Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

João 9.1-41

Auxílio Homilético

02/03/2008

Prédica: João 9.1-41
Leituras: 1 Samuel 16.1-13; Efésios 5.8-14
Autor: Marga J. Ströher
Data Litúrgica: 4º Domingo na Quaresma
Data da Pregação: 02/03/2008
Proclamar Libertação - Volume: XXXII

1. Reflexão sobre o texto

O Evangelho de João é rico em imagens simbólicas e metáforas. Essa perícope não deixa de apresentar essas características. Luz, trevas, noite, dia, ver, não ver, ser cego, enxergar são alguns dos elementos metafóricos ou simbólicos que se destacam. Contudo, a simbologia não retira a materialidade e a concretude do texto, tanto na dimensão do contexto social como da experiência religiosa e de fé das pessoas envolvidas no relato.

Jesus, ao caminhar, vê um cego. Ele vê a quem não vê, a quem jamais viu o brilho da luz, o contraste das sombras, a diversidade das cores. É uma profundidade de olhar, porque não é um olhar furtivo, mas um olhar que percebe. Esse olhar de imediato desinstala, pois quem com ele caminha percebe que Jesus olha prestando atenção àquele cego de nascença, que sentado mendigava (v. 2 e 8). Instala-se um debate sobre pecados, culpas, responsabilidades em torno da situação física da cegueira daquele homem. Jesus redireciona a motivação da discussão, falando da manifestação das obras de Deus. Isso nos causa estranheza e desconforto: por que alguém precisa sofrer para que a obra divina seja manifesta? Contudo, considero interessante esse novo enfoque que Jesus dá à condição da deficiência, separada da idéia de doença ou de culpa. Ninguém pecou, nem o deficiente, tampouco seus pais. E Jesus logo executa o processo de cura, utilizando elementos rudimentares e estranhos, misturando elementos de seu corpo com os da terra – saliva e terra. A cura causa estranheza e discussões entre os vizinhos e conhecidos do cego, que levam o caso aos fariseus, um grupo de autoridade religiosa influente na sociedade.

O medo dos pais pela cura ocorrida os emudece. Eles se esquivam diante da discussão estabelecida em torno da cura, que, na verdade, manifesta um conflito religioso e, ao mesmo tempo, o temor diante dos fariseus. Interessante, contudo, é que os pais colocam o filho como sujeito, ao dizer que ele já tem idade para responder por si próprio (v. 21). Esse homem, aparentemente um jovem, é interrogado e passa a discutir em tom quase irônico, destacando o milagre acontecido, e que tal feito só pode vir de Deus. Esse confronto faz com que ele seja posto para fora do espaço em que se encontra, provavelmente a sinagoga. E o relato continua no encontro de Jesus com o cego. Aqui se evidencia a cidadania religiosa desse homem em reconhecer Jesus como o enviado de Deus e decidir pelo seguimento.

2. Texto e prédica – Ensaio de um possível diálogo

O texto indicado para a prédica é longo. Sugiro a leitura completa, mas para a prédica decida-se pelo destaque em alguns pontos. Os possíveis enfoques poderiam ser: desconstrução da idéia da deficiência como doença ou pecado, cura, vizinhos, cegueira física, cegueira simbólica, peca quem tem visão e não quer ver, luz.

Proponho uma espécie de brincadeira ou diálogo entre o texto e uma poesia, na verdade, a letra de uma música, também rica em elementos simbólicos, permitindo interpelações mútuas entre os dois textos.

2.1 – A interpelação da poesia
Os olhos... os dedos... a luz1
Os olhos
Os olhos nasceram zeros
tivemos que ver com os dedos
e se tornou mais difícil
saber da vida os segredos...
Os dedos
Os dedos de ver, de ler, percorrerem o livro
o alfabeto dos dedos é suave
a memória dos dedos perdura.
A metáfora lida
pelos dedos também vai à alma
a alegria de ler com a gema dos dedos
comove
e nossos olhos que pareciam inúteis
choram.
A luz
Crianças brincarão de roda
em roda de nós
cantos de pássaros
voarão sobre o nosso destino
o vento jogará
pétalas em nosso rosto.
A chuva cairá
sobre nossos ombros.
Alguém nos beijará nos olhos
ver não é tudo.
[Os olhos nasceram zeros
tivemos que ver com os dedos].

