Prédica: Mateus 13.24-30,36-43
Leituras: Isaías 44.6-8 e Romanos 8.12-25
Autoria: Elke Doehl
Data Litúrgica: 7° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 19/07/2020
Proclamar Libertação - Volume: XLIV
O que cultivamos?
1. Introdução
A palavra do evangelho indicada para a pregação nesse tempo de Pentecostes já foi trabalhada em três oportunidades na Série Proclamar Libertação: v. 18, v. 21 e v. 32, nas quais podemos encontrar subsídios exegéticos preciosos.
Todos os comentários mencionam que a parábola em questão é exclusiva do Evangelho de Mateus, que ela reflete sobre a presença do reino de Deus, e que nessa espera, há comparação entre duas plantas – o joio e o trigo. O trigo, a boa planta, é semeado pelo dono da terra. O joio, considerado como a planta má, é semeado pelo inimigo do dono da terra. Ao final, no tempo certo, ocorrerá a colheita e apenas naquele momento haverá a separação entre bons e maus frutos.
As leituras paralelas, Isaías 44.6-8 e Romanos 8.12-25, falam da restauração da esperança na salvação. Mesmo em meio a situações e sinais de não vida e desesperança em que se vive, Deus se faz presente. Afinal, somos filhas e filhos de Deus mediante o batismo e, com confiança, esperamos por aquilo que não vemos.
A preocupação da pregadora, ao se deparar com um texto que já foi pesquisado e refletido algumas vezes, é: como trazer um novo enfoque? Que novo enfoque é possível destacar e que instigue uma novidade para a mensagem?
Informações e comentários exegéticos dos textos em questão podem-se verificar nos volumes citados acima.
2. Observações exegéticas
Mateus 13.24-26 – A palavra de Deus faz crescer a comunidade. Pois é a partir do ouvir da Palavra que se chega à fé. O semeador, Deus/Jesus Cristo, faz a semeadura. A pessoa que ouve a Palavra acolhe a semente e a cultiva. No meio do cultivo, além da planta boa, desenvolve-se também o joio. Na vida de cada pessoa há o bem e o mal, há santidade e pecaminosidade ao mesmo tempo. Nela, a palavra é semeada. De onde vêm a semente e a planta má e pecaminosa? A “planta má” pode se instalar por meio de pensamentos, atitudes, tradições, costumes ou reações, que vão sendo absorvidos com o passar do tempo.
Mateus 13.27-28a – O inimigo, o mal que se instala dentro das pessoas, age de forma silenciosa, como aconteceu no texto, enquanto o semeador estava “descansando”. Será que o perigo surge quando alguém se acomoda ou se dá por satisfeito? É possível reconhecer já as sementes más ou apenas os frutos que delas emergem?
Mateus 13.28b-30 – Diante da constatação da “invasão maligna”, a reação imediata é de arrancar o mal pela raiz. Mas será que é possível identificá-lo de forma rápida, a fim de eliminá-lo? Será que não podem permanecer ramificações das raízes que fazem a planta má ressurgir logo mais adiante – tal qual um câncer? A primeira reação dos lavradores (discípulos) foi extrair o que veio atrapalhar o trigo e seu crescimento. O dono da terra – Deus/Jesus Cristo diz: Deixa-os crescer juntos até a colheita!. Em outras palavras, o que vai determinar o produto final é o fruto – para separar o trigo do joio, o bom e o ruim, o amigo do inimigo, apenas no dia da colheita.
Mateus 13.37-38 – Quem semeia a boa semente é o Filho de Deus. O campo, a terra é o mundo, as pessoas. A boa semente, trigo, são as filhas e os filhos do Reino. O joio são as filhas e os filhos do maligno.
Mateus 13.39s – A separação acontecerá ao final. A colheita se assemelha ao fim do mundo e ao juízo. Aí o joio será separado e queimado.
