PRÉDICA PARA O SEGUNDO DOMINGO DE ADVENT0 – 6 de dezembro de 2020
Texto da pregação: Isaías 40.1-11
Estamos no tempo do Advento, um tempo de celebração e de preparação. É celebração porque Jesus já nasceu e o reinado (Reino) de Deus foi inaugurado com seu nascimento, cuja data simbólica é 25 de dezembro. É preparação pois todas as pessoas cristãs aguardam a segunda e definitiva vinda de Jesus e a consumação deste reinado de Deus. Nesse sentido, vejamos o que o texto para pregação tem a nos ensinar.
Leitura de Isaías 40.1-11
Estamos diante de um texto consolador em suas linhas e questionador em suas entrelinhas. Ele é voltado para pessoas que sofreram o Exílio na Babilônia, pessoas arrancadas à força de sua terra/casa em Jerusalém e levadas para viver em outro lugar, a Babilônia. Imaginemos: ser levado à força para um lugar estranho, com língua, religião e costumes diferentes, sem possibilidade de retorno. A miséria e o choro era a realidade de muitas dessas famílias, que se perguntavam: “por que Deus permitiu a derrota e o Exílio? Até quando precisamos sofrer? Quando poderemos voltar?”.
A resposta de Deus a estas perguntas foi o envio do profeta para levar uma palavra de consolo ao “coração de Jerusalém”. Este consolo consistiu, em primeiro lugar, no anúncio do perdão de Deus (v.2). Perdão pois o povo sabia que tinha pecado, que tinha se afastado de Deus e, portanto, vivia angustiado, afogado em sentimento de culpa e indignidade. Neste contexto o profeta anuncia um duplo perdão: o tempo de servidão acabou e a iniquidade está perdoada. Em segundo lugar, do consolo fez parte o anúncio de uma boa notícia, a libertação do exílio. Deus mesmo viria como “Deus do Êxodo”, com poder e braço dominador, mas também como um “Deus pastor”, que conduz o seu rebanho e cuida especialmente das ovelhas mais fracas e pequeninas.
Por outro lado, o texto de Isaías não tem somente consolo. Assim lemos: “Todos os seres humanos são como a erva do campo e toda a força deles é como uma flor do mato. A erva seca e as flores caem quando o sopro do Senhor passa por elas. De fato o povo é como a erva. A erva seca, a flor cai, mas a palavra do nosso Deus dura para sempre” (vv 6-8). Estas palavras são certamente dirigidas àqueles exilados que, bem instalados e acomodados, já não pensavam mais em regressar à sua terra; são exilados que já não se esforçavam por escutar os apelos e desafios de Deus; são exilados que já haviam perdido a capacidade de arriscar e a vontade de começar um novo caminho; são exilados que já tinham ouvido falar de Ciro, mas não acreditavam que Deus poderia usar um estrangeiro para a libertação, o que depois veio a acontecer. Estes exilados, em sua maior parte, são parte da elite governante da antiga terra, exilada com benesses na Babilônia e não sofria como o povo normal sofria.
Este texto de 2.500 anos nos inspira, aqui e agora, a:
1° - perceber que vivemos um exílio domiciliar. Diferente do povo de Judá que foi levado de sua casa, nós fomos obrigados a ficar em casa, de quarentena. Antes da pandemia, o que mais queríamos era um tempo em casa, agora o que nós mais queremos é sair de casa. Nunca imaginávamos que um exílio dentro de nossa própria casa fosse provocar tamanha crise e sofrimento. Quem poderia imaginar shoppings e estádios vazios? Praias e ruas vazias? Pessoas simples e pessoas poderosas com medo? Famílias foram obrigadas a conviver 24 horas por dia, quando antes só conviviam umas 10 horas. Para alguns foi um tempo de oportunidade para fazer coisas limitadas pelo tempo, mas, para outros, foi sinônimo de tortura, conflitos, confusões e discussões sem fim. Foi como se todos os problemas saíssem da gaveta de uma só vez. Muitos casais se divorciaram, muitas famílias se desfizeram, muitas empresas quebraram, enfim, muitas vidas foram perdidas. São situações que angustiam, deprimem, tiram o sono e a paz. E, à semelhança dos exilados de Judá nos perguntamos: por que tanto sofrimento? De onde vem isso tudo? Se Deus é tão poderoso por que Deus deixa isso acontecer?
2° - assumir a nossa humanidade. A palavra profética revelou: “...De fato o povo é como a erva. A erva seca, a flor cai, mas a palavra do nosso Deus dura para sempre” (v.8). Precisamos reassumir nossa humanidade, não no sentido de uma bondade e solidariedade intrínseca ao ser humano, mas no sentido de assumirmos a nossa fragilidade, a nossa finitude e a nossa transitoriedade. O novo corona vírus que o diga: um bichinho invisível causou toda uma crise sanitária com prejuízos incalculáveis e que nós até o momento ainda não conseguimos reverter. Quanto sofrimento! E este sofrimento não deve ser espiritualizado. Nós sofremos pois somos frágeis! Nós podemos, inclusive, morrer! É preciso assumir a nossa fragilidade e finitude como naturais e não nos comportar como se nada nos atingisse. Não nos enganemos: nós somos mais fracos do que pensamos e menos poderosos do que pretendemos. É preciso agir com prudência. De maneira bem prática: é preciso continuar usando máscaras; é preciso continuar com distanciamento social; é preciso continuar evitando aglomerações. Só a palavra de Deus dura para sempre, disse o profeta.
