Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Lucas 23.33-49

Auxílio homilético

17/04/1981

Prédica:Lucas 23.33-49
Autor: Norberto Berger, Rodolfo Gaede e Vitório Krause
Data Litúrgica: Sexta-Feira Santa
Data da Pregação: 17/04/1981
Proclamar Libertação - Volume VI
Tema: Sexta-Feira Santa

I - Considerações exegéticas

l. Comparação sinótica

Nos relatos da paixão observa-se forte semelhança entre os evangelhos sinóticos. Entretanto, em Lucas, especialmente em nosso texto, há diferenças marcantes:

a) Chamamos a atenção para o termo KAKOURGOI ( = criminosos - vv.33 e 39). Mateus (27.38) e Marcos (15.27) usam o termo LÊSTAI ( = ladrão, assaltante), enquanto João (19.18) não especifica, limitando-se a dizer ALLOUS DYO( = outros dois). Lucas, em 10.30, usa LÊSTAI para designar os assaltantes. Se Lucas, no relato da paixão, evita usar este termo, é porque pretende, com KAKOURGOI, preparar o escopo do relato, que gira em torno do diálogo de Jesus com os dois criminosos.

b) Uma das características de Lucas é que, além de utilizar fontes como Mc e Q, ele faz uso de matéria exclusiva. Os seguintes trechos são matéria exclusiva de Lucas: vv.33b-34a; 35a; 36-37; 39-43 e 46.

Na história da paixão Lucas tem a sua estrutura própria e coloca novos acentos. Exemplo: o amor de Jesus pelos pecadores, pobres e desprezados (linha mestra de todo seu evangelho). O diálogo com os criminosos é uma concretização deste amor, que vai até à morte.

Uma particularidade de Lucas é interpretar o sofrimento e a morte de Jesus nos seguintes termos: um homem obediente, inocente, travou um bom combate até o fim, e assim cumpriu exemplarmente o plano de Deus. A paixão de Jesus é compreendida mais como martírio do que como obra salvífica. (Krische, p. 196) Compare a palavra do centurião em Marcos e Lucas: verdadeiramente este homem era Flho de Deus (Mc 15.39b) e verdadeiramente este homem era justo (Lc 23.47).

A oração de intercessão de Jesus (v.34) é típica oração de mártires. Veja também o martírio de Estêvão em Atos 7.54ss. Esta analogia entre a crucificação de Jesus e o apedrejamento de Estêvão não é mera coincidência, mas define a opção consciente de Lucas.

Lucas apresenta o período da ação de Jesus, desde 4.13 até 22.3, como sendo o período da ausência de Satanás. Em 22.3 o inimigo volta e reassume sua investida contra Jesus. É particularidade de Lucas colocar a ação de Judas sob responsabilidade de Satanás, enquanto os outros sinóticos declaram-na uma decisão de Judas. Lucas quer com isso realçar o caráter de martírio da paixão e morte de Jesus; isto é, o mártir é envolvido pelas mais sérias tentações, mantém, porém, firme a sua incumbência e assim convence opositores e expectadores (veja 23.41 e 47ss.).

Embora o relato de Lucas testemunhe a paixão de Jesus como a de um mártir, no pedido do criminoso (Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reino.) abre-se o horizonte escatológico deste evento.

2. Observações no texto

a) V. 34a: . . . Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. A intercessão de Jesus é colocada no nosso texto em lugar de uma confissão de culpa do condenado, típica no judaísmo. Jesus, em vez de confessar culpa, pede perdão pelos que o crucificam.

