Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Mateus 5.38-48

Auxílio Homilético

19/02/2017

 

Prédica: Mateus 5.38-48
Leituras: Levítico 19.1-2,9-18 e 1 Coríntios 3.10-11, 16-23
Autoria: Ramona Weisheimer
Data Litúrgica: 7º. Domingo após Epifania
Data da Pregação:  19/02/2017
Proclamar Libertação - Volume: XLI

Entre vocês não pode ser assim!

Pois eu afirmo a vocês que só entrarão no Reino do Céu se forem mais fiéis
em fazer a vontade de Deus do que os mestres da Lei e os fariseus
.
Mateus 5.20
 

1. Introdução

O texto proposto já foi trabalhado outras três vezes no PL em tempos litúrgicos diferentes. Trindade: Ulrico Sperb, PL II e Otto Porzel Filho, PL X; Epifania: Gerson Correia de Lacerda, PL 35.

Levítico 19.2 diz: “Sejam santos, pois eu, o Senhor Deus de vocês, sou santo”. A partir disso, os versículos indicados para a leitura deste dia mandam que não se retorne para colher o que caiu na beira da estrada nem se faça segunda colheita nas plantações de uva, pois o que fica para trás é para os pobres e estrangeiros. Não roube, não minta, não explore, não retenha o salário, não julgue com falsidade, não use o nome de Deus em vão, não se vingue nem guarde ódio de alguém do seu povo. Mas ame, como a si mesmo, pois “Eu sou o Senhor seu Deus”.

1 Coríntios 3.11 lembra que Deus já pôs Jesus Cristo como único alicerce a ser colocado. Nenhum outro é necessário. Que ninguém se julgue sábio aos próprios olhos. Tudo nos pertence, nós a Cristo, Cristo a Deus. O texto da Carta aos Coríntios parece destoar dos demais, mas talvez não, se buscarmos os v. 2 e 3, onde um Paulo decepcionado diz que os alimentou com leite, pois ainda não podiam receber mais e ainda não estão prontos, pois continuam fazendo aquilo que todo mundo faz: brigas e ciumeiras. Entre os que creem tem que ser diferente!

2. Exegese

2.1 – O Evangelho de Mateus

Uma das particularidades do Evangelho de Mateus são os grandes sermões: sermão do monte (cap. 5-7); sermão missionário (cap. 10); sermão parabólico (cap. 13); sermão sobre a conduta da comunidade (cap. 18); sermão polêmico (cap. 23) em conexão com o sermão escatológico (cap. 24-25). Eles concluem com uma fórmula mais ou menos assim: “Quando Jesus acabou de falar; de dar essas ordens; de contar; de ensinar...”.

Que Mateus igualmente dá uma importância muito grande ao cumprimento dos anúncios do AT na história de Jesus é sabido. Conforme Brakemeier: 1. “Mateus faz questão de mostrar que o AT se cumpriu na história de Jesus e que, por essa razão, a igreja cristã é a herdeira legítima do antigo povo de Israel. Jesus é o Messias de Israel, profetizado no AT, enviado às ovelhas perdidas desse povo, mas rejeitado pelos judeus. A igreja cristã é o novo Israel, que obedece ao Filho de Deus e por isso não nega os devidos frutos a Deus (Mt 21.33ss)”. 2. “Historização”, i. e., Mateus distingue claramente dois períodos: o da profecia, AT, e o do cumprimento da profecia. “Do particularismo judaico a história da salvação passa ao universalismo do evangelho, tendo a história de Jesus por centro. O AT conduz a ele e a igreja cristã dele se deduz” (BRAKEMEIER, 1983, p. 182). Tasker é ainda mais incisivo: “A meta apologética do autor pode ser resumida na sentença: “Jesus é o Messias e nele a profecia judaica foi cumprida. Portanto a religião chamada ‘cristã’ (‘Cristo’ sendo a forma grega da palavra ‘Messias’), longe de ser a invenção fantasiosa de um grupo de fanáticos, é de fato a verdadeira consumação da religião de Israel, tal como está contida nos registros sagrados da revelação específica de Deus a seu povo, conhecida como AT. A velha Lei do judaísmo, posto que não tinha sido derrubada, foi recheada com novo significado e suplementada com o ensino de Jesus” (TASKER, 1980, p. 14).

