Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Romanos 15.4-13

Auxílio Homilético

08/12/2019

 

Prédica: Romanos 15.4-13
Leituras: Isaías 11.1-10 e Mateus 3.1-12
Autoria: Ricardo Brosowski
Data Litúrgica: 2º. Domingo de Advento
Data da Pregação: 08/12/2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIV

Misericórdia gera concórdia!

1. Introdução

É Advento. Tempo de espera e de esperança. Tempo em que as comunidades preparam suas festividades para o período natalino. Tempo em que famílias organizam suas celebrações. Tempo em que pessoas pensam em presentear-se mutuamente, mesmo que seja num simples amigo secreto. Ou seja, Advento é tempo em que os relacionamentos estão em alta.

O texto bíblico do Antigo Testamento nos aponta para o ramo de Jessé, de onde brotará um renovo, uma nova esperança. O texto do evangelho nos mostra
um João Batista que prepara o caminho do Senhor. Ambos os textos são clássicos do período de Advento. Possuem um caráter histórico, mas também um viés escatológico. Afinal, qual é a tarefa do anúncio da mensagem de Jesus, senão anunciar a vinda derradeira do Senhor?

Esse anúncio tem como espaço principal as comunidades, seja a de Roma ou as nossas. O problema é que as comunidades, em todos os tempos e lugares, são formadas por pessoas (pecadoras, egocêntricas e teimosas). Por isso o texto de Paulo aos romanos tem uma atualidade voraz e um questionamento central: quem é Cristo para a comunidade? A partir disso e da lembrança de que Deus é misericordioso, somos chamados a viver comunidade olhando para esse Cristo.

2. Exegese

As cartas do apóstolo Paulo são uma interpretação teológica da vida, morte na cruz e ressurreição de Cristo. A Carta aos Romanos não é diferente.

A história da comunidade de Roma começa antes de Paulo. Há notícias de que a mensagem sobre Cristo já havia sido pregada na sinagoga local. Não é possível informar quem a fundou, mas se sabe que ela foi formada por pessoas cristãs advindas do mundo judeu e do mundo gentílico. Paulo se dirige aos dois grupos.

Lutero escreve, em seus prefácios a textos bíblicos, que nesse capítulo Paulo faz de Cristo um exemplo, a fim de serem tolerados também os fracos em decorrência de pecados conhecidos ou costumes impróprios. Esses fracos não devem ser repudiados, mas suportados, até que melhorem. Em suma, devemos fazer aquilo que Cristo fez – e continua fazendo – por nós. Ele suporta nossos muitos vícios, maus costumes, nossas imperfeições e ainda nos ajuda sem cessar.

Nessa parte da carta, Paulo trata sobre problemas de relacionamentos dentro da comunidade romana. Alguns judeus convertidos não conseguiam abandonar seus costumes judaicos, praticados por quase toda a vida. Mesmo convertidos, essas pessoas cristãs não se sentiam livres para comer ou beber qualquer coisa que lhes era oferecido. Por outro lado, havia gregos e romanos (gentios) convertidos, que não viam a necessidade de cumprir as leis mosaicas.

O tema “fortes e fracos” já está presente no capítulo 14. Podemos ver nos versículos 1-12 que as pessoas cristãs não concordavam em tudo, nem mesmo dentro da comunidade e dos costumes da fé. Afinal, as pessoas cristãs da comunidade de Roma, assim como as pessoas cristãs de nossas comunidades, possuíam níveis de maturidade distintos. Contudo, devemos lembrar que essas não são questões fundamentais para o evangelho. Na segunda parte desse capítulo, vemos que cabe aos fortes cuidar dos fracos. Não deveria haver julgamentos, nem nada que pudesse ferir a fé de outrem. Porém deveriam acontecer a busca pela paz e a edificação comunitária. Os três primeiros versículos do capítulo 15 mostram a vontade do apóstolo Paulo para que houvesse concórdia entre “fracos e fortes”, ou seja, que conseguissem viver em comunhão.

Na nossa perícope, não são mencionados nem fortes nem fracos, que estão implícitos no texto. Tendo em vista os problemas de relacionamento da comunidade, Paulo lembra o valor da Escritura. Pois todas as coisas que foram escritas previamente, para o nosso ensino foram escritas, para que pela paciência e pela consolação das escrituras tenhamos a esperança (v. 1). Interessante notar o jogo de palavras “paciência e consolo”. Isso denota uma relação mútua, em que se espera do cristão paciência para não invadir ou diminuir a fé do outro. Mas também há consolo quando sua fé é diminuída ou violada por outros. A paciência e a consolação vêm do próprio Deus.