Esta palavra, que é matéria exclusiva de Lucas, foi omitida (Schelkle, p.28) por alguns escritos posteriores com o objetivo dogmático de reter aos judeus a culpa pela morte de Jesus. A omissão da oração de Jesus, por outro lado, teria como motivo a contradição entre a mesma e o texto anterior (Lc 23.27-31) em que Jesus acusa os judeus. Observando a característica de Lucas, de apresentar Jesus como mártir, concordamos com os exegetas que colocam esta palavra como sendo original de Lucas. Esta oração deve ser compreendida no sentido universal. A tese de que se restringiria aos soldados romanos é insustentável porque a pergunta se os escribas, sacerdotes e membros do Sinédrio sabiam o que estavam fazendo, fica aberta. Esta oração abrange toda a nossa vida, todo o nosso orar, todos os homens, ambos: bons e maus. (Lutero)

b) Vv.35-39: O triplo escárnio do desafio à auto-ajuda. É um escárnio literariamente colocado em ordem crescente: os membros do Sinédrio, os soldados e o criminoso. Trata-se de uma tentação de Jesus com relação à sua obra messiânica. Este argumento não se baseia apenas em Lc 4.2-4, mas também nos títulos que as autoridades atribuem a Jesus: Cristo de Deus, o escolhido (v.35b). O que aqui quer ser realçado é a absoluta solidão de Jesus em meio a judeus e pagãos.

Jesus vence a tentação. Desiste de qualquer auto-ajuda. E exatamente assim ele continua fiel ao seu envio e cumpre o plano de Deus.

c) V.46: Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito. A comunidade primitiva utilizou-se da oração do SI 31.6 para expressar a entrega confiante de Jesus à morte assim como os fiéis do AT, antes de dormir, entregavam-se a Deus na esperança de, na manhã seguinte, receber de novo a vida de suas mãos.

d) Vv.39-43: Jesus entre os dois criminosos. Esta passagem exclusiva de Lucas acentua a solidariedade de Jesus com os pecadores, com todos os homens, característica de todo seu evangelho.

e) V.43: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso. Paraíso não deve ser compreendido como um lugar geográfico, como um estado, e, sim, como expressão de comunhão definitiva com Jesus. Esta comunhão não é apenas transcendental e futura, mas se realiza já aqui na terra, na sua paixão. Neste hoje se abre uma promessa e um cumprimento da comunhão com o crucificado.

f) V.45: E rasgou-se pelo meio o véu do santuário. Também esta faceta do relato de Lucas destaca a solidariedade de Deus com o mundo. O dilaceramento do véu do templo quer sublinhar que não há mais nada que possa separar os homens do amor de Deus e de sua presença compassiva (veja Rm 8.38-39).

g) V.47: ... o centurião ... : verdadeiramente este homem era jus¬to.

Alertamos para a tradução do termo DIKAIOS. Lutero traduz: piedoso. Observando, porém, o escopo do relato da crucificação de Jesus, em Lucas, consideramos mais convincente a tradução de Almeida: justo. Isto porque justo expressa melhor a amplitude da obra e ação de Jesus confor-me o Evangelho de Lucas.

II – Meditação

O escopo de nosso relato deve ser procurado na cena do diálogo entre Jesus e os dois criminosos. Ali são levantadas perguntas que nos conduzem ao cerne da mensagem da Sexta-feira Santa. A colocação do primeiro criminoso questiona radicalmente a autenticidade messiânica de Jesus: Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também. (v.39) O silêncio de Jesus é a resposta a um pensamento distorcido, desvirtuado a seu respeito. Jesus não é o rei que satisfaz na hora certa o desejo de cada um. Também não é o rei que utiliza seu poder em benefício próprio.

Não podemos minimizar o profundo sofrimento e desespero do criminoso crucificado à esquerda de Jesus; no entanto, é intenção nossa chamar a atenção para o aspecto do incurvatus in se e realçar a Uberdade de Jesus de praticar o esvaziamento. Jesus tem resposta para o criminoso crucificado a sua direita (Dimas), que descobriu não um libertador esplêndido e assistencialista, mas alguém que oferece comunhão na cruz, na paixão e na morte. Dimas descobriu o poder de Deus na fraqueza. Isto é fé.

