Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Mateus 5.1-10

Auxílio homilético

31/10/1979

Prédica: Mateus 5.1-10
Autor: Knut Robert Wellmann
Data Litúrgica: Dia da Reforma
Data da Pregação: 31/10/1979
Proclamar Libertação - Volume: IV


I - A importância do texto

Nosso texto não é de pouca importância; é, na colocação de Mateus, o início do primeiro grande sermão de Jesus. Jesus fala, assentado sobre um monte. De um monte - do Sinai - o povo de Israel, ao entrar na liberdade, ao iniciar sua história própria, recebeu os mandamentos. Será que agora chegou o fim desta ou de toda a história? O povo, como parece, não está naquela liberdade que, pelo Sinai, estava prevista. E não recebe novos mandamentos. Recebe bem-aventuranças. Será que as vítimas da história são bem-aventuradas porque agora entrará em vigor o reino de Deus? Seria um problema para nós: a história dos homens continua. O que é que se iniciará para nós. vítimas de hoje?

II — Mateus-Lucas

Não há solução indiscutível para a pergunta sobre quem é que tem o texto (ou o espírito) original das bem-aventuranças -Mateus ou Lucas? Lucas se concentra na pobreza material e num sofrimento geral, secular. Mateus se dirige aos pobres no espírito. Optando-se por um dos dois textos, para torná-lo absoluto, sempre se ficará inquietado pelo outro.

III - Dois tipos de pobreza

Ë bom ver, junto com Gutiérrez, as duas grandes linhas no Antigo e Novo Testamento: 1. Pobreza como necessidade, miséria ou marginalização é considerada um mal, um escândalo Não é um ideal no povo de Israel nem uma virtude no reino de Deus. Ela deve ser superada e eliminada. 2. Pobreza espiritual é uma qualidade dos filhos de Deus. Usa-se o mesmo vocabulário para os dois tipos de pobreza. É no profeta Sofonias (2.3 e 3.12-13) que pobreza começa a se tornar algo positivo e espiritual. Nessa pobreza o homem não vive das suas ideias e dos seus ideais, das suas posições e dos seus interesses, mas pergunta pela vontade de Deus para cumpri-la. Nessa pobreza o homem procura sair das ideologias para entrar no Espírito Santo.

IV - Pobreza espiritual leva a pobreza material

A pobreza espiritual, como disposição total para o que Deus quer, levará, em qualquer sociedade humana, a uma pobreza material. Torna-se impossível acompanhar a luta por bens e privilégios, que sacrifica tantos seres humanos. A pobreza material não é ideal, mas consequência. Os cristãos da igreja primitiva ficaram (mais) pobres porque repartiram em vez de explorarem (At 4.32-35). Há uma ligação lógica entre as duas linhas de pobreza. E, desde Sofonias. aqueles que não exploram, mas compartilham, procuram se amparar em Deus e esperam por ele (Sf 3.12). Jesus, em nosso texto, está dizendo que Deus vem vindo ao seu encontro e já está chegando.

V – Testemunho, protesto e perseguição

Pobreza espiritual como disposição para Deus, e pobreza material como consequência disso, se tornam testemunho de Deus e um protesto contra a sociedade egoísta. Assim surge a persegui¬ção pela sociedade. Nossa mensagem não deve exigir perseguição, mas também não pode deixar de falar dela. - É uma vantagem de Mateus que ele fala tanto aos que sofrem como aos que se colocam ao lado dos que sofrem, lutando com eles ou por eles.

VI — Os destinatários: uma categoria só de gente

Muitas vezes tratamos nosso texto como se fosse um mosaico. Mas não será que ele se dirige - em todas as bem-aventuranças - às mesmas pessoas? Veja, especialmente, o texto de Lucas Jesus tem à sua frente um grupo de discípulos, todos eles com a mesma missão, e um povo que sofre em conjunto Considerando isto, a mensagem se torna mais homogênea, mais natural e, ao meu ver, mais certa.

VII - Não se trata de uma regra mas de uma mensagem ao vivo

As bem-aventuranças foram formuladas não como regra geral, mas como afirmação em flagrante. Isso se observa, em Lucas, até gramaticalmente; em Mateus, pela situação. Jesus viu à sua frente homens de uma determinada época -' da sua - e situação. E foi para eles que ele procurou e encontrou a palavra de Deus. Se nós transformarmos essa mensagem viva em regra - para depois procurarmos (ou adaptarmos) a comunidade certa, nós faremos o contrário daquilo que Jesus fazia e dificilmente voltaremos a uma mensagem viva e autêntica. Não será que nós também temos que ver primeiro a nossa gente a nossa frente, na situação de hoje, para depois procurarmos e encontrarmos para eles as suas bem-aventuranças? Para isso é preciso um pouco de risco profético e de confiança no Espírito Santo. Mas por que haveríamos nós de querer viver e pregar com mais segurança do que Jesus, os apóstolos e Lutero? Sempre corremos risco de violar a palavra de Deus, e ela morre também em nossa hesitação ortodoxa ou perfeccionista.