Importante na teologia de Mateus é a compreensão de lei, em cuja validade Mateus insiste. A lei do AT é a codificação da vontade de Deus. Quem dissolve a lei e deixa de cumpri-la deverá ouvir a maldição do juiz escatológico: “Apartai-vos de mim, os que praticastes a iniquidade” (7.23).

Mas Mateus também critica com vigor a hipocrisia de escribas e fariseus, cegos e incapazes de descobrir o que há de mais importante na lei, i. e., a justiça, a misericórdia, a fé.

“Em Mateus, a compreensão da lei ou da vontade de Deus é genuinamente cristã, superando o legalismo judaico, e isto apesar da forte insistência no agir e no cumprimento da vontade de Deus em termos da lei. Dos discípulos, isto é, dos cristãos, é exigida a justiça (5.20; 6.33), que excede a dos fariseus e dos escribas, não quantitativamente, mas qualitativamente” (BRAKEMEIER, 1983, p. 184).

Jesus requer a transformação do coração – nada menos do que isso, pois onde o ódio for substituído pelo amor, ali não mais pode acontecer assassínio (cf. 5.21ss); os ritos destinados a proteger o homem da contaminação com coisas impuras tornam-se irrelevantes, se a fonte da impureza humana, a saber, o coração, for renovada (15.16ss)” (BRAKEMEIER, 1983, p. 185).

2.2 – O texto

Dito isso sobre o Evangelho de Mateus, seus longos sermões e uso do AT, voltemo-nos ao texto propriamente dito. Mateus 5.38-48 faz parte do sermão do monte (cap. 5-7), mas tem sua introdução em 5.17-20 (... Não pensem que vim para acabar... mas para dar o seu sentido completo...). Com a fórmula “ouviram o que foi dito... eu, porém, lhes digo” seguem-se leis do AT referentes ao ódio, ao adultério, ao divórcio, aos juramentos, à vingança, ao amor aos inimigos. Mateus 5.38-48 trata destas duas últimas antíteses: da vingança e do amor aos inimigos.

Na comparação das três versões da Bíblia (NTLH, BJ, Almeida RC) não há nada que mude grandemente o significado. Principais questões ficam com o v. 39 (não se vinguem dos que fazem mal a vocês – resistais ao mal – cf. Tasker, “ao que te fere”, por causa do artigo definido); v. 41 (“se algum dos soldados estrangeiros forçá-lo a carregar uma carga”); o grego hostis, “que, qual”, geralmente indefinido, não fala nada sobre quem está obrigando a carregar; porém aggareuō refere-se a constranger, obrigar ao serviço público. W. C. Taylor aponta para 27.32 (os soldados obrigam Simão Cirineu a carregar a cruz); v. 43 (amigos – próximo); v. 45 (bons e maus, NTLH – justos e injustos, BJ). Otto Porzel Filho (PL X) apresenta uma tradução quase poética de Carlos Mesters.

O v. 38, após o “vocês ouviram o que foi dito”, apresenta a lei penal básica: olho por olho, dente por dente (Êx 21.24; Lv 24.20; Dt 19.21). E com o “mas eu lhes digo” vai desfiando situações críticas que devem ser tratadas de forma diferente da usual. Vai num decrescendo da agressão física – um tapa na cara – ao processo injusto – tirar a túnica – constrangimento/coerção – carregar uma carga ou acompanhar forçadamente – ao simples emprestar a quem pedir. Não se vingar ou não resistir aos que lhe fazem mal, mas dar o outro lado, oferecer também a capa, andar mais um quilômetro, não se desviar de quem pede. Agir de forma diferente.

