Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Marcos 16.1-8

Auxílio Homilético

20/04/2003

Prédica: Marcos 16.1-8
Leituras: Isaías 25.6-9 e I Coríntios 15.19-28
Autor: Martin Norberto Dreher
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa – Ressurreição de Nosso Senhor
Data da Pregação: 20/04/2003
Proclamar Libertação - Volume: XXVIII
Tema: Páscoa

1. O texto

V. 1: Temos três mulheres do grupo daquelas mencionadas em 15.40, discípulas da Galiléia, e que observaram de longe a execução e a morte de Jesus. Duas delas sabem da sepultura. Talvez tenham sido testemunhas do sepultamento (cf. 15.47). Causa estranheza que dois versos mais tarde a segunda dessas mulheres não seja mais designada de a (esposa/irmã/mãe?) de José, mas de a de Tiago, sendo mencionada com uma terceira, Salomé. Teria 16.1 sido acrescido posteriormente para proteger as mulheres da acusação de eventual descumprimento do terceiro mandamento (santificar dia de sábado!)? Como explicar, depois, o embalsamamento do cadáver, se levarmos em consideração que, em clima quente, a decomposição é rápida (verificar, contudo, 14.1-9!). Em todo caso, parece que o cadáver de Jesus ficou sem unção. Como comprar o bálsamo no sábado (novamente o terceiro mandamento!)?

V 2 fala de uma caminhada, antes do alvorecer, no domingo.

V 3: Mateus e Lucas desconhecem o relatado no v. 3. Qual a sua função? Não seria a de sublinhar o contraste que há entre uma sepultura lacrada por mão humana e o milagre de sua abertura como ação divina? O ser humano fecha - Deus abre, milagrosamente. Para a ressurreição, nem o embalsamamento nem a preocupação com o sepulcro lacrado são essenciais.

V 4: viram = tornam a ver. O verbo é o mesmo que o usado em 8.24: anablépein. Elas estavam cegas e tornam a ver. A pedra foi retirada (pretérito perfeito)!

V 5: um jovem vestido de branco, que é a cor celestial. Ele está sentado à direita, que é o lado de onde vem a alegria. O susto: o susto faz parte das epifanias. Por quê? Porque o encontro com aquele que é totalmente diferente de nós nos desarma, imobiliza, comove.

V 6: procurar é termo técnico para a peregrinação (Am 5.5s.). Foi ressuscitado, a formulação passiva oculta o ator: Deus.

V. 7: Não está aqui. A esta formulação é contraposto o essencial Ele vive e estará na Galiléia. A seus discípulos e a Pedro: a fórmula faz parte do mais antigo credo cristão (cf. l Co 15.5).

V 8: a formulação do evangelista é intencional. Não seria chegada a hora de romper com o silêncio imposto por Jesus (9.9; cf. 1.44; 7.36; 8.30)? Ou o texto teria a terrível intenção de afirmar que a pregação pascal não se baseia no testemunho de mulheres, mas única e exclusivamente na experiência de homens, neste caso, dos apóstolos?

2. A discussão do texto

Quem, sendo pregador, faz leitura histórico-crítica dos textos pascais fica bastante desorientado e tem dificuldade com a pregação da páscoa. Essa desorientação vem de constatações críticas: há tensões no texto! As coisas não fecham! Há contradições! A tentação c partir para a apologética ou de harmonizar o texto. Contudo, é bom considerar que até a fixação escrita do texto houve décadas de transmissão oral. Partes da narrativa perderam-se e certamente houve acréscimos. Por isso, não deveríamos espantar-nos com as divergências que existem nos Evangelhos, mas ficar maravilhados com a unanimidade que existe em relação ao que importa. Por isso, o pregador deveria ter a liberdade de tomar o texto assim como o tem diante de si. Quem faz uma leitura histórico-crítica deveria ser suficientemente crítico em relação a si mesmo e dar a um texto o direito de ser simples. Deve também poder concordar que nem tudo o que está escrito pode ser submetido a esquemas e a métodos. No nosso caso, o texto fala de algo que não tem analogia nem correlação: a ressurreição. Podemos fazer a constatação - por analogia e correlação - de que houve pessoas que creram no Cristo ressurreto. Elas próprias afirmam que esta fé vem da ressurreição. Metodologicamente, porém, ficamos pre¬sos à história e somos, portanto, incapazes de confessar que a ressurreição é uma ação que revela o próprio Deus e que nos diz quem ele é. A fé não crê em si mesma e naquilo que conseguiu elaborar historicamente, mas em Deus e naquilo que ele fez. A fé não diz: Viva! Podemos crer novamente porque provamos por analogia e correlação!, mas: O Senhor ressuscitou. Somente a fé sabe disso, porque sabe que é ação de Deus que não depende dela, mas Dele. Quando todos puderem ver o ressurreto, inclusive aqueles que o traspassaram (Ap 1.7), então constataremos que tudo o que pretendemos afirmar a respeito dele terá sido insuficiente (l Co 13.12). E, se chegamos a fazer tal constatação, não nos seria permitido aceitar, agora, o texto de Marcos com suas imperfeições, tensões?

