Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Marcos 5.21-43

Auxílio Homilético

27/06/2021

 

Prédica: Marcos 5.21-43
Leituras: Lamentações 3.22-33 e 2 Coríntios 8.7-15
Autoria: Carolina Bezerra de Souza e Eriksson Mateus Tomaselli
Data Litúrgica: 5° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 27/06/2021
Proclamar Libertação - Volume: XLV

A vida restituída

1. Introdução

Nos textos designados para este domingo há uma preocupação comum: a vida. Ao lado da vida está a morte, a proximidade da morte como povo ou como pessoa doente ou faminta, e a ação humana e de Deus em favor da continuidade da vida. O texto de Lamentações trata da confissão de culpa e da esperança no cuidado do Senhor para com os seus, fala do clamor do povo ao Deus diante do domínio estrangeiro sobre a terra deles, da destruição de seu centro cultual e da deportação das lideranças para o exílio. O povo busca em Deus a força para seguir a vida. Já o texto de 2 Coríntios fala da graça superabundante de Deus, que se realiza por meio das ofertas que foram recolhidas por essa comunidade para os cristãos de Jerusalém. Paulo chama a comunidade a se espelhar em Cristo para que deseje dividir o que sobra. As ofertas deram vida à fé de quem recolheu e que levaram também vida a quem as recebeu. O texto do Evangelho de Marcos fala da fé que restaura a vida de mulheres por meio de Jesus e fala também da vida religiosa e social de Israel restaurada.

2. Exegese

O texto utiliza um arranjo estrutural em que uma sequência narrativa é interrompida por outra e depois retomada, trazendo interdependência a elas. Como outras edições de Proclamar Libertação já analisaram o texto, focaremos em semelhanças ou oposições que colaborem na compreensão do conjunto.

Este trecho está numa seção do evangelho cujo tema é a aceitação ou não de Jesus e a expansão do reino de Deus. A passagem anterior deu-se em território gentio. Tratou da não aceitação de Jesus, mesmo com o exorcismo da legião, e terminou com as pessoas impressionadas pelo testemunho do homem curado. Agora, o cenário é novamente o território judeu e a temática se mostra no motivo da fé, comum às duas histórias e referida como motivadora da salvação. A fé aparece com personagens que creem (a multidão, Jairo e a mulher com hemorragia) ou não (discípulos e as pessoas na casa de Jairo), e nas palavras de Jesus com a exortação a Jairo e a acolhida da mulher curada da hemorragia.

O primeiro personagem mostrado é Jairo, chefe da sinagoga, uma liderança comunitária leiga relacionada à instituição religiosa oficial, um pai desesperado  que abandonou a religião institucional para pedir que Jesus salvasse sua filha. Porém a narrativa trata de milagres sobre as vidas de duas mulheres e suas  capacidades de ação. Elas são anônimas, estão em grande sofrimento, e tiveram suas vidas restauradas pela fé em Jesus. Apesar do que as une, elas são opostos arquetípicos: uma estava em ambiente privado, tinha família e casa, a outra estava em ambiente público, veio só da multidão e era empobrecida; uma estava inserida na dinâmica sociorreligiosa, a outra não podia pelo sangramento; uma era jovem e a outra sofria há anos; uma estava passiva, a outra resistentemente ativa.

A impureza ritual que o toque em ambas as mulheres poderia trazer é um tema que muitos comentaristas tratam quando abordam essa passagem, mas não é diretamente citado no texto, é oriundo da interpretação. A apresentação da mulher com hemorragia discorre sobre seu sofrimento e empobrecimento, mas não especifica a exclusão social ou religiosa, ao contrário da descrição do endemoninhado gadareno na passagem anterior. Jairo também não apresenta constrangimento com a possibilidade de Jesus tocar sua filha morta. Muitas coisas corriqueiras causavam impureza ritual, ou seja, não era incomum ficar impuro, e, especialmente na área rural, não havia uma rigidez tão grande com esse tema como nas proximidades de Jerusalém. Porém não há como negar que o tema é facilmente lembrado pela conjunção hemorragia, morte e território de Israel. Assim a passagem seria uma crítica direta ao sistema ritual excludente do judaísmo, pois era normal se entender que a mulher era socialmente marginalizada pela condição de constante impureza, que a incapacitava para o exercício da sua fé.

