Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

João 14.23-27

Prédica

20/05/2015


Baseado em João 14.23-27 em conexão com Números 11,25 e Atos 2:1-13

Os textos que lemos hoje apontam para a vinda do Espírito Santo.
Estaremos celebrando o dia de Pentecostes no próximo domingo, mas já agora comecemos a nos preparar para data tão importante do calendário da Igreja.

A Igreja tem celebrado a festa do Pentecostes, através dos séculos, usando a imagem do Espírito que desce sobre o mundo, sobre a humanidade. Dá a impressão de que o Espírito estava fora da criação de Deus, nalgum lugar. Mas o Espírito nunca esteve fora. O Espírito sempre esteve dentro, sendo parte constitutiva, originária. A linguagem metafórica de “descer” ou “descer sobre” tem a finalidade de comunicar o movimento do Espírito em nós, dentro de nós e dentro da criação de Deus. Como a respiração que entra nos nossos pulmões e os enche e só sai para poder entrar de novo. O Espírito é assim; é a respiração primordial que faz todas as coisas serem o que são. Ela é o sopro cósmico de onde todas as coisas nasceram e a quem todas as coisas pertencem. Antes do mundo ser criado, o Espírito de Deus pairava sobre o caos. Antes de dizer a primeira palavra, aquele princípio iniciador de toda a vida, Deus teve que respirar. O princípio iniciador da vida, a respiração primordial é o Espírito. Ela é a força vital da vida, é a capacidade que nos habilita a nos relacionar uns com os outros, a nos comunicar umas com as outras, a criar comunidade e a articular a linguagem do amor.

No texto de Números, Moisés estava exausto, pois o cuidado com o povo demandava demais e ele já não estava sendo capaz de cumprir com a tarefa que lhe fora confiada. Moisés preferia morrer a continuar sendo o único líder. Deste modo, Deus instruiu-o a escolher 70 anciãos, pessoas adultas, para com ele compartilhar a tarefa de cuidar do povo. Uma vez que estavam todos juntos, Deus deu-lhes parte do Espírito que habitava em Moisés. Quando o Espírito “desceu” sobre eles, foram todos capacitados para a tarefa de liderar e de cuidar do povo; eles assumiram, deste modo, responsabilidades que nunca tinham tido antes.

No livro de Atos, todos falavam uma língua diferente e o Espírito foi o modo através do qual aquelas diferenças foram reunidas num entendimento comum.
A experiência de Atos é a experiência da comunicação profunda e significativa; é a experiência de cruzar barreiras para encontrar a outra pessoa onde ela está; é a experiência de aprender a apreciar as diferenças que compõem a humanidade. O Espírito de Deus em Atos não transformou as diferentes línguas numa só, pois Deus ama a diversidade. Deus quer que aprendamos a apreciar as diferenças que existem na sua criação e a amar a diversidade.

Comunicação não tem a ver com falar a mesma língua ou viver de maneira semelhante, mas tem a ver com aquilo que nos reúne, que nos conecta. Está para além das línguas; está atrás das palavras. É acerca daquilo que nos aproxima, que nos impulsa na direção do outro.

Na leitura do Evangelho Jesus fala aos seus discípulos acerca da comunidade depois que ele morrer. Jesus ensina duas lições: ele vai partir, mas ele não os deixará órfãos. O Espírito permanecerá como um companheiro que os capacitará a viver juntos ao redor da Palavra que é para ser vivida como amor.

Em João 14,23-27 Jesus responde à questão feita por Judas. Jesus diz: dentro em pouco e vocês já não me verão, mas porque eu vivo, vocês também viverão”. Judas o pressiona para que Jesus dê mais informações; Judas pergunta: “como é que você vai revelar-se para nós e não para o mundo?” (João 14,22).

Parece que ao fazer esta pergunta, Judas estava esperando uma resposta reveladora de todos os mistérios ainda não expostos por Jesus acerca dele mesmo. No entanto, a resposta de Jesus aponta para duas direções que vão além de si próprio: 1. A Palavra e 2. O Paracleto.

A resposta de Jesus diz: “ se a pessoa me ama, guardará as minhas palavras, (mensagem) e o meu Pai a amará”. Esta forma condicional do grego clássico denota alguma coisa que pode vir a acontecer.

