Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

Crer na ressurreição de Jesus Cristo em tempos de Coronavírus (e em todos os tempos)

Considerações pastorais

11/04/2020

1. No Evangelho de João, capítulo 20, nos é narrada a ressurreição de Jesus e os fatos que circundam este evento. Descrever a ressurreição em si é um mistério que não nos cabe. Não sabemos o rito e circunstâncias do que aconteceu no túmulo fechado. A tradição da Igreja cunhou símbolos que evidenciam a ressurreição. O “ovo” é um destes símbolos: no interior da casca gesta-se a vida até chegar o momento de eclodir. Assim, no interior do túmulo, gesta-se a vida até chegar o momento de ressurgir. Foi assim com Cristo, o primeiro a ressuscitar, cremos será assim conosco também (1 Coríntios 15).

2. Já os fatos que se seguem à ressurreição nos são narrados com mais detalhes. Um primeiro destes fatos é a ida de Maria Madalena ao túmulo de Jesus no domingo bem cedo: “E no primeiro dia da semana Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu a pedra tirada do sepulcro.” (Jo 20.1). O que ela foi fazer lá logo de manhã? Arrisco-me, pela percepção bíblica, pastoral e de fé, a apontar três motivações para tanto: gratidão, serviço e esperança.

3. Maria Madalena vai ao túmulo de Jesus por gratidão. Ela fora ajudada por Jesus Cristo (Lucas 8; Marcos 16). Sua vida ganhou em Cristo nova perspectiva pessoal e uma nova perspectiva comunitária: de marginalizada a referência de fé. Este corpo que fora sepultado às pressas na 6ª feira (Marcos 15.42ss; Mateus 27.57ss; Lucas 23.49ss; João 19.38ss) quer hoje, domingo, ser dignificado. A gratidão move ao serviço. O serviço tem como objetivo dignificar um corpo desfalecido. E mais: por ser gesto movido pela gratidão está ausente do pressuposto do mérito: um corpo desfalecido não pode oferecer retorno nenhum. É, portanto, um agir gracioso que não espera retorno. O rito de sepultamento na Igreja Luterana tem nesta oferta graciosa de dignidade importante razão de ser. Rito este que, em tempos de sepultamento por morte de coronavírus, é tirado das famílias pela negação dos velórios por razões de saúde. Mas Maria Madalena é também movida por uma esperança: uma história de sinais, anúncios, gestos e ações tão belos como os promovidos por Jesus Cristo não pode terminar assim, na cruz, simplesmente. A esperança faz crer, mesmo sem o saber explicar, para além do fato dado. A morte de Cristo é o fato – a esperança é a resistência a ela em direção ao novo, a ressurreição.

4. O que quero dizer é que Maria Madalena vai ao túmulo de Jesus movida por sentimentos e gestos muito humanos: gratidão por uma ajuda recebida; oferta de cuidado dignificador a um corpo que não pode devolver a generosidade por estar morto; a inconformidade com o fim trágico de uma história bonita. De tão humana é divina, pois contraria a lógica meritória e modernista do pensamento secular que está dentro de muitos de nós e, não raro, molda inclusive nossa forma de crer no próprio Cristo.

5. Maria Madalena vai ao túmulo de Jesus e o encontra vazio. A pedra fora removida (João 20.1). Medo, insegurança, roubo do corpo, ... são sentimentos e pensamentos perfeitamente compreensíveis. E quando Jesus lhe aparece custa a acreditar (João 20.14ss). Finalmente explode num testemunho: vi o Senhor Jesus (João 20.18). Vi o Senhor Jesus falando do Reino de Deus; vi o Senhor preso, julgado e condenado; vi o Senhor torturado, e pregado à cruz; vi o Senhor morto, carregado e sepultado; vi o Senhor ressurreto. A última palavra, assim o testemunha a fé, não é da morte. A última morada não é a da frieza do túmulo. Mas da vida. Maria Madalena testemunha a ação de Deus para dentro deste mundo e esta ação nos enche de fé e esperança. O convite é claro: creia na ação restauradora de Deus neste mundo.

6. Celebramos, em 2020, uma semana santa e domingo de páscoa diferentes. A sociedade brasileira e o mundo todo são acometidos pelo coronavírus. Uma pandemia que nos tira os momentos de encontro e comunhão e nos empurra para dentro de nossas casas com o objetivo de não propagar massivamente o vírus. Nossos sistemas de saúde não suportam a quantidade de pessoas que precisariam de atendimento e por consequência o número de mortes seria hoje imprevisível. Ficar em casa é um gesto de amor que salva vidas. A pergunta pastoral que me fiz então é: o que significa celebrar a páscoa de Cristo neste contexto?

7. Novamente arrisco-me a uma tripla ponderação. A primeira diz respeito à fé: creia que Deus age para dentro deste mundo. Maria Madalena o experimentou de forma muito bela. A liturgia pascal o expressa de forma muito bonita com a luz das velas: uma luz ainda frágil, mas que rompe a escuridão e qual aurora indica o que há de vir. O “Sábado de Aleluia” expressa esse grito de louvor efusivo pela vitória da vida. Apesar da dor, a esperança aponta em outra direção. A fé, repito, nos faz enxergar para além do fato dado no momento.

8. A segunda ponderação é a de que a ressurreição é ação divina que nos torna absolutamente humanos. Dar resposta de gratidão, oferecer um serviço que dignifica, não esperar retorno meritório pelo feito, viver e cultivar a esperança de que amanhã vamos nos reencontrar todos e todas (oro para que ninguém falte) são gestos humanos que ganham forma sagrada e divina. O realmente humano é um sinal da ação de Deus em nós.

9. A terceira ponderação é a de que a ressureição nos liberta do egoísmo para dentro do corpo de Cristo. A vontade pessoal maior é a de desrespeitar a “quarentena” ou distanciamento social e invocar para tanto o direito constitucional de ir e vir. Mas ser contagiado pela fé na ressurreição de Jesus Cristo faz com que, de forma consciente, abra mão da liberdade de ir e vir em favor da coletividade. Abro mão da liberdade de sair às ruas em tempos de coronavírus para que a coletividade, a sociedade, sobretudo os mais idosos, estejam bem e preservados em sua vida. A ressurreição de Cristo nos liberta do individualismo para ganharmos o corpo de Cristo. Como uma parte deste corpo vivemos (1 Coríntios 12).

10. Crer na ressurreição em tempos de coronavírus – e em todos os tempos – é ser agraciado (a) com uma fé que crê na ação de Deus neste mundo, que move pessoas que servem de forma desinteressada, que vencem a individualidade e ganham a coletividade do corpo de Cristo. Esta fé faz o túmulo de Cristo ser e continuar vazio. Aleluia, Cristo ressuscitou também em nós.

P. Marcos Jair Ebeling
 


Autor(a): Marcos Jair Ebeling
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste
Área: Missão / Nível: Missão - Coronavírus
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 20 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 1
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 55996

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