A partir disso as pessoas cristãs são chamadas a agir de igual forma. Não como regra moral, mas sim por causa de Cristo. E é por causa de Cristo que elas podem glorificar a Deus. A versão da Bíblia NTLH, no versículo seis, utiliza a expressão “todos juntos”; a versão TEB escreve “com um mesmo coração”; Adolf Pohl em seus comentários utiliza “concordemente”. O termo “concórdia” é bem interessante, pois revela que, mesmo em uma comunidade que se encontra em tensão, ainda pode haver união, para que numa só voz e num só coração se glorifique a Deus. Ou seja, em Cristo existe a “única unidade”, a concórdia que ela precisa para ser comunidade cristã verdadeira.

Na segunda parte da perícope (v. 7-13), parece haver uma elevação de nível na elaboração da exortação que Paulo vinha tecendo desde o início do capítulo 14. Não são mais utilizados termos individualizantes entre o que é de um ou de outro. A conjugação verbal passa para a segunda pessoa do plural. Isso mostra que, a partir de Cristo, não existem mais nós e eles, mas sim unidade (concórdia). Tanto pessoas cristãs advindas do judaísmo como pessoas cristãs gentílicas perfazem o todo da igreja.

Desse modo, o parâmetro da vida em comunidade não é mais a forma como cada uma das vertentes vivia, e sim a forma como Cristo a viveu. É um convite a não tratar o outro na mesma medida do sofrimento que ele causou (quase que uma lei de talião), e sim na forma como Cristo acolheu a todos (no amor).
Se o que Paulo pede for efetivado, o acolhimento mútuo entre ambos os partidos será sem reservas.

Para as pessoas cristãs advindas do judaísmo, Paulo aponta para a aliança feita com os antepassados e para a pessoa de Jesus como ministro da circuncisão. Esse serviço de Cristo mostra que as promessas de Deus eram dignas de confiança, pois se cumpriram, e desse modo, vigoram. Porém o evangelho é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê, tanto do judeu, como do grego (gentio) (Rm 1.16). Os gentios, por sua vez, também estão inclusos na obra de Jesus. Esses devem glorificar a Deus por causa da misericórdia de Deus.

Faz-se interessante destacar que a misericórdia de Deus deve ter como fruto a concórdia da comunidade. Ou seja, o sentimento de dor e solidariedade que Deus tem em relação aos seres humanos que sofrem a tragédia pessoal e comunitária do pecado, enviando seu filho Jesus Cristo ao mundo, deve servir de base para que a comunidade viva a partir do mesmo coração.

A perícope encerra com bênçãos, nas quais a comunidade em sua totalidade é de novo chamada a olhar para o Deus da esperança. Deus pode dar a fortes e fracos a alegria e a paz para viverem juntos a comunidade.

3. Meditação

Uma das bases da antropologia é saber que o ser humano é um ser social. Ele está inserido numa gama de redes mais amplas do que o seu próprio eu. Estando inserido nesses grupos sociais, ele adquire personalidade e identidade enquanto ser humano, mas, ao mesmo tempo, coloca suas raízes para dentro do grupo. Uma comunidade religiosa funciona da mesma forma.

Viver em grupo sempre foi um grande desafio. Pessoas diferentes, que foram criadas diferentemente, que pensam de forma variada, que agem de forma diversa, são chamadas a viverem juntas. Isso não é fácil. E por não ser fácil, hoje em dia a moda está em participar de comunidades virtuais. Zygmunt Bauman (como pode ser visto em seus livros sobre a liquidez) lembra que na modernidade as comunidades virtuais vêm crescendo na mesma medida que o conceito de “amizades em rede (virtual)” também cresce. Para ele, o conceito de “comunidades” advém de laços, e não de redes. Quando se fala em laço comunitário, fala-se em algo que precede o indivíduo e que vai continuar existindo após o mesmo. O conceito de rede é expresso por meio de dois verbos: conectar e desconectar. A pessoa se liga a algo, e quando não quer mais pertencer a esse grupo, desconecta--se facilmente. Talvez por essa razão vivemos um período em que encontramos tantas pessoas solitárias.

Contudo, como pessoas cristãs, nossa ideia de comunidade vai ao encontro do conceito comunidade de laços: pessoas diferentes que se reúnem por um mesmo ideal. Essa comunidade gera comunhão. Não apenas comunhão conceitual, mas comunhão concreta. Essa se manifesta no cuidado que a comunidade tem para com os necessitados e com aqueles que pensam diferente, que agem diversamente. Desse modo, pode-se afirmar que comunhão é sempre interdependência. Olhando para a comunidade de Roma, temos que dizer que ela vivia esses laços. Nós, enquanto comunidades contemporâneas, também temos vivenciado laços em nossos relacionamentos. Entretanto, esses laços não são vivenciados na completude da comunidade, e sim entre aqueles que possuem mais afinidades.

