Prédica: Mateus 5.21-37
Leituras: Deuteronômio 30.15-20 e 1 Coríntios 3.1-9
Autoria: Vera Maria Immich
Data Litúrgica: 6° Domingo após Epifania
Data da Pregação: 12/02/2023
Proclamar Libertação - Volume: XLVII
“Antigamente foi dito, eu, porém, lhes digo!”
1. Introdução
O belo e inspirador texto de Deuteronômio 30.15-20 nos ensina que há dois caminhos à nossa frente e que somos nós, e não Deus, que fazemos as escolhas. Os caminhos são a vida e a morte, a vida e a maldição. Somos desafiados a escolher o caminho do bem para que vivamos muito sobre a terra. A ordem é para escolher o caminho do bem e amar a Deus, andar nos seus caminhos e guardar os seus mandamentos, decretos e ordenanças.
No texto de 1 Coríntios 3.1-9, Paulo exorta a comunidade a renunciar à inveja, às fofocas e à discórdia. Ele deixa claro que o espírito do mundo não é bom conselheiro, que divisões não edificam e não levam a igreja a crescer, que vaidades acirram ânimos e são contrárias ao Evangelho de Jesus Cristo.
Mateus 5.21-37 nos ensina que aqueles que amam a Deus, desejam servi-lo e guardam seus mandamentos com alegre obediência, esforçando-se para viver uma vida agradável ao Senhor, não medem suas ações pela lei, mas respondem em amor. São pessoas de coração puro e buscam controlar pensamentos de ira e desvios para viverem de acordo com os ensinamentos.
O mal escraviza o ser humano, mesmo quando ele não o pratica, mas quando julga outrem, sem misericórdia e sem piedade. É difícil compreender a radicalidade das recomendações de Jesus para arrancar os olhos que procuram o mal, as mãos que o executam, para não perder a salvação. Mesmo arrancando, podemos continuar pecando se não cortarmos o mal pela raiz, ou seja, se não afastarmos radicalmente pensamentos e ações que, apesar de agradáveis e prazerosos, nos afastam de Deus e do caminho.
2. Exegese
Nas comunidades destinatárias desse evangelho, Mateus encontra dois grupos: um que desejava que a lei de Moisés fosse cumprida nos mínimos detalhes, e outro, que entendia que Jesus não mais desejava cumprir essa lei.
Mateus 5.21-22: A relevância da frase: Antigamente foi dito, eu, porém, lhes digo! deve ativar em nós o desejo de contextualizar e atualizar a Palavra, dando-lhe vida. Para dar muita ênfase a essa frase, Jesus a repetiu cinco vezes, enfrentando o conflito com os fariseus que consideravam que ele estava acabando com a lei. Mas ele deixa bem claro que sua postura é de ruptura com a interpretação errada, quando levada ao pé da letra, e de obediência, quando o objetivo da lei é alcançar a justiça e o amor entre as pessoas.
O versículo que antecede o trecho em questão já nos apresenta uma chave geral daquilo que segue sobre justiça. E logo teremos vários exemplos da vida diária e seus desdobramentos aos olhos de Jesus. O primeiro refere-se à preservação da vida: não somente não matando, mas também ao alimentar sentimentos negativos de ódio, de ira e de vingança, o ser humano se tornará réu de um tribunal. Sentimentos negativos que diminuem a outra pessoa, que atacam suas fragilidades e/ou diferenças podem conduzir a desfechos trágicos e indesejados. Não morre apenas quem perde a vida, morre também quem mata; morre para o amor e para a eternidade.
Mateus 5.23-24: O verdadeiro culto que Deus quer. Ofertar com generosidade e com o coração puro. Não por acaso, a confissão dos pecados precede a Ceia do Senhor e o recolhimento das ofertas do dia. Não é possível levar uma vida de piedade e odiar o irmão e a irmã, cultivar desavenças, o que seria, nos dias atuais, distribuir fake news com o carimbo verdade, tão falso quanto a própria fake. Mais do que não fazer, a orientação é deixar a oferta e buscar a reconciliação.
Mateus 5.25-26: Mateus traz as palavras de Jesus sobre reconciliação como condição para pertencer à comunidade. Reconciliar-se o quanto antes para não criar uma bola de neve que somente cresce e nos afasta de Deus. Reconciliar-se ante a menor controvérsia, porque não é possível seguir adiante carregando desavenças, ódio e conflitos.
Mateus 5.27-30: E seguem os mandamentos de não adulterar nem com o desejo, para não pecar e contaminar o coração. Desejar é abrir caminho para a tentação e colocar-se acima de Jesus. A continuidade do texto não nos permite leitura literal, mas chama para a interpretação. Em nenhum momento Jesus sugeriu mutilar partes do corpo para não pecar, mas extirpar pensamentos, desejos, preconceitos, fofocas e juízos a respeito de outrem. Quer dizer, cortar fora os pensamentos, os sentimentos e as ações que nos são agradáveis e prazerosos, mas que nos afastam dos propósitos de Deus.