A atitude de Jesus inverte os valores de um mundo que pensa sempre a partir do poder. A subversão desta ordem é um auto-esvaziamento em favor dos outros. Por isso a concepção de Igreja deve fundamentar-se na teologia crucis e não na teologia da glória. Na Igreja cristã, sempre quando a lembrança da cruz de Cristo tornou-se viva, houve rompimento com o pensamento reli-gioso que legitima os poderes do mundo; em consequência disso, praticou a Igreja solidariedade para com os humilhados e perseguidos por estes poderes. (Moltmann, p. 110s.) A Igreja sob a cruz nunca é Igreja para o povo, mas do povo. (Moltmann, p. 111). Uma Igreja assim concebida procura ser humilde e ter uma profunda sensibilidade e solidariedade para com o povo.

Perguntamos se a proclamação da cruz de Cristo na IECLB não é apenas um saudosismo religioso, que coloca a Igreja ao lado do poder. Salva-te a ti mesmo e a nós também. O criminoso curvado em si busca auxílio em um Cristo do poder, que tem resposta e solução prontas à disposição; um Cristo de atendimento e não um Cristo-diácono.

Jesus, em sua paixão e morte, exerce um serviço de solidariedade, assumindo a fraqueza, a ponto de morrer junto na cruz, eliminando assim toda e qualquer distância entre Deus e os homens, para criar a comunhão ativa e definitiva com Deus. Esta comunhão definitiva é expressa exatamente na resposta que Deus dá a Dimas: Hoje estarás comigo no paraíso. Esta resposta é tão abrangente que ultrapassa inclusive os limites da morte.

III – Escopo

A paixão e morte de Jesus Cristo são uma prova da solidariedade de Deus com o homem que sofre a cruz do desprezo, da pobreza e da marginalização, eliminando a distância para criar, através da fé a comunhão definitiva e ilimitada com Deus.

IV — Esquema para prédica

1. A prédica poderá ser introduzida com a análise do conceito de Messias desenvolvido pelo criminoso crucificado à esquerda de Jesus:

a) Dar detalhes concisos sobre os criminosos (zelotes, subversivos).

b) O pedido do criminoso do lado esquerdo limita-se a um desejo momentâneo: escapar com vida. Por outro lado, revela um conceito distorcido de Jesus, vendo nele não o solidário na vida, paixão e morte, mas apenas o Jesus assistencialista e distante (analisar o oportunismo religioso de hoje: trabalho de atendimento da Igreja, Deus resolve meus problemas de saúde, matrimônio, escola, negócios, etc.).

2. Num segundo passo a prédica poderá observar a atitude de Dimas: ele colocou sua situação pessoal em segundo plano. Descobriu em Jesus o Deus que é forte na fraqueza. Esta descoberta questiona uma Igreja (comunidade) voltada para si mesma, que em sua atitude parte da auto-realização, da glória e do triunfalismo, e que por omissão ou opção justifica o poder que oprime e marginaliza.

3. Para concluir, a prédica poderá analisar a resposta de Jesus ao pedido dos criminosos:

a) Ao primeiro Jesus responde com silêncio. Neste caminho não vamos encontrá-lo.

b) Na resposta a Dimas encontramos o Jesus que oferece solidariedade e comunhão totais e definitivas.

Aceitar o presente da fé neste Jesus que elimina toda e qualquer distância entre nós e ele - presente visível e palpável sobretudo na Santa Ceia – é o que dá sentido e força à nossa vida cristã.

V — Bibliografia

- KRUSCHE, P. Meditação sobre Lucas 23.33-49. In: Calwer Predigthilfen. Vol.7. München. 1968.
- MARXSEN W. Einleitung in das Neue Testament. 2.ed. Gütersloh, 1964.
- MOLTMANN, J. Kirche in der Kraft des Geistes. München, 1975.
- RENGSTORF, K. H. Das Evangelium nach Lukas. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol.3. Göttingen, 1968.-

Proclamar Libertação 06
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Norberto Berger, Rodolfo Gaede e Vitório Krause
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Sexta da Paixão

Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 23 / Versículo Inicial: 33 / Versículo Final: 49
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1980 / Volume: 6
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7128

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