Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Zacarias 9.9-10

Prédica

22/03/1970

Prezada Comunidade! 

Por que é que nós nos reunimos aqui? Por que existe uma comunidade, que se reúne num culto como este? Qual é o pivô desta união? Se eu bem o entendo, e se há honestidade no que afirmamos em nossos cultos, nós nos sentimos unidos e nos reunimos - não por sermos brasileiros, não por sermos de descendência alemã ou coisa que o valha - mas porque temos uma base fundamental em comum: Jesus Cristo, o nosso Senhor, o Filho de Deus, o Salvador. O que ouvimos dele, o que ele fez por nós, o que ele foi para nas - isto é o que nos une, isto é o que nos motiva Ê a partir dele, em torno dele e para ele que vive uma comunidade cristã. 

Jesus Cristo personagem tremendamente importante, tremendamente incompreensível em sua magnitude. Jesus Cristo, tremendamente difícil de ser explicado, interpretado. Os primeiros cristãos já sentiram esta dificuldade. E para explicar Jesus, foram buscar auxilio no Antigo Testamento, na tentativa de captar toda a dimensão desta personalidade. 

Mateus e João, por exemplo, ao narrarem a história da entrada de Jesus em Jerusalém, procuram explicar quem é este que aí vem, entrando na cidade. E justamente para explicar quem é este Jesus Cristo, eles vão buscar um texto que tinha sido dito aos israelitas, alguns séculos antes de Jesus, pelo profeta Zacarias. Nós, hoje, vamos deixar que Mateus e João nos mostrem o caminho, e vamos até lá, até Zacarias, para ver o que encontramos. 

Os senhores sabem que os israelitas, desde lá pelo ano 1.000 antes de Cristo, esperavam o Messias. Sabia-se que algum dia viria alguém. E este alguém provocaria uma tremenda mudança e colocaria as coisas em ordem, de uma vez por todas. Mas quanto às características mais concretas, a concepção do Messias transformou-se com o passar-- dos séculos. O profeta Natã dizia, lá pelo ano 1.000: O Messias será um rei de Israel, que dar a definitivamente ao povo de Israel a vitória e a soberania sobre os seus inimigos. 200 a 300 anos mais tarde, os profetas passaram a dizer: O Messias instituíra um reino de paz e harmonia para todos os povos; mas antes disso vira o juízo, o julgamento de Deus sobre todos os povos, e também sobre o seu povo Israel, que o abandonou. No ano de 587 a.C. sobreveio este — juízo, pavorosamente: A capital, Jerusalém, foi destruída, o templo foi posto por terra, a camada liderante foi deportada para a Babilônia, Israel estava no fim como nação, como grandeza política. Foi o Exílio. E então, quando não havia mais rei em Israel, quando não havia mais dinastia no poder, quando não havia mais homens em quem depositar esperança - toda esperança passou a concentrar-se no Messias. — E como seria este Messias? Um rei poderoso? Um político excepcional? Um exímio estrategista militar? Zacarias responde: (9,9-10) 

Vibra de alegria, ó filha de Sião! Exulta, ó filha de Jerusalém! Olha, teu Rei vem a ti! Ele é justo, e Deus o ajudou. Ele é humilde e vem montado num jumento, num jumentinho, filhote de uma jumenta. Ele acabará com os carros de guerra em Efraim e com os cavalos (de batalha) em Jerusalém. Também o arco de guerra será eliminado. E ele proclamará paz aos povos. O seu domínio se estenderá de um oceano ao outro e do Eufrates até os confins da terra. 

É isso o que diz Zacarias. Séculos mais tarde, no início da era cristã, Mateus e João dizem: É isso mesmo! Este Messias esta aí. É o marceneiro e pregador Jesus de Nazaré, que entrou em Jerusalém montado num burrico. Este é o Messias! 

II

Um Messias curioso. O que é dito dele? Ele é justo, e Deus o ajudou. Ele é humilde e vem montado num jumento, num jumentinho, filhote de uma jumenta. Ele é justo, agiu com Justiça - e para o hebreu, no caso da relação com Deus isso significa: ele agiu conforme a vontade de Deus. Deixou de lado os seus desejos, o seu comodismo, a sua vontade e fez a vontade de Deus - por mais difícil que fosse. 