2.2 – Diálogo entre os dois textos
Os olhos
Os olhos nasceram zeros
tivemos que ver com os dedos
Observando um bebê, vemos que aprendemos a ver com os dedos. O tato é tão imprescindível, que a visão parece ficar quase em segundo plano. Mais do que o ver, parece que o sentir, o tocar objetos e pessoas é que proporciona conhecimento e percepção da realidade. Somos seres em relação, inter-relacionais, e por isso a necessidade do toque corporal torna-se tão importante.

Os dedos
Os dedos de ver, de ler, percorrerem o livro
o alfabeto dos dedos é suave
a memória dos dedos perdura.

Jesus prepara uma pasta de saliva e terra, que se torna o elemento de cura. Ele parece brincar de lama como uma criança que inventa as suas “curas” na hora das brincadeiras. Sabe-se, contudo, do poder de cura da lama e do costume da aplicação de bálsamos pelos “oculistas” desse tempo para as vistas cansadas. Jesus toma a lama em seus dedos e aplica-a nos olhos do cego. Como diz a poesia, o alfabeto dos dedos é suave, a memória dos dedos perdura. Quem já teve seus olhos acariciados pela leveza de dedos cuidadosos sabe o poder de relaxamento e alívio que esse gesto propicia. A metáfora lida pelos dedos vai à alma, acalma, cura, comove.
 

A luz
Crianças brincarão de roda
em roda de nós
cantos de pássaros
voarão sobre o nosso destino
o vento jogará
pétalas em nosso rosto.

Jesus alerta que ainda há dia e tempo de trabalhar, mas também virá a noite. Mas também afirma: “Eu sou a luz do mundo” (v. 5). Essa luz de alegria, conforto, cura e salvação pode ser vinculada simbolicamente a crianças que brincam e à manifestação da natureza e nós em paz com ela.
 

A chuva cairá
sobre nossos ombros.
Alguém nos beijará nos olhos
ver não é tudo.

Jesus diz: Eu vim para que os não vêem, vejam, e para que os que vêem, tornem-se cegos. Reagindo a essa afirmação, seus oponentes perguntam: Será que somos cegos?

Os olhos nasceram zeros, tivemos que ver com os dedos – Nossos olhos nasceram cegos, aprendemos a ver com os dedos. Ver não é tudo – junto ao ver vem o perceber, discernir, sentir, acolher, tocar. Aqui destaco a dimensão corporal e material da espiritualidade. Esse homem cego não estava limitado por uma cegueira física, mas, em conseqüência de sua cegueira, condenado a uma condição da mendicância pela sociedade excludente e incapacitante, portanto cega às necessidades e à situação de vulnerabilidade de um ser humano, um de seus cidadãos. Sair da cegueira, no caso desse cego, é a possibilidade de assumir a dignidade humana e a cidadania.

A cura de Jesus envolve diversas dimensões: a físico-corporal, a social e a religiosa. A cura estabelecida por Jesus nesse relato de milagre ocorre a partir do olhar e do contato físico corporal, aliado à dimensão da ternura. Colocar lama nos olhos exige cuidado e afetividade, pois é uma das áreas mais sensíveis de nosso corpo. Esse contato corporal e afetivo, essa suavida¬de de Jesus convida-nos a viver uma espiritualidade na suavidade, nem por isso descomprometida da dimensão da justiça, da solidariedade e do amor ao próximo. Esta é a radicalidade da luz de Cristo: a de sair da escuridão das limitações sociais e da injustiça, da vivência de fé formal, para a dinamicidade da espiritualidade viva e atenta aos desafios do contexto em que vivemos. Jesus diz: “Eu sou a luz do mundo”. Vivamos em sua luz.

3. Pensando na liturgia
O texto de 1 Samuel fala da escolha do rejeitado e sem aparência como o escolhido de Deus. É possível fazer uma analogia com o cego mendigo, do qual trata o texto da prédica. O texto de Efésios menciona a luz. Sugiro que, após a leitura da epístola, a comunidade seja convidada a responder com o seguinte hino:
Que a luz de Cristo brilhe, nos envolva em amor
e o teu poder nos venha proteger
e sempre, e sempre, e sempre, amém.


Nota:
1 VEPPO, Luiz Guilherme do Prado. Os olhos... os dedos... a luz. In: Outono em canto (CD – Org. Ellen Rolim).
 


Autor(a): Marga J. Ströher
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 4º Domingo na Quaresma
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2007 / Volume: 32
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 24205

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