Marcos 5.21-43
Prezada Comunidade, estimados rádio-ouvintes:
Se vocês me perguntassem, qual é a tarefa que considero mais difícil no trabalho pastoral, eu responderia sem vacilar: fazer o sepultamento de uma criança. Isso é a coisa mais difícil para mim.
E o texto do Evangelho de hoje fala sobre o encontro de Jesus com duas mulheres. Uma já não tão jovem e a outra uma menina na adolescência. Ambas estão interconectadas por serem mulheres e por precisarem de auxílio. As duas estão muito doentes. A idade da mais jovem era exatamente o tempo de doença da mais velha. Doze anos.
Jairo era o pai da menina doente. Ele era também um líder religioso chefe da sinagoga, que conhecia a Torah e buscava praticá-la. Provavelmente auxiliava no serviço religioso no sábado, bem como no oficio do ensino e administração de finanças, na aplicação da justiça e da disciplina judaica durante a semana. Mas além desta posição de destaque, ao que tudo indica, pelo uso do grau diminutivo “filhinha”, Jairo era um pai zeloso e carinhoso. Enfim, a família de Jairo parece ter sido um protótipo daquilo que hoje chamamos de um lar estável: posição religiosa e social de destaque, bons costumes, boa moral.
Entretanto, a estabilidade de um lar não garante que a família não passará por dificuldades e tribulações. No caso da família de Jairo, a tribulação era a enfermidade da filha que não tinha cura. Podemos perceber no texto (vv.22 e 23) três ações de Jairo em busca da cura para a filha.
A primeira delas diz respeito ao fato de Jairo ir ao encontro de Jesus. Ele coloca sua reputação em jogo - certamente seria questionado pelos irmãos da sinagoga. Jesus não era bem visto pelos líderes judeus. Ainda assim ele vai até Jesus do qual ouviu falar.
Como segunda ação, Jairo adora a Jesus. O ato de se jogar aos pés de alguém é como prostrar-se, ou seja, é um ato de adoração, e um judeu como Jairo, conhecedor da Torah, certamente não se prostraria diante de alguém de forma leviana. Jairo procedeu desta maneira por conta do desespero que se apoderou dele, ou por acreditar e estar convencido que Jesus era mais que um profeta.
E, como terceira ação, Jairo não somente adora a Jesus, mas suplica insistentemente. A súplica é a oração de extrema necessidade. Suplicamos quando não temos mais esperança de encontrar socorro de outra forma. Jairo suplica pela sua filhinha. Note que Jairo, diferente do que ouvimos em cultos e palestras televisivas sobre a prosperidade, Jairo não determinou, não decretou, nem proclamou ou liberou a fé. Jairo simplesmente suplicou. Afinal, uma oração somente pode entregar-se à graça e misericórdia de Deus.
Jesus então inicia o percurso em direção à casa de Jairo. Contudo, a caminhada é interrompida e prolongada por uma mulher enferma que é curada e, consequentemente, com a demora, a filha de Jairo morre. Ao final, Jesus chega até a casa de Jairo e a menina é reavivada.
O que podemos aprender dessas duas histórias?
Primeiro, em relação a Jairo, podemos aprender que a fé é entrega passiva, absoluta e incondicional. Fé não é um ato da vontade humana. A fé só tem espaço quando o orgulho é colocado de lado. O orgulho do ser humano tem que cair para que a fé, que é dádiva de Deus, tenha espaço. Para ver e sentir a presença de Deus é preciso ser humilde. O evangelho de Marcos mostra Jairo sendo “desinstalado” de seu orgulho e de sua vida tranquila e segura. Primeiro por causa de seu sofrimento pessoal pela grave enfermidade de sua filha, situação que o motiva a se prostrar e suplicar a Jesus como sua última alternativa.
Segundo, porque no caminho de sua casa, no caminho da cura de sua filhinha, acontece algo imprevisto. Jesus se demora. Uma outra situação de desespero chama a atenção de Jesus. Talvez podemos imaginar a aflição e o desespero de um pai que tem uma filha morrendo em casa e, já tendo encontrado o remédio, de repente acontece um imprevisto no caminho e ele não chega mais a tempo. É o que aconteceu com o Jairo. Quando parecia que tudo ia dar certo, que Jesus chegar a tempo para curar a menina, então de repente aparece uma mulher, que sofria de hemorragia uterina há 12 anos. Essa mulher interrompe o percurso da caminhada de Jesus até a casa de Jairo. Ela toca na roupa de Jesus e recebe a cura. Ela como que “rouba” um milagre de Jesus. Assim como a mulher imediatamente percebeu as mudanças em seu corpo, Jesus também reconheceu que algo havia acontecido. Ele sentiu que havia saído poder dele, mas não sabia para quem e nem para quê. Depois da pergunta – quem foi que tocou na minha capa? - e do olhar insistente de Jesus, a mulher curada se revela e se joga aos seus pés. Então Jesus começa a conversar com ela. Essa conversa angustia a Jairo. Talvez a mulher tenha contado a Jesus sobre a sua doença que já a atormentava há 12 anos e que ela já havia experimentado todos os tipos de remédios nesse seu sofrimento. Também havia feito todos os tratamentos que os religiosos judeus haviam recomendado para esse tipo de doença. Mas nada tinha ajudado, até esse momento em que ela tocou na roupa de Jesus. Em resposta Jesus diz que ela sarou porque teve fé. Não é a fé que a curou. Quem cura é Jesus, mas a fé é o meio pelo qual a pessoa recebe essa cura de Jesus. A fé faz a gente insistir, perseverar, não desanimar – apesar das multas frustrações. Sem fé – desistimos logo, sem fé não temos paciência, nem perseverança para insistir, perseverar e assim receber a ajuda e a graça de Deus. Por isso, Jesus lhe diz que ela podia ir em paz, pois estava curada de seu mal. A mulher buscou a cura para sua dor e encontrou também a salvação.
Nesse momento, vem a notícia de que a filha de Jairo já faleceu. Já era tarde demais. Jairo entrou em um desespero ainda maior. O pior já tinha acontecido. Muitas pessoas devem ter pensado. Se aquela mulher não tivesse interrompido a Jesus, Jesus teria chegado a tempo para salvar a filha de Jairo.
Jesus viu mais uma vez o desespero do Jairo. Mesmo com a notícia da morte da menina, Jesus pede a aquele pai: “Jairo, não tenha medo, tenha fé”. A ajuda de Deus nunca se atrasa. E chegando na casa de Jairo, Jesus toma a menina pela mão e lhe diz “Talita cumi”. Essa é uma expressão em aramaico que em português é como dizer para uma criança que está dormindo: “- Acorde, meu bem, já está na hora de levantar”. A menina se levantou, abraçou seus pais, começou a andar pelo quarto e disse que estava com fome. Quando alguém doente diz que está com fome, é porque já está se sentindo melhor.
Deixar nossas súplicas a Jesus significa levar nossa dor – em oração - aos cuidados do Cristo. Ele ouvirá e ajudará com o melhor.
Essas duas histórias do Evangelho de hoje querem nos dizer que independentemente de quais forem nossas dores, elas têm o propósito de nos levar até Cristo e colocar nosso clamor e nossas súplicas em suas mãos.
Amém.