“Guardar” (tereo) as palavras de Jesus (ou a sua mensagem) implica em guardar os seus ensinamentos, as suas ordenanças (João 14:15 e 21). Os significados básicos do verbo tereo are: vigiar, segurar, reservar, preservar alguma coisa ou alguém; não perder, cumprir, observar, dar atenção; eu diria: abraçar.
“Abraçar” as palavras de Jesus é mais que obedecê-las; é considera-las importantes, toma-las como referencia, valorizá-las ao ponto de criar espaço para elas na nossa vida diária; é guarda-las no nosso coração permitindo que elas nos guiem e nos moldem.

Guardar as palavras de Jesus tem a ver com amá-lo. A resposta de Jesus para Judas estabelece o amor como uma pré-condição para “guardar” as sua palavras. E como amamos Jesus? Amando as outras pessoas. O amor a Jesus implica diretamente no amor aos nossos vizinhos/vizinhas. Implica em lavar os pés uns dos outros (João 13,24). No entanto, guardar as palavras de Jesus é amá-lo e amá-lo é amar as outras pessoas com todas as suas diferenças.
O exercício de amar aqueles e quelas que são diferentes de nós não é óbvio nem automático. Leva tempo, envolvimento, compromisso; requer aprender a valorizar a diferença. Talvez nos cansemos neste processo; talvez até nos sintamos exaustos, como Moisés. Talvez prefiramos esquecer tudo e todos. É aí que precisamos de um ajudador ou uma ajudadora.

O evangelho diz: “O Auxiliador, o Espírito Santo, que Deus vai enviar em meu nome, ensinará a vocês todas as coisas e fará com que se lembrem de todas as coisas que eu disse a vocês” (João 14,25). Quando as discípulas e os discípulos de Jesus “esquecem” como “abraçar” as palavras de Jesus, o Paracleto está lá para nos lembrar como fazê-lo.

A palavra Paracleto está relacionada ao verbo parakaleo que significa “trazer para o lado”, “colocar alguém do seu lado” com o fim de oferecer ajuda. A palavra tem também um significado legal que é “ajudadora na corte judicial”, o que permite que a palavra seja traduzida como “conselheira”, “advogada” ou “alguém que fala pela outra pessoa”.

Esta palavra ocorre cinco vezes no Novo Testamento. É usada em 1João 2,1 para se referir a Jesus; e quatro vezes no discurso de despedida de Jesus no evangelho de João. (14,16 e 26; 15,26; 16,7).

O Paracleto ou Espírito Santo é a nossa ajudadora ou o nosso ajudador; é aquela que nos ajuda a lembrar como viver as palavras de Jesus quando nós nos esquecemos; fala para nós quando não temos palavras; nos inspira com novas idéias quando as nossas idéias se exauriram; convence-nos da paz; nos ensina todas as coisas e nos faz lembrar de tudo.

Lembrança não é um processo que acontece em isolamento; é processo comunitário. O Espírito nos faz lembrar. Eu não estou negando que cada um de nós, individualmente, tenha os seus próprios processos de pensar, refletir, analisar, reconstruir e confrontar o que nós aprendemos e como vivemos enquanto indivíduos, mas o processo coletivo de “lembrar” é o que torna possível abraçar as palavras de Jesus como comunidade. Lembrar é reconstruir no presente aquilo que nós imaginamos que aconteceu no passado; é re-interpretar para este preciso momento o significado das estórias e das palavras; é re-inventar através de gestos concretos os conteúdos do amor. Para viver este processo de reconstrução da memória, nós precisamos uns dos outros, umas das outras. Ao outro pertence o rosto que tínhamos esquecido. O outro é o lugar do nosso amor. O outro pode ser uma pessoa, uma comunidade, um povo. Outro é o que está fora de nós mesmos e aos mesmo tempo carrega a capacidade de nos desafiar, empurrar, nos modificar, nos odiar e nos amar. O outro é quem nos compele a sair do isolamento e nos tornar comunidade.

Pentecostes é a experiência de nos tornarmos comunidade com aquelas e aqueles que não são como nós, que não pensam como nós, que não partilham a mesma fé, que não falam a mesma língua, que não tem o mesmo referencial cultural. Pentecostes é a oportunidade de nos comunicarmos de modos nunca antes experimentados, de cruzarmos as nossas fronteiras, de alargarmos as nossas compreensões e os nossos horizontes.