3. Meditação
1) O que poderia ser a boa semente? A boa semente, sem dúvida, é o amor de Deus, que ele coloca em nossa vida. É o amor com o qual cada uma de nós foi feita. Vocês se lembram da criação? Depois que o ser humano recebeu o sopro do amor de Deus, Deus disse que tudo o que criara era muito bom. Em seu conjunto, a criação é boa, pois ela é a criação de Deus. Nós podemos provar isso. Quanta riqueza e beleza na natureza! Quanta harmonia nas leis da natureza e quanta diversidade de animais e plantas! Tudo integra o conjunto do amor que Deus tem por suas criaturas. A partir desse amor, somos capazes de cuidar e amar.
2) O que é o joio? Uma erva ruim! Algo que não presta. O contrário da boa semente. Ela é a semente que prejudica a boa colheita, compromete a qualidade daquilo que Deus criou tão puro e belo. Mas será que, de fato, não presta para nada? Não será o joio o que ajuda a impulsionar o zelo pelo bom fruto? Não será a contradição ao bem a fortalecer o cuidado?
3) Quem semeou o joio? Um inimigo o semeou. Pode-se recorrer à lembrança da serpente no jardim do Éden. De onde ela surgiu? Por si só suas palavras não fariam efeito. Apenas a acolhida das palavras na forma de atitudes é que produzem efeito. A simples semeadura da semente do joio não seria problema. A problemática está na terra que possibilita a germinação e o crescimento dessa semente. Quem mesmo é o inimigo do bom fruto?
4) O que seria a terra onde foram semeadas a boa semente e também o joio? É isso mesmo: é o próprio ser de cada ser humano: seu pensamento, seu coração, sua alma, seu entendimento, sua inteligência, toda a sua força. O ser humano é uma terra onde se pode colher o trigo, a boa semente, mas também onde se pode colher o joio, a má semente. Há quem diga que o maior inimigo de cada qual é seu próprio eu. O que lhe parece?
5) Quem seriam os empregados? Num primeiro momento, são aquelas pessoas dispostas a servir ao patrão, que é Deus, ou Jesus. São também aquelas pessoas dispostas a cuidar para que a criação permaneça limpa e boa. Parecem bem-intencionadas: querem prontamente tirar o joio do meio do trigo. Assim boa parcela das pessoas aprende a pensar: deve-se arrancar pela raiz aquilo que não presta, extirpar toda maldade, toda mentira, todo egoísmo, tudo de ruim que existe em nós. Mas a boa intenção nem sempre se revela boa em seus resultados.
6) Então, por que mesmo o patrão, Jesus/Deus, não permite que o joio seja arrancado? Por que ordena que ambos cresçam juntos? Pode-se perceber que essa parábola é muito mais profunda do que parece. Jesus não está tentando explicar o porquê do sofrimento em meio a nosso mundo. Tampouco está procurando o culpado disso. Procurar culpados pelas coisas que dão errado no mundo, no país, na cidade, na comunidade e até mesmo na casa parece ser uma necessidade humana.
Jesus também não parece estar preocupado com a pureza, com a limpeza da plantação. Isso parece ser coisa nossa, ou pelo menos dos seus “empregados”. Parece que ao longo da história todas as vezes que o ser humano achou que deveria fazer alguma limpeza, acabou arrancando junto o trigo. Parece que se tenta cuidar da vida, combatendo o joio com um poderoso herbicida. Só que, ao combater o joio, ainda assim, o trigo não está perfeito. Quantas vezes um herbicida deixa resíduos ruins nas plantas boas! Quantas vezes um herbicida deixa o próprio solo improdutivo!
O que Deus espera do ser humano? Ele espera que o ser humano seja paciente. Que, em confiança, saiba esperar a hora da colheita. Que na hora da colheita se colha o trigo, mas que até lá saiba admirar e valorizar aquilo que de bom foi plantado. Algumas ervas impróprias para o consumo humano, depois da colheita, podem ser transformadas em adubo orgânico. Talvez se possa dizer que mesmo aquilo de ruim que é semeado pode ser reaproveitado de uma outra forma. A dinâmica da história da humanidade e da vida são mostras nessa direção.
Interessante é parar de estabelecer culpa para as coisas erradas e deixar o amor de Deus crescer. O amor de Deus é diferente do ódio, do desprezo e tudo o que impede a vida em comunhão.
Pergunta motivadora: enquanto comunidade e pessoas cristãs, como vencer a tentação de tratar bem todas as pessoas que pensam de modo diferente, que agem diferente, que são diferentes de nós, num tempo de intolerância e falta de limites?