Um tema interpretativo importante para as mulheres é a (in)capacidade das personagens de gerar descendência. A narrativa conta que uma tinha um sangramento há 12 anos, o que certamente a impedia de ter filhos, e a outra estava morta com 12 anos, no início da vida fértil. A não geração de vida era um estigma difícil de carregar para as mulheres, eram como se lhes faltasse a própria vida.

Há muitos aspectos comuns às histórias: duas mulheres, a fé, a cura, a salvação, a corporeidade dos toques em (e de) Jesus, a multidão, 12 anos. A multidão que atrapalha o caminho para a casa de Jairo é ambiente para a cura da mulher, que retarda a ação, aumentando a tensão da cena com a morte da menina, dando espaço para elogio e exortação de fé.

A oposição também marca as histórias. A narrativa da filha de Jairo é direta, usa frases curtas; a da mulher doente usa frases longas e elaboradas e retorna no tempo para apresentação da personagem. A cura da filha de Jairo inicia pública e termina privada; a da mulher começa privada e termina pública. A publicidade da confissão da mulher em meio à multidão contrasta com o silêncio pedido por Jesus sobre a vida restaurada para a moça.

O papel de Jesus também é contrastante. A filha de Jairo é ressuscitada por Jesus por meio do toque proposital. Jesus vence o maior desafio, a morte, antecipando sua própria ressurreição, onde o texto faz uso da mesma terminologia. A passagem está conectada com o messianismo de Jesus, narrativamente reforçado pela seleção dos três discípulos que estavam com ele na transfiguração e no jardim do Getsêmani.

Já a mulher é curada por seus próprios atos: um toque, planejado e executado às escondidas, nas bordas das roupas de Jesus. A cura se dá sem a anuência de Jesus, que não sabe o que houve e procura a responsável pelo fluxo de poder que sentira. Jesus torna-se um veículo para a salvação da mulher pela própria fé. Ele a acolhe, e não a repreende pela atitude inusitada, com um elogio e desejo de vida plena restaurada.

A repetição do número 12 não é coincidência. Ele informa que a filha de Jairo era uma moça e não uma criança e que a mulher sofrera longamente. Trata--se ainda de uma representação das 12 tribos, pois traz à memória a esperança escatológica de restauração de Israel. As duas mulheres representam Israel (incapaz de gerar descendência): por um lado, conectado à religião oficial, sem ação e infantilizado (o pai chama a jovem de filhinha, dando a impressão que é uma criança pequena) e à beira da morte, por outro lado, um povo resiliente, mas adoecido, empobrecido e vivendo em marginalidade. Nessa simbologia, a lição é que o judaísmo precisa abraçar a fé do reino de Deus com uma nova ordem social igualitária, para ser salvo e ter a vida restituída.

3. Meditação

Esses textos bíblicos são riquíssimos de lições e atingem vários aspectos cotidianos. É o desejo pela vida na situação extrema e a fé que movem dois personagens dessa passagem. Ambos tinham fé que Jesus era a fonte da vida plena que desejavam. Jairo é movido pelo amor por sua filha, e deseja que seja salva e viva. A mulher doente há 12 anos deseja ter sua vida restaurada, ela já perdera tudo que tinha nessa busca e não queria seguir naquele tormento. Importa pensar um pouco sobre como se dá essa restituição das vidas.

Por causa da sua fé, na busca desesperada pela vida de quem amava, Jairo teve a coragem de deixar o que lhe dava amparo social e religioso, o ambiente da sinagoga, lugar da religião oficial, e apelar para Jesus, que enfrentava a estrutura religiosa e social. Jairo queria levar à sua casa esse curador popular que falava do reino de Deus. Apesar dessa grande demonstração de fé diante da morte, Jairo ainda é exortado à fé por Jesus, pois a morte não era impedimento, como parecia.

No momento da cura, Jesus entende que a família completa é o quadro que importa, não é aquela aglomeração que lamenta a menina, mas não crê nele. Ele leva consigo seu grupo seleto, o pai e a mãe da criança. A vida é para todas as pessoas da casa, envolve a família, em que nenhuma pessoa é menos importante, ou seja, as mulheres e homens importam igualmente.

