Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Jeremias 31.7-14 - 2º Domingo Após o Natal - 02/01/2022

Auxílio Homilético

02/01/2022

Prédica: Jeremias 31.7-14
Leituras: João 1. (1-9) 10-18 e Efésios 1.3-14
Autoria: Manoel Bernardino de Santana Filho
Data Litúrgica: 2º Domingo após Natal
Data da Pregação: 02/01/2022
Proclamar Libertação - Volume: XLVI

Fé no cumprimento das promessas

1. Introdução

A função do profeta é despertar no povo a capacidade de pensar no futuro. Cabe a ele animar a comunidade e trazer palavras que levem as pessoas a acreditar no amanhã, não simplesmente porque o sol vai se levantar outra vez, mas porque há um Deus que ama o seu povo e por isso não o abandona nas horas mais amargas da vida. O profeta faz com que o povo use a imaginação.

O texto de Jeremias que estudaremos (31.7-14) apresenta um processo de libertação que foi proporcionado pelo Deus de Israel. Esse texto do Antigo Testamento se alia aos dois textos do Novo Testamento ao mostrar que a salvação vem daquele que se fez homem e se tornou conhecido em figura humana por meio de Jesus Cristo. Esse Deus, presente em todo o Antigo Testamento, se manifesta na pessoa de Cristo. Por isso João afirma que “ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18). Ou seja, Jesus é aquele que faz a exegese de Deus, é quem o traz para a luz e o apresenta a todo homem e mulher. É a esse Deus que Paulo, o apóstolo, ora ao escrever aos efésios: “Deus de graça e de misericórdia, que nos escolheu nele antes da fundação do mundo”. Ao final, ele fará o “resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef 1.14). Portanto podemos dizer que os textos, o principal e os auxiliares, apontam numa mesma direção: a salvação e a libertação oferecidas por Deus a todo aquele que crer, sabendo que ele não falha em suas promessas.

2. Exegese

Quem lê Jeremias pela primeira vez, tem a impressão de que está diante de um profeta que não deu a devida importância aos problemas sociais de seu tempo. Estaria mais preocupado com o problema da idolatria cultual, cujas diversas facetas como o culto a Baal, a Moloque, à Rainha do Céu e outras divindades com as quais os israelitas tiveram contato em suas peregrinações de épocas passadas, estaria mais presente em sua mente.

A vida de Jeremias compreende dois períodos muito distintos cortados pelo ano 609 a. C., data da morte do rei Josias. Os anos que precedem esse acontecimento estão marcados pelo otimismo, especialmente por causa da independência política com relação à Assíria que abre caminho para a prosperidade econômica e conduz a uma reforma religiosa. Podemos situar o nascimento do profeta por volta do ano de 640 a.C. em Anatote, cerca de cinco quilômetros de distância de Jerusalém.

O outro período que se destaca em Jeremias são os anos posteriores à reforma de Josias, que apresentam uma rápida decadência política e espiritual. Judá será dominada primeiramente pelo Egito e depois pela Babilônia. As tensões internas e lutas de partidos fazem surgir as injustiças sociais e novamente um período de corrupção religiosa. Apesar dos avisos, das tentativas ousadas de Jeremias a fim de evitar a catástrofe, Jeremias não foi ouvido pelos seus contemporâneos. Desta forma, o povo parece caminhar para o seu fim, como nação abençoada e com um futuro promissor. No ano de 586 Jerusalém cai nas mãos do babilônios e o reino de Judá desaparece definitivamente da história.

Outro traço característico de Jeremias é o fato dele expor seus sentimentos diante do mal que assola a nação. Não é por acaso que ele se tornou conhecido como “profeta chorão”, visto que não teme expor seus sentimentos, suas apreensões e preocupações com o destino do povo malconduzido, que não enxerga a gravidade da situação política e religiosa em que viviam. Ele fala dessa situação tanto em prosa quanto em versos, sem perder a direção que deve conduzir a sua fala.