A ressurreição provoca tensões: As mulheres não falam. O tesouro da mensagem da ressurreição não é levado a outros. Terá havido roubo do corpo? Não! As mulheres foram de madrugada e o corpo já não mais estava lá. Elas chegam meio dormindo, vão abrindo os olhos. Dá para acreditar em mulheres? O evangelista anuncia que Jesus vai aparecer a Pedro e aos discípulos, mas esquece de colocar um versículo 9, onde poderia ter falado disso. Nada parece fechar, tudo está confuso. Susto, tremor, fuga... Tudo isto é provocado pelo tremendo que é a ressurreição. E isso a gente não gosta de contar. No entanto, a páscoa nos conclama a pregar e a cantar a confissão cristã: o crucificado ressuscitou! A morte para ele é passado e foi por ele submetida. Deus agiu. Ele foi o primeiro a ressuscitar - nós ainda o experimentaremos.

3. Meditando

a) As formulações do Credo Apostólico são conhecidas: ressuscitou ao terceiro dia. Trata-se da confissão padrão. Será que ainda conseguimos tremer e temer ante a notícia elementar que nos diz que ele ressuscitou? Nossas fórmulas piedosas não vencem a morte. O que causa sensação na páscoa não é o fato de a ressurreição não fazer parte de nossa visão de mundo, de não poder ser comprovada, nem mesmo com sepultura vazia. O que causa sensação tampouco é que Jesus tenha, miraculosamente, desmorrido.

O que causa sensação é que Jesus de Nazaré, o crucificado, foi ressuscitado (passivo!) por Deus. Ou como diz o Apocalipse: Estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos (Ap 1.18). Jesus realmente subjugou essa morte horrível, da qual não conseguimos escapar. Por isso, a sua ressurreição não é simplesmente um novo tipo de interpretação de sua morte, mas o fim dessa morte, vida nova que Deus deu a esse crucificado, de modo que já não morre (Rm 6.9). Nós próprios estamos envoltos pela morte, não podemos escapar dela, mas Jesus Cristo foi o primeiro a tirar dela essa fatalidade definitiva. Ela não tem mais a última palavra!

Só entende a ressurreição quem não contou com ela como uma possibilidade. Só a entende quem a percebe como milagre. As mulheres contam com a morte definitiva de Jesus. Jesus foi amado e merece sinais e gestos desse amor; por isso, é certo e justo que se derrame bálsamo sobre ele. Com esse propósito, elas peregrinam até sua sepultura, assim como nós peregrinamos em finados até as sepulturas de nossos mortos. É um gesto de piedade, com que demonstramos o amor por quem foi, mas que não é mais capaz de perceber nosso gesto.

É nessa condição que olham uma para a outra e vêem: a pedra se foi! A pedra que antes era empecilho, agora já não é mais. Agora, podem fazer o que queriam: embalsamar. E é nessa tentativa de ação inocente que vem o susto e o tremor, que o anjo profere a palavra que perfaz o centro da perícope. A palavra do anjo não é uma fórmula ha muito conhecida, mas uma palavra dirigida a uma situação específica: Buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele foi ressuscitado, não está mais aqui. Aquele que vive não pode ser procurado entre os mortos.

Não está mais aqui. Não devemos pregar sobre a sepultura vazia, mas sobre aquilo que está expresso no não está mais aqui: aquele homem, Jesus de Nazaré, que havia sido posto na sepultura, foi tirado do poder da morte e da sepultura. Aquele que vive não pode ser procurado entre os mortos. Não está mais aqui é um sinal. À páscoa é muito mais do que uma sepultura vazia.

b) Quem pode mais: Deus ou os poderes da morte? Seria errôneo continuar com a pregação, formulando e procurando responder esta pergunta. A páscoa não afirma que a morte foi eliminada. Todos haveremos de morrer. Nossa esperança na ressurreição está marcada pela cruz: o nosso homem exterior se corrompe (2 Co 4.16). É errado perguntar, se Deus pode vencer a morte. No Salmo 115.3, o salmista já afirma: No céu está o nosso Deus; e tudo faz como lhe agrada. A única pergunta que podemos formular na manhã da páscoa é se Deus o quer. Será que Deus quer ressuscitar o crucificado?