Jairo entendia sua filha ainda como uma criança, mas ela era uma jovem começando a independência. Jesus deixa essa condição bem clara quando a chama de moça (algumas traduções usam virgem, outras utilizam menina, o que dá uma ideia equivocada da condição dela). Ele fala dessa forma como parte do restaurar a vida, pois infantilizar a jovem também é lhe tirar parte da existência. As palavras de Jesus completam a restauração da vida ao corpo, infundindo possibilidades de atuação e escolhas.

A mulher buscara incessantemente por sua cura durante 12 anos e terminara pior e empobrecida, mas não desistia. Porém, parece que depois de tamanho sofrimento e degradação, não tem forças para pedir; ela tenta ficar curada sem que Jesus perceba, ela não consegue mais se expor. A dor e a humilhação desumanizam, fazem com que as pessoas se sintam inferiores, queiram se esconder, sejam furtivas. É uma humanidade que demora a se recuperar, por melhor que sejam as oportunidades que possamos entregar a essas pessoas, quando decidimos ajudar.

Ela consegue a cura sem que Jesus conceda, mas não consegue passar despercebida. Em momento algum ela é repreendida, mas é acolhida por Jesus, elogiada e enviada à sua vida cheia de paz e liberta do que a atormentava. Esse acolhimento faz parte do processo integral de cura, pois aprova o comportamento ao reconhecer a gravidade da situação anterior e a luta para revertê-la.

Algumas perguntas nos cabem: estamos prontos a abandonar aquilo que parece seguro e que sustenta nosso edifício social e religioso quando se percebe que a solução, o bem, a fonte da vida não estão ali? Estamos dispostos a acolher a fé que age diferente do que se espera? Estamos dispostos a fazer como Jesus, que acolhe sem acusar, que ouve e entende ao invés de julgar? Ser como Jesus, que exorta a fé sem deixar de agir, que confronta a falta de fé, que ajunta todos da família em igual importância, que entende os problemas dos jovens e fala em favor de resolvê-los?

4. Imagens para a prédica

Penso que se pode usar imagens de ipês e cactos como representativos dessa resistência da vida. O ipê parece seco e morto e no tempo certo explode em flores e cor. Cacto permanece vivo resistindo no ambiente inóspito e na falta do elemento básico da vida que é a água. Também a Rosa de Jericó, conhecida como Flor da Ressurreição, é uma imagem interessante. Quando seca, em contato com a água volta a “viver”. Pode ser uma imagem para a fé em Cristo, que dá (nova) vida.

5. Subsídios litúrgicos

Hinos
LCI 175: Salvação

Saudação
Igreja de Jesus aqui reunida, celebramos este culto em nome de Deus Pai e Mãe, que nos criou e deseja que ouçamos a sua Palavra; em nome do Filho Jesus, que andou entre nós e tocou várias pessoas; e em nome do Espírito Santo, que nos dá entendimento da palavra de Deus e nos ensina a crer nela e em seu Filho Jesus. Assim nos reunimos em nome do Trino Deus, (+) Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Amém.

Kyrie

Mateus 25.31-46 (RedCrearte)
Erli Mansk e Júlio Cézar Adam

Até que venha o teu reino,
o vazio da noite nos invade com o medo.

Até que venha o teu reino,
a secura das fontes murcha a esperança.

Até que venha o teu reino,
cercas e fronteiras impedem relações.

Até que venha o teu reino,
nudez e descaso mancham a dignidade.

Até que venha o teu reino,
ódio e agressão ferem a dignidade.

Até que venha o teu reino,
solidão e doença deixam a vida escassa.

Até que venha o teu reino,
compadece-te de nós e em ti seremos povo bendito.

Kyrie Eleison! Amém.

Bibliografia

MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. São Paulo: Paulinas, 1992.
OBERMAN, Gerardo; RAMOS, Luiz Carlos (Orgs.). Sólo por tu gracia: recursos celebrativos para acompañar la conmemoración de los 500 años de la Reforma. (RedCrearte) Campinas: Texto & Textura, 2016.
RICHTER REIMER, Ivoni. Compaixão, cruz e esperança: teologia de Marcos. São Paulo: Paulinas, 2012.


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Autor(a): Carolina Bezerra de Souza e Eriksson Mateus Tomaselli
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Tempo Comum
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 5º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 21 / Versículo Final: 43
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2020 / Volume: 45
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 64869

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Jamais alguém pode louvar a Deus sem que antes o ame. Da mesma forma, ninguém pode amar Deus se não conhece Deus do modo mais amável e perfeito.
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