E Deus o ajudou. Deus não o deixou na mão, Deus reconheceu e recompensou sua obediência. Ele é humilde -ou para sermos mais fiéis ao original: Ele é um desgraçado, um pobre coitado, um sujeito que não tem nada, nem bens, nem reputação, nem fama, nem nada. É um João ninguém. E vem montado num jumento, num jumentinho, filhote de uma jumenta: Não vem num brioso e altaneiro cavalo de raça. Vem montado num burro. 

Este é o Messias. Este Messias é Jesus. Um louco querendo ser Napoleão? Um frouxo, cujo mérito reside em se deixar empurrar e acotovelar? Um maricas passivo, que sempre — leva na cabeça e não reage? Não se mexe? Sé apanha mas não faz nada de positivo?

Ele acabará com os carros de guerra em Efraim e com os cavalos (de batalha) em Jerusalém. Também o arco de guerra será eliminado. E ele proclamara paz aos povos. O seu domínio se estenderá de um oceano ao outro e do Eufrates até-- os confins da terra. 

Um Messias maricas? Passivo? Não, um Rei! Erguera um reino. De mar a mar. Um reino que encobre cada palmo deste planeta. Um reino com características bem próprias. Um rei no que o mais absurdo futurologista não ousa sonhar. Um — reino sem carros de guerra e cavalos de batalha: sem revólveres e metralhadoras, sem tanques, bazucas, morteiros e fuzis; sem porta-aviões, torpedeiros e submarinos; sem caças a jato, bombardeiros e mísseis; sem bomba atômica, bomba H e napalm; sem armas bacteriológicas; sem Exército, Marinha e Aeronáutica; sem soldados rasos, cabos, coronéis, — generais e marechais; sem criminosos, prisões e cadeira elétrica ... Um reino sem violência, seja qual for a sua forma. 

Um Messias passivo?

E ele proclamara paz aos povos! Sabem o que significa o termo paz para o hebreu? Para ele, paz não é apenas ausência de guerra. Paz é a integridade absoluta em todas as condições, situações e relações dos homens. Paz significa: bem-estar físico e material: nada de câncer, enfartes, úlceras no estômago, desidratação, debilidade mental, desastres pavorosos, miséria, fome, retirantes, enchentes, secas. Paz é saúde, salubridade do ambiente, vida regrada e sadia, fertilidade, teto e comida. Paz é relação harmoniosa, integra e perfeita entre os homens: nada de calúnias boatos e fofocas; nada de abismos entre reduzidas camadas abastadas e enormes massas famintas, sem teto e sem roupa; nada de extorsão e espoliação do mais fraco pelo mais forte; nada de brigas em família, entre irmãos, entre cônjuges. E paz e também a relação harmoniosa, íntegra e perfeita entre Deus e os homens, em que os homens fazem a vontade de Deus e este os ampara e conduz. 

Tudo isso, meus amigos, é paz, shalom. E todos esses aspectos estão relacionados entre si. No pode haver ausência de guerra e violência, enquanto um único ser humano continuar de barriga vazia. E não pode haver harmonia entre os homens, enquanto não houver harmonia com Deus. Paz é o todo, e a saúde absoluta do mundo. Este é o reino do Messias. Com este reino ele dominara a Terra de um extremo ao outro. 

III

Pois é: e este Messias já veio. Não esperamos mais por ele. Mas o seu reino de paz ainda não se realizou. Ele foi anunciado, ele já se manifestou sempre que alguém segue aquele Jesus de Nazaré e por ele temos o aval da realização deste reino. Jesus mesmo disse que tudo isso se concretiza ria quando ele viesse pela segunda vez. E isso não se pode provar. Pode alguém dizer que tudo é pura conversa, que é auto-sugestão. E eu não teria argumentos para refutá-lo. É algo que se crê, e acabou-se: Mas para quem crê, muita coisa se esclarece. Quem crê sabe que a história de Deus com o mundo ainda não terminou. Mas a meta desta história já está claramente demarcada. Sabemos para onde ele quer levar o mundo: para o shalom!