Há uma onda crescente de intolerância e de incitação ao ódio no Brasil e no mundo nos últimos anos. Quem circula pelas mídias sociais sabe quão violentos são os discursos e o tratamento entre as pessoas. É muito perturbador ver o nível de desrespeito e a deselegância das “conversas” (insultos) não só nas redes sociais, mas nas ruas, nos supermercados, nos lugares por onde a gente circula normalmente. A mídia de grande porte, por sua vez, além de se constituir num partido político disfarçado de empresa de comunicação, faz o jornalismo da desgraça e da mediocridade. Deste modo, tanto a Organização das Nações Unidas quanto os governos nacionais têm feito o enfrentamento legal e de outras naturezas no que diz respeito, por exemplo, ao discurso de ódio.

Discurso de ódio (tradução do inglês: hate speech) é, de forma genérica, qualquer ato de comunicação que inferiorize uma pessoa tendo por base características como raça, gênero, etnia, nacionalidade, religião, orientação sexual ou outro aspecto passível de discriminação.

No direito, discurso de ódio é qualquer discurso, gesto ou conduta, escrita ou representada que seja proibida porque pode incitar violência ou ação discriminatória contra um grupo de pessoas ou porque ela ofende ou intimida um grupo de cidadãos.

Há consenso internacional acerca do fato de que discursos de ódio devem ser proibidos pela lei, e que essas proibições não ferem o princípio de liberdade de expressão.

O código penal alemão considera crime incitar ódio contra segmentos da população ou invocar ações violentas ou arbitrárias contra eles (Código Penal Alemão, seção 130). Também é considerado crime insultar e difamar segmentos da população. É proibido negar o holocausto e glorificar o regime nazista. O pessoal que quer a volta da ditadura militar o Brasil, responderia por crime e lhes caberia pena de acordo com o código penal alemão.


O discurso de ódio atingiu também as comunidades de fé. Há grupos extremistas que, em nome do cristianismo, têm agredido Igrejas Católicas, quebrado ou feito xixi em santos, destruído terreiros de candomblé e centros de Umbanda. Em Duque de Caxias um terreiro foi queimado; totalmente destruído. O CONIC-Rio está iniciando uma campanha de reconstrução deste terreiro. A religião cristã não é violenta e não pode ficar com a marca da intolerância religiosa. Nós temos uma história difícil neste sentido; já conduzimos algumas guerras, que foram chamadas de “guerras santas”, mas que de santas não tinham nada. O cristianismo precisa reverter esta história! Deus não precisa de guerreiros; Deus quer pacificadores. Jesus morreu na cruz num ato profundo de não violência. Chega de guerra, chega de intolerância, chega de acreditar que a nossa religião é o único caminho para Deus, e que o nosso modo de ser e de viver é o único agradável a Deus.

A experiência do Pentecostes é a experiência da comunicação, da comunhão, da aproximação entre aqueles e aquelas que são diferentes; não é entre iguais. Nós cristãos precisamos nos opor à violência praticada em nome de Cristo. Precisamos dar um testemunho positivo, afirmativo da amizade possível e desejada entre aqueles e aquelas que são diferentes. Para tal, somos chamados a identificar de que modo nós mesmos temos praticado violência em nome de Cristo.

No Congresso Nacional, no dia 13 de maio, quarta-feira passada, se reuniu a Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 3722, de 2012. O PL 3.722/12 é uma desfiguração do Estatuto do Desarmamento. Reduz a idade para que as pessoas possam comprar armas mais cedo e aumenta a quantidade de munição a ser comprada por ano. Arma a população em nome da segurança. Como se não houvessem suficientes estudos mostrando que a aquisição de armas de fogo não protege mais, pelo contrário, mata mais. Uma população armada é uma população que mata e morre em maiores proporções. O PL 3.722/12 tem sido defendido por evangélicos e católicos. Buscam argumentos bíblicos para justificarem um projeto que é injustificável. Usam o nome de Cristo para emplacarem um projeto que responde aos interesses da indústria de armamentos.

Neste Pentecostes nós oramos para que o Espírito que vive em nós, dentro de nós e da criação inteira para nos capacitar para a tarefa de liderar e cuidar do seu povo enquanto compartilhamos responsabilidades que nunca tínhamos compartilhado antes. Oramos para que o Espírito nos ajude a identificar aquilo que tem o potencial de nos aproximar uns dos outros, umas das outras. Que permanece nosso companheiro no processo de viver a palavra em forma de amor, E assim, a respiraçãoo cósmica nos mova para novas visões e novos modos de comunicação, novas memórias construídas de maneira comunitária, em busca de amor e cuidado.


Lusmarina Campos Garcia
 


Autor(a): Lusmarina Campos Garcia
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Natureza do Domingo: Pentecostes

Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 14 / Versículo Inicial: 23 / Versículo Final: 27
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 33373

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