Não apenas, hoje, mas em toda a existência de comunidade cristã fica evidente a presença do mal no meio do bem. Assim como o joio no meio do trigo, o mal está presente no meio social, comunitário, no lar. Nas relações humanas isso se evidencia de forma concreta em palavras, gestos e atitudes.
Fato é que a paciência de Deus é imensa para com a sua criação, a fim de esperar o tempo certo para que na colheita aconteça a separação. Deixa-os crescer juntos até a colheita! Essas palavras sugerem cuidado e respeito até mesmo com aqueles que chamamos de maus. Como vencer a tentação de não arrancar antes do tempo a planta? Como agir, de forma paciente, mesmo não admitindo ou concordando com a forma que a pessoa age e pensa de maneira muito diferente da maior parte das pessoas. Como reaprender a tolerância? (Arriscar situações da comunidade local.)
A espera paciente para o tempo certo da colheita pode ser interpretada no sentido de que Deus não quer perder nenhuma das sementes semeadas. Ele confia que algo a poderá modificar e transformar. Esse algo representa o tempo necessário, que também é ressaltado no texto do evangelho, da semeadura, o crescimento e amadurecimento da planta até sua colheita. Isso requer sabedoria.
4. Imagem para a prédica
Se é bom ou se é mau...
Um homem muito rico, ao morrer, deixou suas terras para seus filhos. Todos eles receberam terras férteis e belas, com exceção do mais novo, para quem sobrou um charco inútil para a agricultura. Seus amigos se entristeceram com isso e o visitaram, lamentando a injustiça que lhe havia sido feita. Mas ele só lhes disse uma coisa: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”.
No ano seguinte, uma seca terrível se abateu sobre o país, e as terras dos seus irmãos foram devastadas, mas o charco do irmão mais novo se transformou em um oásis fértil e belo. Ele ficou rico e comprou um lindo cavalo branco por um preço altíssimo. Seus amigos organizaram uma festa, porque coisa tão maravilhosa tinha acontecido. Mas dele só ouviram uma coisa: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”.
No dia seguinte seu cavalo de raça fugiu e foi grande a tristeza. Seus amigos vieram e lamentaram o acontecido. Mas o que o homem lhes disse foi: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”.
Passados sete dias, o cavalo voltou trazendo consigo dez lindos cavalos selvagens. Vieram os amigos celebrar essa nova riqueza, mas o que ouviram foram as palavras de sempre: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”.
No dia seguinte, seu filho sem juízo montou um cavalo selvagem. O cavalo corcoveou e o lançou longe. O moço quebrou uma perna. Voltaram os amigos para lamentar as desgraças: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”, o pai repetiu.
Passados poucos dias, vieram os soldados do rei para levar os jovens para a guerra. Todos os moços tiveram de partir, menos o seu filho de perna quebrada. Os amigos se alegraram e vieram festejar. O pai viu tudo e só disse uma coisa: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”.
Assim termina a história, sem fim e com reticências. Ela poderá ser continuada, indefinidamente. Somos personagens dessa história também. Aquilo de bom ou ruim que acontece conosco, devemos ser sábios para aceitar com resignação.
Lembre-se: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”. (Rubem Alves)
5. Subsídios litúrgicos
Hinos
LCI 462 (início do culto)
LCI 172 (leituras)
LCI 157 (antes e depois da pregação)
LCI 568 (recolhimento da oferta)
Motivação para a confissão de pecados
Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum pensamento mau e guia-me pelo caminho eterno (Sl 139.23-24).
Relacionar situações de intolerância que fazem as pessoas tropeçar. Intercalar com o hino LCI 33.
Glória
Relacionar, junto com a comunidade, sinais de boas atitudes que já percebemos como bons frutos. Intercalar com o hino LCI 142.
Bibliografia
ALVES, RUBEM. Se é bom ou se é mau... Blog sobre Rubem Alves. Disponível em: <https://rubemalvesdois.wordpress.com/2011/07/06/se-e-bom-ou-se-emau/>.
BROWN, Raymond Edward. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. 4. ed. São Paulo: Milenium, 1983. v. 6.
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