Até o capítulo 29 ele apresenta as agruras e dificuldades vividas pelo povo no exílio, visto que não atenderam a voz de Deus enviada por seu intermédio. Jeremias foi um profeta cuja mensagem foi rejeitada como sendo palavra dura e que não correspondia à realidade. Havia outros que falaram de forma mais suave e por isso sua mensagem foi aceita.

Na perícope em destaque para essa mensagem (31.7-14) se destaca a mensagem de consolo para todo o Israel. Essa mensagem já adquire esse contorno de restauração a partir do capítulo 30 e que vai até 33, formando um grupo de profecias acerca da restauração de Israel. Até então a profecia era sombria, pois Jeremias anunciava o desastre iminente, castigo contra a apostasia da nação. Jeremias, que estivera em forte contraste com a atitude irresponsável e leviana da classe governante, agora é o porta-voz do anúncio da chegada de um tempo de refrigério. Por isso estamos diante daquilo que vem a se chamar “Livro do Consolo” por causa de sua mensagem de conforto e esperança para o futuro, depois de imposta a pena do exílio.

Em linguagem poética, Israel se orgulhará de sua posição de destaque entre seus vizinhos. O arrependimento pelo mal cometido resultará na volta de um Israel penitente. Deus promete que trará o povo das terras do norte, uma referência à Assíria e Babilônia. O Senhor os congregará de todas as partes da terra e os fará prosperar. O texto diz que virão os cegos e aleijados, mulheres grávidas e aquelas que estiverem de parto. Isso significa que Deus não deixa nenhum dos seus para trás. Eles foram levados para o exílio com choro e tristeza sem fim. Agora, Deus os guiará para casa onde haverá abundância, água e comida em abundância. Serão conduzidos por caminhos retos, porque são caminhos propostos pelo Senhor. Portanto não tropeçarão.

Israel fora levado por um reino com o qual não tinha a mínima condição de se enfrentar. Mas o Deus que permitiu esses acontecimentos agora mandar avisar que ele intervém para trazer seu povo de volta para casa. Ele fará isso como o pastor faz com as ovelhas de seu rebanho. A alegria da nação será contagiante, virão radiantes de alegria por causa do bem que o Senhor lhes proporciona. Em casa terão cereais, vinho, azeite e carne de cordeiros e de bezerros. O tempo da escassez passou. Os dias de escuridão e tristeza ficaram para trás. Jovens e velhos dançarão de alegria, pois o que os afligia foi tirado. Dizer que o que é devido aos sacerdotes será dado, é dizer que Israel voltará a produzir economicamente e a servir ao Senhor com coração íntegro entregando seus dízimos e suas ofertas.

3. Meditação

O profeta Jeremias nos assegura que a nossa esperança deve ser posta na ação do Senhor em nossas vidas. Muitos não creem e têm uma vida desprovida de esperança, ou põem-na em coisas frágeis e fugazes. Constroem seus castelos na areia, que como nuvem se vão na primeira rajada de vento. Jamais provaram da paz que não está estabelecida pelos períodos de bonança, mas na confortante e consoladora presença de Jesus em meio às nossas tribulações. Quem já provou desses momentos, sabe muito bem o que é paz. Portanto, quando o profeta afirma que a esperança está no Senhor, é porque nenhum de nossos sonhos, planos, tristezas, dores, alegria e paz, podem ser supridos sem a maravilhosa, consoladora e reconfortante presença de Senhor em nossa vida. Comecemos um novo tempo na esperança do Senhor, orando para que ele nos dê forças para caminhar, amor para viver e fé para crer no seu cuidado todos os dias de nossa vida.

A promessa de libertação é um desses textos surpreendentes que a Bíblia tantas vezes nos oferece e que, quase sempre, desarticulam as falsas seguranças que, por egoísmo, comodidade e, principalmente, convencimento ideológico, vamos elaborando em nossos contextos pessoais e coletivos e que não passam de idolatrias religiosas com as quais tentamos justificar nossa adesão aos poderes da morte que governam este mundo.

