Lutero já havia nos ensinado que a salvação vem pela fé, isso baseando-se em Rm 1.17: “Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: o justo viverá pela fé”. Não é uma afirmação qualquer, mas de uma afirmação contundente para o mundo descrente no qual vivemos. Viver a justiça que vem de Deus, a partir de Jesus Cristo, é ter como único e verdadeiro fundamento o amor ao próximo e praticá-lo em todas as formas possíveis, através da diaconia, da ação social, do respeito mútuo na sociedade diversa e plural. O ser humano necessita o compromisso no serviço que advém da vocação de Cristo e do Batismo para justificar sua fé. A fé carece de “re-ação” por parte do ser humano. A ação humana que é baseada na fé e na graça tem sua origem e motivação em Deus, autor e doador da vida (Fp 2.12).¹ E podemos acrescentar que a fé atua pelo amor (Gl 5.6), que se revela no mandamento de Cristo do amor a Deus e ao próximo (Mc 12.28-31).
A justificação por graça e fé vai além do Evangelho, não se trata de um fundamentalismo evangelístico, mas de uma fé verdadeiramente vivida a partir dos preceitos cristãos e em consonância com a liberdade que nos é dada, conforme pedimos no Pai-nosso, “livra-nos do mal”. Na oração pedimos para que no momento da morte possamos ser aceitos no Reino dos Céus. Sobretudo, queremos uma justiça que seja a antecipação do Reino de Deus.
Somos seres humanos imperfeitos, nunca estamos definitivamente prontos, e nem temos autonomia para decidir ou julgar sobre os atos alheios. Estamos à procura de aprovação, de reconhecimento e de respeito, mesmo que muitas vezes não usemos de tais pressupostos para os alcançar. Lutero já dizia que somos simultaneamente justos e pecadores (simul justus et peccator). Ao lado disso, temos a história da salvação na qual estamos inseridos, não a nossa história pessoal, mas a história da salvação do povo de Deus. Como cristãs e cristãos estamos inseridos num mundo que não é perfeito, mas que já é uma antecipação do Reino de Deus. Somos chamadas e chamados a diariamente afogarmos o velho “Adão” e a velha “Eva” para vivermos em Cristo. No entanto, continuamos a pecar, não conseguimos destruir nossa essência pecadora. Necessitamos do amor e do perdão divinos, afinal a compaixão de Cristo justifica a pessoas pecadoras e não a justas.²
Contudo, não estamos aqui para realizar juízos e rotular as pessoas como pecadoras e salvas. Somente Cristo e a fé na ressurreição tem poder para julgar. Nós, seres humanos agraciados com o perdão e a reconciliação divina, devemos aceitar a cada pessoa com suas falhas e pecados, mas sobretudo, com seus dons e virtudes. Nossa vida não é nada mais que um grande culto, nos reunimos para confessar nosso pecado individual e coletivo e recebermos de Deus perdão e reconciliação, o nosso guia e a nossa fonte são Cristo e a Palavra de Deus revelada na Sagrada Escritura.
[1] BRAKEMEIER, Gottfried. Panorama da dogmática cristã: à luz da confissão luterana. São Leopoldo: Faculdades EST, Sinodal, 2010. p. 74.
[2] BRAKEMEIER, Gottfried. O ser humano em busca de identidade: contribuições para uma antropologia teológica. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2005. p. 76.