VIII - Um exemplo

Na nossa comunidade interconfessional no Centro Comunitário de Alvorada, numa comunidade de gente que, apesar de carregar o peso do nosso sistema sócio-político, não vale nada ou pouco, escutamos as bem-aventuranças a partir da nossa situação. Achamos, para nós, até uma lógica e um clímax que surpreendem:

Felizes os pobres que obedecem a Deus e esperam por ele,
felizes os que, simplesmente, choram, felizes os que aguentam em humildade,
felizes os que quase não aguentam mais a injustiça,
felizes os que, na sua misericórdia, aliviam os sofrimen¬tos,
felizes os que, de coração puro, não exploram a ninguém,
felizes os que lutam pela verdadeira paz que surge da justiça,
felizes os perseguidos por causa da justiça!
Alegrai-vos e jubilai: ninguém segurará o reino de Deus.
São estas as nossas bem-aventuranças que nos trazem a alegria da qual Jesus fala.

IX - Outros exemplos

Ao meu ver, cada pregador antes de pregar tem que entrar primeiro na sua comunidade. Uma comunidade de um lar de idosos, p. ex., receberá as suas próprias bem-aventuranças - daquele Deus que faz seus milagres no meio dos que não são nada. - Os cristãos que sofrem na sua comunidade e igreja porque procuram muito mais e esperam por muito mais do que a própria igreja procura ou espera precisarão de bem-aventuranças para si, no seu sofrer e lutar, para não desesperarem e morrerem no meio da sua igreja. -E Zaqueu, representante de uma ciasse inteira - ou talvez também de uma igreja - , sentado numa arvore e vendo Jesus no meio do povo, escutando a sua mensagem para o povo e sentindo-se marginalizado apesar de tudo que tinha ou tem, não está excluído de receber também suas bem-aventuranças. A salvação está esperando á entrada da sua casa, levando consigo justiça para e!e e justiça para as suas vítimas. - Não chegaremos a curar nosso mundo, mas poderemos nos encontrar, privilegiados e oprimidos, muito além do que normalmente acontece.

X — A Felicidade

Qual é a felicidade e onde está ela - observando-se que a historia contínua e o reino de Deus demora? A promessa das bem-aventuranças ainda não foi cumprida. Mas a gente, p.ex. deveria ser 'povo, povo pobre, sempre manipulado pela política e peia teologia - as duas unidas ou separadas; a gente deveria ser tal povo para sentir onde e como o reino de Deus está chegando Hoje em dia a massa pobre e oprimida percebe que ela não e apenas margem e moldura para outros, e sim o povo predileto de Deus, o verdadeiro centro do povo de Deus. Não é isto que, em nossos durem nosso país e continente, o povo está percebendo? É justamente isto - o que por tanto tempo, por longos séculos, não se sabia, não se sentia e não se ouvia. Desta boa nova surgira auto-valorização, segurança positiva esperança fortificante e a vontade de expor só a penetração pelo evangelho e de experimentar modelos de uma nova comunhão - de experimentar a paz. Neste contexto e importante ouvir o que Jesus diz em Lc 8.28-30, e esta a vivência dos bem-aventurados. Em Solentiname (E. Cardenal) uma senhora velha disse a respeito do desenvolvimento espiritual-comunitário da sua comunidade. Eu agradeço a Deus porque vi aqui, crescendo, a semente do evangelho. Assim esta se foi mando aquele espírito que, das primeiras bem-aventuranças, passara as ultimas, do sofrimento passivo a um sofrimento consciente e ativo.

XI — Nós somos fiadores de Deus

Jesus não estabelece uma teoria geral: O proletariado vencerá. Promete futuro a homens à sua frente, homens pobres, material e espiritualmente, homens que perguntam e esperam. Ele lhes garante futuro - não na base do raciocínio mas da fé. Deus dará futuro e já está começando. E falando assim ele entrará como fiador. Foi por isto que ele sofreu tanto nos dias da crucificação. Não será que também nós entramos como fiadores de Deus, anunciando hoje bem-aventuranças que prometem futuro por parte de Deus? Sim, entramos. O preço não pode ser menor do que isso. Não há outro jeito para ligar essas palavras tão bonitas das bem-aventuranças à realidade tão terrível do mundo.

XII — Dia da reforma

E o Dia da Reforma? Uma reforma e um Dia da Reforma não podem se voltar, em primeiro lugar, ao passado - enfeitando os seus valores num abrigo longe das tempestades. Reforma é pobreza espiritual; é sair dos castelos e abrigos, das tradições e posições, e expor-se, sem proteção, ao sopro do Espírito de Deus, escutando o que Deus falará na hora atual, em nossa situação. Foi isto que Lutero fez. Não seria homenagem nem a ele nem a Deus uma declamação de uma reforma antiga É preciso coragem para a nossa reforma. E será que sentimos que a nossa reforma tem a ver com o grande amor de Deus para com o povo oprimido do mundo? Acompanhando o Deus de hoje redescobriremos os valores da reforma passada.

cristão. O amor, a ÁGAPE não se realizou - como, antigamente, não se realizou a liberdade prevista nos mandamentos. Que Deus renove mais uma vez, e talvez pela última vez, as bem-aventuranças na nossa boca para elas comoverem e alegrarem os seus destinatários.

Sugestão de leitura: O último capítulo de GUTIÉRREZ. G.. Teologia da libertação. Petrópolis, 1975.


Autor(a): Knut Robert Wellmann
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Dia da Reforma
Natureza do Domingo: Dia da Reforma

Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979 / Volume: 4
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14597

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