Jeremias não é um profeta exílico, isto é, daqueles que foram exilados para a Babilônia. Se fosse para a Babilônia, não iria como prisioneiro, mas como convidado, porque os babilônios sabiam de suas palavras duras contra Judá, denunciando a atitude errada quanto ao cenário internacional. Ele preferiu ficar em Judá, mas faz recomendações aos cativos na Babilônia. Fiel às mais antigas tradições do povo de Israel, Jeremias se rebela contra a reforma religiosa realizada pelo rei Josias, a qual levou à centralização exclusiva do culto ao Senhor na cidade de Jerusalém, centralização esta que aumentou o poder da monarquia e desqualificou a prática cultual a que o povo estava acostumado. Além disso, Jeremias se opôs também aos sucessores de Josias quando esses procuraram estabelecer alianças políticas com os egípcios para enfrentar os assírios e o poder emergente dos babilônios que, ao derrotarem àqueles, acabaram invadindo Jerusalém, destruindo o templo e deportando os filhos de Judá para o cativeiro na Babilônia.

Com lúcida visão política da conjuntura internacional, Jeremias reconheceu a superioridade dos babilônios, denunciou as políticas subservientes e desastradas – principalmente para o povo – da elite dominante de Judá. Sua atitude, corajosa e soberana, de quem não tem compromissos com o poder estabelecido, acabou levando o profeta para a prisão sob a acusação de falta de patriotismo. Terminada a conquista de Jerusalém, os babilônios lhe ofereceram um salvo-conduto, mas ele, fiel à sua visão da justiça de Deus, recusa qualquer tipo de relação com os novos conquistadores e se refugia no Egito, onde provavelmente termina os seus dias.

O livro de Jeremias exorta para os terríveis momentos do exílio e a servidão à qual o povo foi submetido ao longo do tempo. Mas agora, com o retorno, a volta para casa, ele diz: Aquele que espalhou a Israel o congregará e guardará, como o pastor ao seu rebanho. Sim, mesmo em meio aos tempos de desesperança como o que vivemos hoje, cercado por uma terrível ameaça de guerras e conflitos de toda ordem, em meio à mais terrível corrupção, a uma pandemia que mudou a forma de nos relacionarmos e trouxe luto e tristeza para todas as cidades, ainda assim é preciso não ficar ao lado dos que dizem que a situação não tem jeito, que nada pode mudar. Essa não é a sina do povo de Deus. Antes, é preciso sonhar, é preciso ter sempre esperança de que a servidão e os tempos de tristeza já duram demais e agora é preciso dar um basta e crer que o Deus que servimos é aquele que muda tudo. É preciso sonhar que dias melhores virão, que a escuridão da noite vai passar e que amanhã será um novo dia em que a glória do Senhor vai brilhar sobre as nossas vidas e então poderemos refazer os percursos, e recomeçar a caminhada com a energia recomposta por uma longa noite de espera.

Aqueles que deixam de sonhar perdem a razão de viver. O que nos move para a frente é a capacidade de sonhar, de desejar que o amanhã seja melhor que o dia de hoje. Os que continuam sonhando são aqueles que haverão de experimentar aquilo que o Senhor tem preparado para os seus. Os que sonham serão vistos e reconhecidos como pessoas que acreditam contra toda a possibilidade.

4. Imagens para a prédica

Eu sou nordestino. Pernambucano. Meu pai foi pastor nas regiões secas do agreste e do sertão nordestino. Carreguei água na cabeça e ia à noite esperar a água brotar de um olho d’água para ter o que beber, água potável, durante o dia. Minha mãe cozinhava em fogão de lenha e dormia em cama de vara. E ela pensava como Sinhá Vitória, mulher de Fabiano, do romance Vidas Secas de Graciliano Ramos. Minha mãe dizia como Sinhá Vitória: “não quero passar a vida toda dormindo em camas de varas, me encolhendo num canto e o marido no outro e no meio um calombo machucando o coração”. Minha mãe nunca se acostumou a dormir em camas de varas. Eu e meus irmãos dormimos. Até que os tempos mudaram e chegou um colchão decente.