IV

Muito bem, e aqui estamos nas, neste Domingo de Ramos de 1970. Vivemos no tempo entre a primeira e a segunda vinda de Jesus. Atrás de nós, o Messias, que anunciou e mostrou como seria o reino do shalom. A nossa frente, a realização final deste reino, a meta. Nos, que vivemos dentro deste período, entre um marco e outro, se nos cremos na meta do shalom, se sabemos para onde Deus pretende conduzir a humanidade, não temos outra alternativa: Não podemos opor-nos à vontade de Deus, temos que acompanhar o curso de sua histeria. 

A partir daqui podemos estabelecer duas diretrizes inabaláveis para a nossa existência de cristãos. Cada um se examine a si mesmo e veja em que ponto age a favor ou contra a vontade de Deus. 

1 - Em situações bem especiais e extraordinárias o cristão talvez se veja forçado a empregar a violência para proteger seu próximo. Mas em principio, ele deve opor-se a toda espécie de guerra, de ocupação e de intervenção militar, a toda espécie de violência. Uma atitude que não tem nada de passivo. Pelo contrário, uma atitude que exige dedicação, que exige uma posição bem clara diante dos muitos conflitos que abalam o mundo e a sociedade, diante de qualquer forma de violência praticada em nosso meio: a guerra no Vietnã e no Laos; a violência em Biafra que todos já esqueceram; o conflito no Oriente Médio; os regimes racistas na África do Sul e na Rodésia; a tortura de presos políticos em nossas prisões; os crimes do Esquadrão da Morte e grupos semelhantes; a violência dos empregadores inescrupulosos contra — trabalhadores e empregados desprotegidos que no têm como fazer valer seus direitos no tocante a salários e auxílios correspondentes; a violência que em j1timo caso é praticada por todos n8s contra aqueles que nunca tiveram o privilégio de consultar um médico, de adquirir os caros medicamentos do nosso mercado, de frequentar uma escola. A violência contra todos estes que são o lixo da nossa sociedade. — Nos somos culpados e aumentamos a nossa culpa toda vez que deixamos de abrir a boca.

2 - Mas tem mais: A nossa esperança no reino do shalom precisa deixar marcas profundas também e antes de mais nada na nossa vida privada. Não pode haver violência entre nós e o próximo. E violência, aqui, não significa apenas bofetadas e pontapés: o simples olhar rancoroso ou desinteressado que lançamos ao semelhante é um ato de violência; a palavra brusca é um ato de violência; violência é a fofoca que espalhamos, a mancha que colocamos na reputação de uma pessoa; violência é a atitude de orgulho, de desprezo, de falta de companheirismo que assumimos na família, no trabalho, no grupo em que atuamos. Tudo isso e contrário à marcha de Deus com a Humanidade em direção ao shalom. Eis por que o cristão tem que apagar tudo isso de sua vida. 

Vamos analisar-nos a nós mesmos! Estamos acelerando ou bloqueando o caminho de Deus com o mundo? Busquemos forças junto aquele rei humilde, pobre - e tremendamente atuante. Vamos segui-lo, vamos imita-lo na sua obediência incondicional à vontade de Deus. Vamos marchar com ele em direção ao shalom! Amém. 

Oremos:

Senhor Deus, tu nos mostraste hoje para onde queres levar-nos, por Jesus Cristo. Nós te pedimos, Senhor, mostra-nos por Jesus Cristo também como devemos agir e dá-nos forças todos os dias para atuarmos a favor e não contra a tua vontade. Amém.

Porto Alegre, Paróquia Matriz , Domigo de Ramos de 1970
 

Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Nelson Kirst
Âmbito: IECLB
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: Domingo de Ramos
Testamento: Antigo / Livro: Zacarias / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 9 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Vai e fala! - Prédicas / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1978
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19528

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