A próxima antítese refere-se ao “amar os seus amigos e odiar seus inimi- gos”. Levítico 19.18 manda que “não se vingue nem guarde ódio de alguém do seu povo, mas ame os outros como você ama a você mesmo. Eu sou o Senhor”. Mas não fala de odiar os outros. Mas essa, conforme alguns autores, parece ter sido a interpretação corrente e ensinada na época: quem não é do povo, o outro, não precisa ser amado, pode ou deve ser odiado. Jesus convida a agir de forma diferente: amar os inimigos e orar pelos que os perseguem – é preciso amar também, o que não se pode fazer só com palavras. Deus não faz distinção e manda a chuva para bons e maus – ou cf. Almeida e a BJ, para justos e injustos. Se só amam aqueles que os amam, o que fazem de mais? Isso até mesmo os publicanos (!) fazem. Se só saúdam os amigos (Almeida e BJ “irmãos”) – e a saudação israelita era “paz seja convosco” –, o que fazem de mais? Até os pagãos, ou os gentios, fazem isso. Sejam perfeitos como o Pai de vocês é perfeito. Outra forma de agir.

“[...] Em três destas aparentes antíteses Jesus está claramente ressaltando o que está implícito nos mandamentos mosaicos em oposição às interpretações literais ou legalistas dos mesmos escribas (v. 21-26; 27-30; 43-48) [...] ele não está investindo nem de leve contra a validade permanente do 6º e 7º (5º e 6º) mandamentos, nem contra a ordenança levítica para amar o próximo. O que ele está dizendo é que as exigências de Deus nessas questões são muito mais amplas, inclusivas e rigorosas do que pareciam sugerir as interpretações correntes dadas pelos escribas. O assassino, insiste o Mestre, tem seu nascedouro na ira fomentada por um descontrolado espírito de vingança, sendo tal ira só por si a quebra do 6º mandamento” (TASKER, 1980, p. 52).

3. Meditação

“Radicalidade do discurso de Jesus.” Lembro-me que, quando cursava o segundo grau – hoje Ensino Médio – tradutor intérprete/pré-teológico – TIPT em Ivoti, esse foi o título de um trabalho que devíamos fazer. E nós, como alunos, bem pouco entendíamos do que nos estava sendo pedido. O que Jesus pede de nós e com que intensidade!

Os autores consultados interpretam o texto de maneira distinta: da não violência mais clássica à resistência não violenta. Conforme essa, Jesus não estaria ordenando submissão irrestrita ao perverso, mas o não bater de volta deixaria claro que não se deixou intimidar por quem se julga superior; entregar também a túnica exporia a injustiça do processo; carregar a carga voluntariamente seria mostrar ao soldado que ele não tem o controle da situação; emprestar exporia o sistema econômico que defende o egoísmo e a avareza. Não o simples cruzar de braços, mas o renunciar à vingança (Lacerda). Sem fechar os olhos para a realidade, o ensino de Jesus anuncia a chegada de um novo reino, onde prevalece a vontade de Deus. Numa progressão, da ordem negativa “não se vinguem dos que fazem mal a vocês / não resistais ao perverso” para uma positiva “amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês”. O fundamento e o objetivo do anúncio de Jesus estariam no v. 48: a perfeição (misericórdia) de Deus que visa à perfeição (misericórdia) das pessoas.

Leandro Karnal, professor da Unicamp, em entrevista à revista Planeta, fala sobre “tolerância ativa”. Diferente da intolerância, que deve ser combatida, e da tolerância passiva, que seria o “sofrer resignado”, a tolerância ativa seria a utopia a ser perseguida: justamente porque domino minha cabeça, posso baixá-la, ou pelo menos não deixá-la se abater. Não seria diferente do renunciar à vingança, proposto anteriormente.

Mas, enfim, o que nós fazemos com quem nos faz mal? Pagamos na mes- ma moeda? Calamos por medo, costume ou comodismo – para não nos indispor mais, não criar problemas ou parecer santos aos olhos dos outros? Guardamos rancor, baixando a cabeça, mas rangendo os dentes? Gostei da frase de Agostinho citada por Sperb (PL II): “Muitos têm aprendido a oferecer a outra face, mas não sabem como amar a pessoa que os esbofeteou” (p. 103).