Por um desses dias, um sertanejo me mandou uns vídeos com a água correndo no sertão. Chuva como não se via há anos. E ele disse: esse ano a mão de milho vai cair para dez reais (uma mão de milhão são cinquenta espigas). É a vida que se renova e o povo se alegra e agora o nordestino estava dizendo: o Senhor se lembrou de nós.

Sim, o Deus que servimos sempre se lembra de cada um de nós. Não há ninguém esquecido dos seus olhos, da sua boa vontade para com conosco.  Por isso não devemos nos acostumar com a dor, a tristeza, a enfermidade, a injustiça, a miséria. Devemos lutar, insistir, nunca desistir. Os nossos dias podem ser tristes e difíceis, mas não podemos desanimar. Deus está no controle e ele vai trazer a restauração da nossa saúde, o bem-estar para nossa vida. Ele vai repor aquilo que o gafanhoto devorador comeu, vai restituir o trabalho, a saúde, a dignidade.

5. Subsídios litúrgicos

Que a liturgia deste primeiro domingo do ano seja voltada para atitudes que celebrem a esperança na libertação. E de que precisamos nos libertar: são tantas as demandas nesse sentido. Libertar dos nossos preconceitos; libertar-nos da falta de disposição, da falta de ânimo, do desamor, do desinteresse com o alheio. Sim, precisamos falar dessas situações e denunciar todo tipo de maldade praticada pelo ser humano contra seu semelhante.

Que a desesperança dê lugar a um coração que crê no Deus que liberta, que nos tira da escravidão. Nossa atitude hoje deve ser de rebeldia contra toda forma de injustiça e maldade. Sobre a rebelião, Albert Camus (1913-1960) faz a seguinte pergunta em seu livro, O Homem Revoltado: “Que é um homem revoltado?” Um homem que diz “não”. Mas, se ele recusa, não renuncia. É também um homem que diz “sim”. Um escravo que recebeu ordens durante toda a sua vida, julga subitamente inaceitável um novo comando. O “não” significa que as coisas já duram demais.

Que a celebração deste domingo nos conduza a reaprender a sonhar, a acreditar que o amanhã trará novas possibilidades, portas que se abrem e nos convidam para uma existência mais digna. A vida é feita de pragas e milagres, de gemidos de dor e gritos de alegria. Sim, milagres aconteceram e acontecem. Deus é o mesmo. Ele se faz presente no cotidiano. Quando ele quer, levanta aquele que não tem mais esperança alguma. Ele cura aquele de quem os médicos desistiram. Quantos de nós, pastores de ovelhas, já nos encontramos nessa situação, de ver bem de perto a intervenção de Deus na vida de uma ovelha querida, um ente amado, morto para o mundo, para a medicina, mas não uma causa perdida para Deus.

Então, hoje, cante hinos que revigorem o coração e a mente. Sonhe com um amanhã glorioso. Não perca a esperança. Passou o tempo da angústia e servidão. O Senhor nos proporciona dias melhores. E saia para a vida, rejuvenescido pela fé.

Bibliografia

SICRE, José Luís. Com os pobres da terra; a justiça social nos profetas de Israel. Trad. Carlos Felício da Silveira. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2011.
SKINNER, John. Jeremias, profecia e religião. Trad. Rubem Alves. São Paulo: Aste, 1966.


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Autor(a): Manoel Bernardino de Santana Filho
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Natal
Perfil do Domingo: 2º Domingo após Natal
Testamento: Antigo / Livro: Jeremias / Capitulo: 31 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2021 / Volume: 46
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 68567

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