Como fazia a comunidade de Roma, nas comunidades cristãs hodiernas também existem pessoas e grupos que se excluem mutuamente. Há aqueles que se excluem pelo que comem ou deixam de comer, pelo que bebem ou deixam de beber, pelo que vestem, pelo que jogam. Também são motivos dessas intempéries temas como: dançar, fumar, questões de gênero, raça, divergências confessionais, questões tradicionais (religiosas ou não), questões econômicas, político-partidárias e tantas outras.

A comunidade romana enfrentava isso. Como prova de pertencimento a um dos partidos comunitários, tornava-se obrigatória a observância de usos e costumes (como a alimentação). E hoje em dia? Será que não condicionamos a geração de laços de outros em nossa comunidade a determinadas tradições e costumes? Paulo lembra que a comunidade tem como fundamento a obra de Cristo, tanto como operador da circuncisão como pela misericórdia para com os gentios. Será que nos lembramos de Cristo nas brigas que travamos em nossas comunidades?

Somos chamados a lembrar da Confissão de Augsburgo (CA VII e VIII): “Ensina-se que sempre haverá uma única santa igreja cristã, que é a congregação de todos os crentes. E que para a verdadeira unidade da igreja basta que o evangelho seja pregado de forma reta e os sacramentos sejam administrados de modo correto”. Desse modo precisamos dizer que todas as vezes que deixamos o evangelho de lado (mesmo que inconscientemente) e colocamos alguma vontade nossa no lugar, estamos contradizendo o ensinamento da CA e também do texto que estamos trabalhando.

A misericórdia de Deus para com o ser humano e sua comunidade faz com que a comunidade e o ser humano busquem viver em concórdia. Com isso não se anulam as tensões dentro da comunidade. Porém somos chamados a observar que as diferenças de opiniões ou atitudes, que nossas preferências (inclusive teológicas) não perfazem o todo do evangelho. E, desse modo, aqueles que confessam a Cristo como único e suficiente Salvador podem glorificar a Deus juntos, numa só voz e num só coração, mesmo que existam discordâncias em assuntos secundários.

O texto destinado à comunidade de Roma poderia ser destinado a grande parte das comunidades cristãs ao redor do globo. É um texto cristocêntrico, que tira das mãos e dos pensamentos humanos a possibilidade de colocar empecilhos para que outros vivam os laços de uma comunidade.

4. Imagens para a prédica

Algumas imagens possíveis são: o celular, o laço e o nó. Pode-se pedir que as pessoas desliguem o celular. Qual é a dificuldade de nos desligarmos do celular? Qual é a dificuldade que temos de desligar-nos das redes e de suas “amizades”? E qual o motivo de termos dificuldades de nos relacionar por meio de laços comunitários duradouros?

Uma imagem complementar à do celular é a do laço. Laços são utilizados para amarrar coisas diferentes. Também simbolizam os relacionamentos humanos que, em suma, são a amarração de seres diferentes. Esses laços são baseados na parceria, olho no olho, no envolvimento, na confiança e na liberdade. São esses os referenciais que fazem as pessoas buscarem laços, seja de matrimônio, amizades ou a comunidade. Comunidades em laço implicam soma, e jamais na subtração de seres. O grande problema dos laços (relacionamentos) é que facilmente eles viram nós. E nesse ponto podemos lançar algumas perguntas e reflexões. O nó da comunidade de Roma era a comida. Quais são os nós de nossas comunidades? Onde o laço está frouxo e permite que alguns caiam? Onde o laço está muito firme a ponto de estrangular outros? (Esse exemplo pode ser representado com um laço que envolve algumas baquetas ou galhos.)

Uma comunidade de laços é sempre mais viva, pois não anula e não esconde nenhum de seus membros. Mas ela também exige responsabilidade mútua de cuidado, reconhecimento, perdão, convivência e concórdia.

5. Subsídios litúrgicos

Cabe lembrar que o 2º Domingo de Advento ocorre justamente no Dia da Bíblia. Cabe talvez antes de alguma leitura bíblica uma breve recordação sobre um dos pilares das comunidades da Reforma: somente a Escritura. Ela é a regra de fé da igreja, é norma normans.

Aclamação do evangelho

Pode ser utilizado o texto de Romanos 15.4: Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança.

Bibliografia

LUTERO, Martinho. Prefácio à Epistola de S. Paulo aos Romanos. In: ______. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2003. v. 8, p. 129-141.
POHL, Adolf. Carta aos Romanos. Curitiba: Esperança, 1999. (Comentário Esperança).


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Autor(a): Ricardo Brosowski
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Natureza do Domingo: Advento
Perfil do Domingo: 2º Domingo de Advento
Testamento: Novo / Livro: Romanos / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2019 / Volume: 44
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 54622

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