Mateus 5.31-32: O desejo de Jesus em relação ao casamento parece-nos simples e claro: que não haja rompimento e, se houver conflitos, que se busque a reconciliação. Essa busca, todavia, deve ser partilhada por ambos. A resolução de conflitos, sempre respeitosa, deve ser empreendida e renovada pelo casal. Quando isso não acontece, o divórcio pode ser inevitável e certamente causará dores e sofrimento, tanto para o casal quanto para filhos e filhas. Esse processo deve ser administrado com zelo, respeito, cuidado, ética e muita oração, tanto para que Deus perdoe pelos erros e a fraqueza, quanto para vencer a tentação de abrir guerra contra o cônjuge e atingir filhos e filhas. Reconstruir a vida com outra pessoa está no plano de Deus; é uma segunda chance, que deve ser acolhida com alegria e humildade.
Mateus 5.33-35: Viver e andar retamente, em conformidade com os mandamentos, reinterpretados com base na lei do amor e da justiça – tão cara que aparece sete vezes no Evangelho de Mateus –, indica que devemos prezar pela coerência entre a fé e a nossa vida, de tal forma que sejamos reconhecidos e respeitados por essa coerência. Que nosso sim seja sim, e não seja não.
3. Meditação
Ainda no contexto do sermão do monte, Jesus segue ensinando sobre o valor do caráter. Ele deseja que seus seguidores e suas seguidoras sejam pessoas agradáveis a Deus e busquem viver corretamente no mundo. Jesus propõe o cumprimento da lei na perspectiva de Deus, e não na perspectiva humana, como estava acontecendo.
Ele convida para o cumprimento da lei visando ao diálogo, a relacionamentos respeitosos, que evitem a ira e a discórdia, que sempre promovem mais ira e mais discórdia. Atritos familiares são muito comuns, discórdias com vizinhos e/ou pessoas com quem trabalhamos. Ninguém quer ser explorado, ser feito de bobo e humilhado. Jesus lembra que não dá para estar em conflito com o irmão ou a irmã e, ao mesmo tempo, dar ofertas generosas no templo para aplacar a ira de Deus.
Ele propõe restabelecimento das relações rompidas e ou estremecidas; ele ordena que primeiro se busque a reconciliação com o próximo e, depois, se volte para ofertar. E que as questões conflituosas não fiquem para depois, que sejam enfrentadas, buscando solução e paz, antes que seja necessária a interferência da justiça humana. Para Jesus, o diálogo e o entendimento precoces evitam desgastes desnecessários e rompimentos. É seu desejo que busquemos a concórdia e o perdão.
Que nossas palavras sejam sinceras e sejamos conhecidos por essa sinceridade e por nosso caráter. Que não seja necessário jurar sob testemunho, mas que, com seriedade e constância, sem mudanças de ideia a cada momento, tenhamos credibilidade aos olhos do mundo.
É próprio do ser humano, desde os primórdios, promover vinganças, dar o troco, instaurar contendas, discussões e armar armadilhas ao inimigo. Jesus sugere outro jeito de viver e resolver diferenças e conflitos. Ele convida para a tolerância, o exercício do amor e a promoção da cooperação entre as pessoas, em que os mais fortes não usam sua força para oprimir e ferir, mas para proteger e cuidar.
Ao ensinar que o casamento é bênção e está no propósito de Deus, se expressa o desejo que não acabe, que se cuide dele como presente de Deus, com amor intencional e persistência. Em um relacionamento, ambos devem ceder pelo bem comum, abrir mão e evitar desavenças infindáveis, que adoecem o casal e os filhos e as filhas, além de ser péssimo exemplo de resolução de conflitos, de humildade e de capacidade de diálogo.
4. Imagens para a prédica
Uma criança pergunta à sua mãe sobre o tamanho de Deus. A mãe olha para o alto, vê um avião passando entre as nuvens, e pergunta à criança: Qual o tamanho daquele avião? O filho responde: É pequeno.
Ela o leva ao aeroporto e lhe mostra o avião de perto e pergunta: Qual o tamanho do avião? Ele olha e diz: Nossa, é muito grande!
Assim é o tamanho de Deus. Quando estamos perto dele, ele é grande. Quando estamos longe, ele fica pequeno. O avião é do mesmo tamanho. Nós é que estamos perto ou longe dele.
Nas controvérsias e brigas, normalmente, empurramos os ensinamentos de Deus para longe, diminuindo sua importância, e permitimos que as mágoas e os rancores ocupem todo o espaço de nossos pensamentos, de nosso coração e de nossa vida. Isso pode acontecer no matrimônio, nas relações familiares e/ou profissionais. Deus continua grande, amoroso, conselheiro e Príncipe da Paz. Ele não muda só porque nos convém.
5. Subsídios litúrgicos
Se possível, o hino a seguir não deveria faltar. Ele é bastante popular, inspirado em parte de nosso texto. Sua partitura encontra-se no Portal Luteranos.
Se ao trazeres a oferta,
a tua oferta perante o altar,
e se ali te lembrares
que teu irmão tem algo contra ti,
deixa ali tua oferta
e vai depressa buscar teu irmão.
/: Deus não aceita oferta
de quem não quer ofertar perdão. :/
(Disponível em:
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