.
* Consequentemente, se temos uma ação em comunicação que deixa a desejar é porque a nossa ação como Igreja já antes se mostrou indefinida.
* No Evangelho de Jesus Cristo encontramos respostas para as perguntas que a opinião pública faz. Lutero ensina-nos que, para levar essa Boa-Nova ao povo, precisamos de meios e estes estão disponíveis na sociedade como meios de comunicação. Cabe à Igreja a tarefa de repercutir o Evangelho entre o povo e para tal, a exemplo do movimento da Reforma, assessorar-se da mídia é uma estratégia sábia.
*A comunicação, assim como Lutero a compreendeu, continua um meio ¨pois através dela Deus quer tornar conhecida em toda a terra a questão da verdadeira religião¨.
O autor é jornalista e professor na ULBRA e reside em Porto Alegre, RS
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