O v. 6 afirma que Jesus de Nazaré é o crucificado. Será que, na manhã da páscoa, ainda soam em nossos ouvidos as palavras de Mc 15.37 que nos dizem que o crucificado foi abandonado por Deus, que deu um grande berro antes de morrer, o berro do abandonado? A sexta-feira santa revela-nos todo o ódio que seres humanos são capazes de sentir em relação a Deus. Revela-nos igualmente que Jesus, mesmo assim, permanece ao lado dos seres humanos até o fim. Por causa dessa sua solidariedade para conosco é rejeitado por Deus. Os seres humanos voltam-se contra ele; depois Deus volta-se contra ele. Ele experimenta tudo isso em nosso lugar. A afirmação de que Deus volta-se contra Jesus é o inferno. O sábado de aleluia é uma situação de inferno. Nem mesmo o perfume, o bálsamo pode alterar esta miserável situação. Deus afastou-se daquele que o representou entre os seres humanos. Quem quiser afirmar que Deus teria que ressuscitar a Jesus de qualquer jeito ainda não entendeu o que aconteceu na sexta-feira santa. Ou melhor: não entendeu nada!

Cuidado, porém. Não estou dizendo que o pregador deva transformar o Pai de Jesus de Nazaré em um maníaco sádico. A sexta-feira santa também faz parte do Evangelho. Também ali Deus faz o bem.

Certamente não o faz como aquele deusinho que já está acostumado com as nossas malandragens e que nos promete que, no futuro, não nos levará mais tão a sério. Pelo contrário: em todo o seu amor em relação a nós, Deus continua a ser o santo. Ele leva-nos tão a sério que mio minimiza nossa situação de conflito. A páscoa é um ato de Deus que é diferente dele próprio. Deus é infiel a si mesmo: dá vida quando deveria conceder a morte! O que é que Deus faz na páscoa? Ele diz sim no rejeitado, aceita-o, dá-lhe vida que não se corrompe e uma posição-chave em seu reino. A páscoa é juízo de Deus. É o veredito de Deus em relação àquilo que aconteceu na cruz: Deus é pró Jesus, por isto pró no b is (por nós). Entregue por causa das nossas transgressões, ressuscitado por causa de nossa justificação (Rm 4.25). Este versículo, aliás, é a exegese de Buscais (...) o crucificado? (Deus) o ressuscitou. Aqui reside o fato tremendo da páscoa: Deus dá a vida a quem aceita e a quem ama.

Então, desponta o sol para quem estava na situação de antes do despontar do sol. Todos os pequenos e grandes problemas que antes existiam e que continuarão a existir serão coisas penúltimas diante do último: Deus disse sim a nós.

c) O v. 7 dirige o nosso olhar para o ressurreto. As mulheres recebem a incumbência de dizer aos discípulos que se dirijam à Galiléia. Lá começou a revelação de Deus (Mc 1.14). Lá, eles o verão. Lá a revelação se completa. Lá, nos últimos (tempos, Deus) tornará glorioso o caminho do mar, além do Jordão, Galiléia dos gentios (Is 8.23; Almeida: 9.1). Lá, onde sempre se disse para as pessoas que Deus não se interessava por elas. Lá, onde se disse às pessoas que não serviam para Deus. Lá, o ressurreto mostra-se aos seus, para que eles o tornem conhecido em todo o mundo. Aparição é envio.

As mulheres de nosso texto nada deixam entrever da fé pascal. No sepulcro, não encontraram a Jesus. A palavra do anjo diz-lhes que podem contar com o Jesus ressurreto. A fé pascal, porém, só acontece quando a comunidade o vê. O Cristo ressurreto é parceiro de sua comunidade. Podemos falar com ele, assim como ele fala conosco. Podemos chamá-lo de tu. Podemos invocá-lo, pois ele é rico para com todos os que o invocam (Rm 10.12). Ele ressuscitou e vai à frente de sua comunidade.

Ele vai adiante de vós. Será que ele vai adiante de nós como Deus foi adiante de seu povo por ocasião do êxodo (Êx 33.14), ou será que ele vai adiante de nós para terra da Galiléia dos gentios, dos que nada são. Creio que podemos pensar ambas as coisas, sempre cientes de que ele nos precede e que, quando lá chegarmos, ele já estará lá. Com isto, não estou dizendo que todo o mundo já é cristão. É necessário que o mundo veja o Senhor e, para isto, são necessários a palavra e o sacramentos. Podemos, porém, confiar que ele já estará em qual quer casa, em cuja porta batermos. Ele pensou em todas as pessoas Busca uma igreja que se alegre com sua presença e que, em conseqüência, tenha a coragem de servir.

Bibliografia

GRUNDMANN, Walter. Das Evangelium nach Markus. 8. ed. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1980.
SCHWEIZER, Eduard. Das Evangelium nach Markus, Göttingen:Vandenhoeck & Ruprecht, 1968.

Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Martin Norberto Dreher
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa

Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 16 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2002 / Volume: 28
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7053

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