Assumir a nossa humanidade também significa assumir responsabilidade. É preciso entender que o sofrimento no mundo, além de ser intrínseco à nossa humanidade, é consequência direta das escolhas que nós fazemos ou que outros fazem. Isso equivale a dizer, por mais estranho que pareça: Deus é inocente! Assim, o novo corona vírus não é da vontade de Deus, como se ele o tivesse criado, determinado e enviado às nossas casas. O novo corona vírus não é castigo de Deus para você que cometeu algum pecado pessoal. O novo corona vírus é fruto do pecado da humanidade, de desequilíbrio na criação de Deus causado pelo ser humano que brinca de ser Deus, vivendo conforme suas próprias regras e desejos. Pode até ser que eu não me importe com a minha vida, mas a minha atitude inconsequente, como o não usar máscara, por exemplo, pode significar sofrimento, quando não a morte para outra pessoa.
3° - acolher a boa notícia. O profeta consolou o seu povo com uma boa notícia: anunciou o perdão e libertação do sofrimento. Nós precisamos de perdão. O exílio em nossas próprias casas abriu muitas feridas que precisam ser curadas. Precisamos zerar as contas do passado e restaurar nossos relacionamentos. Por isso, se algo precisa ser perdoado, esta é a hora: perdoe, peça perdão e receba o perdão. Pois vingança gera mais vingança, o ódio mais ódio e o amor mais amor. Ao mesmo tempo, nós também precisamos de perdão na nossa relação com Deus, pois a pandemia revelou toda a nossa idolatria, toda a fé que depositamos em falsos deuses. Só para citar alguns exemplos: quando não pudemos mais comprar como antes, ficou revelado o quanto confiávamos no “deus dinheiro” e no “deus consumismo”; quando não pudemos vais fazer ou participar daquelas festas tão badaladas, ficou revelado o quanto confiávamos no “deus do prazer efêmero”; quando não pudemos mais conservar a nossa saúde, ficou revelado o quanto confiávamos no “deus saúde” – aliás, em final de ano o que mais se deseja na virada de ano é “saúde, pois tendo saúde o resto a gente corre atrás”.
Mas além de perdão, é inegável que o que nós mais queremos é a libertação de nosso exílio domiciliar e a possibilidade de uma comunhão normal, como nos tempos pré-pandemia. Bem que eu gostaria, agora, anunciar que tive a visão de uma vacina salvadora sendo aplicada em massa até o Natal. Mas isto seria charlatanismo.O que posso fazer como pregador/a é fortalecer a nossa esperança afirmando que os exílios não são para sempre. Vai passar! Deus está trabalhando em várias vacinas com profissionais gabaritados dos quatro cantos do mundo. O que faremos enquanto a vacina não chega? Confiantes de que o exílio domiciliar “vai passar”, podemos e devemos nos concentrar em “preparar um caminho para o Senhor” (v.3).
Assim como na Babilônia preparava-se o caminho para o libertador que estava chegando, é preciso que também nós preparemos o caminho para Jesus. O caminho aqui é o coração que precisa estar pronto para receber o Redentor. E como preparamos o coração? Alguém poderia dizer que um coração preparado seria um coração puro, sem pecados, com tudo certinho e em ordem. No entanto, isso não é possível, pois o perdão dos pecados que purifica o coração e torna a vida agradável a Deus é obra de Jesus em nós. O que precisamos fazer é simplesmente abrir o coração para que Jesus possa fazer a sua obra de faxina e limpeza nos conduzindo ao arrependimento e modificando o nosso jeito de pensar e de viver. Preparar o caminho do coração é um chamado para conversar com Deus e deixar ele dizer o que é de fato importante e o que pode ser deixado de lado. É um chamado para acolher o que Deus fala, agindo em obediência, mesmo que isso implique sair de nossa comodidade. É um chamado para assumir a nossa humanidade (fragilidade, finitude, transitoriedade e responsabilidade) e nos colocar na dependência de Deus. É um chamado para destronar os falsos deuses e seus valores e entronar o verdadeiro Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo e os valores de seu reinado. Dessa maneira, quando o exílio domiciliar acabar, teremos de fato aprendido algo com tudo isso e estaremos preparados para celebrar a vitória do Senhor na retomada da vida, na comunhão que tanto almejamos com irmãos e irmãs. E mais do que isso, estaremos preparados para a segunda e definitiva vinda de Jesus, conforme nos lembra o texto auxiliar de 2 Pedro 3.8-15.
Neste sentido é muito ilustrativa a pintura de Holman Hunt, “A luz do mundo”. Nesta pintura há um casebre abandonado e em ruínas. Em frente à janela existe um grande espinheiro com ervas daninhas quase cobrindo o caminho. A porta está coberta de musgo. Diante da porta bem fechada, de gonzos enferrujados, acha-se na obscuridade e no sereno um homem de estatura grande e possante, cujo rosto revela cansaço e fadiga. Uma das suas mãos está levantada para bater à porta, enquanto a outra segura uma lâmpada, cujo raio talvez possa penetrar por uma fresta da porta. É Cristo, o Filho de Deus, procurando entrar no coração do pecador! Ele está esperando a porta se abrir. Quando Holman pintou esse quadro maravilhoso do Rei coroado de espinhos, batendo do lado de fora, mostrou a tela na sua oficina a um de seus melhores amigos, antes de apresentá-la ao público. O amigo examinou a figura real de Cristo, do lado de fora daquela porta, e disse:
– Mas você cometeu uma grande falta!
– Qual? – perguntou o artista.
– Pintou uma porta sem maçaneta.
– Não é um erro – disse o artista. – Esta porta não tem maçaneta por fora, ela só se abre por dentro. Assim, a porta do coração só pode ser aberta pelo lado de dentro. Cristo apenas bate.
Que Deus esteja nos conduzindo neste tempo de preparação e celebração. Amém!
P. Sinodal Elisandro Rheinheimer
Cuiabá – Mato Grosso.