Recebi um texto pelo WhatsApp que falava de forma diferente do famoso círculo do ódio: a espiral vai descendo do dono da empresa ao farmacêutico, mas é quebrada pela esposa desse que não se deixa abater pelas palavras rudes do marido, mas oferece consolo, carinho. Não precisava ser justamente a esposa, é uma história, poderia ser qualquer um que se dispusesse a simplesmente quebrar o círculo. Agir diferente, não se deixar levar pela torrente. “Entre vocês não pode ser assim” (Mt 20.26), pois se agimos como todo mundo age, em que seremos diferentes dos fariseus e publicanos?

Jesus propõe uma ética diferente, que transforma a partir de dentro. Como diz Brakemeier: “Jesus requer a transformação do coração – nada menos do que isso, pois onde o ódio for substituído pelo amor, ali não mais pode acontecer assassínio (cf. 5.21ss); os ritos destinados a proteger o homem da contaminação com coisas impuras tornam-se irrelevantes se a fonte da impureza humana, a saber, o coração, for renovada (15.16ss)” (p. 185).

Na explicação do 1º Mandamento no Catecismo Menor, Martim Lutero diz: “Devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de tudo”. A explicação de todos os demais mandamentos inicia com isso, pois, se tememos (respeitamos) e amamos a Deus, não enganamos o outro, não matamos, não roubamos...

Porque nos dizemos cristãos, somos chamados a agir de forma diferente, para além da decoreba e ética farisaica. Mudar seu próprio ser para enxergar no outro não um inimigo a ser combatido e odiado, mas alguém digno de amor.

As palavras do sermão do monte são ditas a pessoas que receberam a graça pela fé em Jesus Cristo. Nessa fé, as pessoas são transformadas em novas criaturas. Essa nova vida vale agora ser vivida com uma nova postura diante daquilo que a cerca. As colocações de Jesus, portanto, devem ser entendidas a partir da grandeza da dádiva de Deus. O sermão do monte não é lei; é evangelho. Vivem-se suas palavras quando se vive a fé. Isso acontece no amor a Deus e ao próximo, no agradecimento pelo que Deus fez. Essa é a vida de filhos de Deus.

4. Imagens para a prédica

“Retribuir o bem com o mal é demoníaco; retribuir o bem com o bem é humano; retribuir o mal com o bem é divino” (Alfred Plummer apud LACERDA, 2010, p. 102).

Penso que uma boa imagem seria a “corrente do ódio” a ser quebrada. Começando pelo dono da empresa que grita com seu gerente, que xinga a esposa que gasta demais, que briga com a empregada, que chuta o cachorro, que morde alguém que passa na rua, que grita com o farmacêutico que lhe aplica a vacina, que reclama com a esposa, que em vez de continuar o círculo de ódio o acolhe, acalma, como muitas vezes as mães fazem com seus filhos queridos.

5. Subsídios litúrgicos

Oração de São Francisco

Senhor, fazei de mim instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão. Onde houver discórdia, que eu leve a união. Onde houver dúvida, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança. Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado; compreender, que ser compreendido; amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna.

Bibliografia

BRAKEMEIER, Gottfried. Observações introdutórias referentes ao Evangelho de Mateus. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1983. v. II, p. 176-186.
LACERDA, Gerson Correia de. 7º Domingo após Epifania. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 2010. v. 35, p. 99-105.
LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. 4. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1985.
PORZEL FILHO, Otto. 21º Domingo após Trindade. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1984-1985. v. X.
SPERB, Ulrico. 18º Domingo após Epifania. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1983. v. II, p. 360-366.
TASKER, R. V. G. Mateus – introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1980.


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Autor(a): Ramona Weisheimer
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Tempo Comum
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 7º Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 38 / Versículo Final: 48
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2016 / Volume: 41
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 45374

AÇÃO CONJUNTA
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tema
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pami
fe pecc

O que o Senhor planeja dura para sempre. As suas decisões permanecem eternamente.
Salmo 33.11
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Jesus Cristo diz: Eu estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos.
Mateus 28.20b
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