Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Quaresma - A fé justifica tudo! Tudo?

Meditação

23/03/2011

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Reflexões sobre Romanos 4.1-5,13-17

Estamos no tempo que antecede a Paixão e a Páscoa. Quaresma – 40 dias em que a cristandade é convidada a refletir sobre seus atos e as consequências de seus atos. Nossa Igreja lançou recentemente o tema de trabalhos Paz na Criação de Deus. Sinaliza que nossos atos têm consequências na vida pessoal e na sociedade, sem esquecer da criação toda. É muito provável que todos nós procuramos nos justificar perante o Criador, e o fazemos mais intensamente nesta época. Buscamos desculpas, perdão e reconhecimento. Ou, como é muito frequente, projetamos sobre outras pessoas nossas frustrações.

Quando lemos o texto de Romanos indicado, e levando e conta os argumentos acima, acabamos por nos pergunta: quais obras devemos fazer para sermos justificados? O que nos justifica perante Deus? O que é justiça perante os seres humanos e o que é justiça perante Deus?
Conta-se uma lenda a respeito de dois monges que não conseguiam se entender. Era impossível que ambos somassem forças no seu trabalho porque cada um se sentia injustiçado pelo outro. A situação chegou a tal ponto que ambos procuraram uma orientação do Abade. Este pediu uma noite para refletir sobre o assunto. Na manhã seguinte chamou os dois monges e declarou: Justiça existe apenas no inferno. No céu governa a misericórdia e na terra carrega-se a cruz.

A difícil situação da justiça

Para usar alguma citações famosas, lembremos que Albert Camus – filósofo e escritor – disse não haver justiça, mas há limites de ordem. Há aqueles, que não querem conviver com a ordem e outros que querem espremer tudo num espaço pequeno que julgam ser a ordem perfeita. E ambos se tornam injustos. Friedrich Nietzsche – filósofo – diz que a justiça é o amor com olhos que veem. Epicureu – filósofo de Atenas séc. IV a.C. – diz que o fruto mais belo da justiça é a paz de espírito. Jesus – Salvador do Mundo – diz que são felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. É, parece que justiça é um conceito muito pessoal, de foro íntimo.

O suporte da justificação pela fé

Abraão não foi justificado por suas obras nem por circuncisão. Abraão não foi justificado pelo seu irrestrito cumprimento da lei (com isto estaria promovendo a justiça que nada vale!). O apóstolo Paulo cita Davi e Abraão como exemplos de que a única forma de Deus prover a salvação – o perdão – é a justificação pela fé. Então, é um erro considerar que no Antigo Testamento não houvesse espaço para o tema “justificação pela fé”. Assim como é um erro acusar Paulo de não considerar o status dos israelitas de salvos pelas obras, confinando a pregação do Evangelho somente aos não judeus. Paulo prega o Evangelho a todas as pessoas e se faz um pouco de tudo para alcançar alguns (At 20.21, 1 Co 9.20-22 Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns.)

Ninguém aqui foi ou será justificado porque foi batizado em algum altar luterano. Ninguém aqui foi justificado porque sempre trouxe o dízimo ao altar do Senhor e porque nunca mentiu. Mas podemos ser citado como exemplo de quem trabalhou para o reino de Deus. Embora o salário no fim do mês seja a dívida contraída pelo contrato de trabalho, não acontece assim no reino de Deus. Não é contratado e contratante agindo em pé de igualdade. Ao contrário do que acontece entre a cristandade, no reino de Deus intervém a generosidade divina. Como nem relógio trabalha de graça, nosso trabalho só tem sentido e recompensa se feito pela fé. E, desta forma, podemos entender que “ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida.” (v.4) A dívida mencionada é a do amor de Deus. A fé, embora seja a única obra admissível segundo Lutero, não resulta em justificação como coroação do mérito humano. A fé estabelece a confiança irrestrita no amor de Deus para com Sua criação. Isto, sim, ajuda na pregação do Evangelho como boa nova de salvação e justificação.

Com argumentos jurídicos, Paulo continua suas considerações a respeito de justificação e salvação.

A Lei favorece a ação da Graça de Deus

Lei e graça são forças contrárias. Mais uma vez Paulo enfatiza que a justificação não é obra de cumprimento de lei e sim resultado , o fruto da graça amorosa de Deus. A lei acarreta em fúria e perda da promessa. A fé traz a graça e a execução da promessa, escreveu Lutero. Ele continua: quando alguém não crê na Escritura e no bom exemplo que ela traz, que observe pelo menos sua própria experiência de vida. Porque ao observar a própria experiência de vida verá que pela lei só se colhe preocupação, devastação e destruição enquanto que pela fé se colhe a graça e a posse de todo o mundo. Assim o podemos ver no exemplo dos apóstolos que governam com Cristo sobre todo o mundo. A Lei fomenta a preocupação porque se a lei está aí para ser cumprida, e não o é integralmente, configura-se a injustiça e o castigo da lei. A lei gera culpa e incapacita a cristandade de agir. A lei não promove justiça, apenas aguça a injustiça. Isto nos faz entender o por quê não existe a justiça. Para a injustiça há apenas um remédio: a fé. Confiança na graça, perdão e reconciliação com Deus. A graça a partir da fé torna-se poderosa e transformadora. Lembrando do tema do ano, Paz na Criação de Deus, a fé é como semente que faz brotar uma pequena muda, que torna-se uma pequena árvore, que torna-se uma grande árvore, que torna-se frondosa e frutífera, que vai alimentar pássaros e reciclar o oxigênio, que vai dar sementes pequenas, que darão pequenas mudas... Abraão é citado por Paulo como sendo essa semente de confiança irrestrita chamada fé.

Os motores, na aviação, são dimensionados pela força de empuxo que precisam ter para deslocar as toneladas inertes e fazê-las voar. A força de um empuxo, a rigor, não se vê. É ar em movimento, com grande poder de deslocamento e mesmo de destruição. O Espírito Santo é uma tal força de empuxo. Ele nos empurra para a graça. Diante da ação da lei – e o diabo ama a lei para com ela derrubar a vida – vem a reação de Deus com Sua graça. Mas não foi Deus mesmo quem colocou a Lei? Sim, mas a Lei foi cumprida em Cristo Jesus, pelo Seu amor na cruz. Na carta aos Romanos Paulo atesta: (13.10) O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor. A reação de Deus à morte gerada pela lei e o pecado é dar-nos o amor de Jesus. E essa não é uma realidade apenas do Novo Testamento. No tempo da Lei já eram muitos os sinais da necessidade de viver do amor. Este sinal agora é evidente e inconfundível: a paixão e a cruz. Olhando para a cruz temos o empuxo para viver da graça, pela fé, justificados. Tudo isso mesmo ainda sendo injustos. A lei desnuda nossa incapacidade de vivermos a justiça e nos empurra para os braços do Criador. Este empuxo nos faz viver na busca da justiça e da verdade que se concretiza no amor. Por isso dizemos: a fé justifica tudo! Tudo!

P. Rolf Rieck
Joinville (SC)


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