JOÃO 12.1-8 - 5º DOMINGO NA QUARESMA
Irmãos e irmãs em Cristo!
Inicio com dois exemplos:
1. Em alguns sepultamentos são oferecidas muitas coroas de flores, tantas, que nem todas cabem sobre a sepultura. Sempre tem quem comente: Enquanto viva, a pessoa raramente recebeu flores ou homenagens. De que adianta isso agora? É um desperdício! Por outro lado, em seus aniversários, algumas pessoas não aceitam presentes e pedem que o dinheiro correspondente seja doado para uma determinada instituição social. Isso sim seria uma destinação justa do dinheiro.
2. Há mais de 100 anos, viveu na Inglaterra um famoso pregador. Seu nome era Charles Spurgeon. Ainda hoje, seus sermões continuam sendo muito apreciados. Spurgeon conseguia transmitir a palavra de Deus de uma forma simples, com exemplos da vida diária dos ouvintes. Assim, ele chegava ao coração das pessoas. Por isso, era muito apreciado, No entanto, um fato parecia obscurecer sua fama e aparentava ser uma contradição a tudo o que ele pregava: O casal Spurgeon tinha uma criação de galinhas, o que lhes proporcionava uma grande produção diária de ovos. Só que o casal não dava um ovo sequer para quem quer que fosse, nem para os amigos mais achegados, nem para os parentes mais próximos. Cada ovo era cobrado, e muito bem cobrado. Quem quisesse ovos precisava pagar. Por isso, correu o boato de que o casal Spurgeon era egoísta e ganancioso. Só muitos anos depois o fato foi devidamente esclarecido: O dinheiro dos ovos jamais fora usado em benefício próprio, mas integralmente destinado para ajudar viúvas idosas e pobres. Spurgeon jamais abordou o assunto em seus sermões. Porém, essa história dos ovos ficou sendo conhecida como o mais autêntico sermão, como a maior expressão de fé dele. Muito mais do que falar do Evangelho é praticá-lo!
Um poema reflete bem essa ideia:
Eu prefiro ver um sermão a ter que ouvi-lo. Eu prefiro alguém que vá comigo a ter alguém que só aponte caminhos. O melhor de todos os pregadores é aquele que vivencia o que crê.
Temos diante de nós a história bíblica, relatada em João 12.1-8: Seis dias antes da Páscoa, ou seja, poucos dias antes da crucificação, Jesus e seus discípulos participaram de uma ceia na casa dos irmãos Marta, Maria e Lázaro. Durante a ceia, Maria ungiu os pés de Jesus com nardo, um perfume muito caro, importado das montanhas do Himalaia, no valor de 300 denários (equivalente a um ao de trabalho de um diarista).
Também temos a reação de Judas Iscariotes, tesoureiro do grupo dos discípulos de Jesus. Ele considerou um desperdício o uso de um perfume tão caro. Seu argumento parece convincente: A venda desse perfume possibilitaria a aquisição de muitas cestas básicas para os pobres. Só que a aparente preocupação de amor ao próximo de Judas cai por terra ao lermos as letras miúdas, que seguem no texto: Judas era ladrão e queria embolsar o dinheiro. Sua preocupação social seria fingida. Pura hipocrisia.
Por fim, vem a resposta de Jesus. Ele faz afirmações importantes que esclarecem a história:
A proposta de ação diaconal, levantada por Judas, é importante e autêntica. Ela deve ser uma preocupação e responsabilidade cristã contínua, em todos os tempos e lugares. É a maneira de colocar a fé em prática (v.8). Ao mesmo tempo, Jesus não interrompe Maria, mas permite que ela continue ungindo os pés dele. Ele deixa claro que se trata de um ato simbólico - um apontar para aquilo que está para acontecer (v.7): A morte de Jesus Cristo na cruz! São três os indicativos para isso: No v. 7 ele fala de embalsamento (em várias traduções aparece a palavra sepultamento - com certeza, parte do perfume seria usado na manhã da Páscoa pelas mulheres que foram ao túmulo embalsamar o corpo de Jesus). Maria ungiu os pés de Jesus e não a cabeça dele. Esse ato simbólico aponta para a morte - pessoas vivas recebiam a unção na cabeça (Ex 25.6). O terceiro indicativo é a data: seis dias antes da Páscoa - seis dias antes da crucificação
Todo o foco da história está no gesto de Maria, ungindo os pés de Jesus, e o significado que está por detrás desse gesto - que aos olhos de Judas é puro desperdício. Ao ungir Jesus, Maria aponta para o grande acontecimento da Páscoa. Ao ungir os pés do Salvador que será crucificado, ela não aponta apenas para a fatídica Sexta-Feira da Paixão e suas cruzes, mas para o grande agir de Deus na manhã da Páscoa, quando a morte é vencida pela vida. Com certeza, Maria é movida pela fé, impactada pelas palavras de Jesus quando da ressurreição de Lázaro (João 11.25-26). Ao derramar sobre os pés de Jesus um perfume tão caro, Maria demonstra o profundo amor que tem pelo seu Salvador. Ela oferta o que tem de mais valioso para o seu Senhor. Igual atitude teve o grupo dos Magos do Oriente, em Mateus 2.11, ao ofertar para Jesus ouro, insenso e mirra. Tudo isso tem uma simbologia muito forte - é o que Judas não consegue entender - O que Maria oferece, por mais valioso que seja, não chega nem perto daquilo que o Salvador está prestes a oferecer: seu precioso sangue para nos salvar! Maria unge Jesus movida por profunda fé e gratidão. Por isso, precisamos olhar para esta história observando duas dimensões: a dimensão material e a dimensão espiritual.
Se abordarmos a história somente na dimensão material, acabamos concordando com a argumentação de Judas. Derramar um perfume tão caro é desperdício, sabendo que há tanta gente carente necessitado de ajuda. Seria semelhante a uma comunidade gastar dinheiro na construção da torre da igreja e deixar de ajudar uma creche num bairro carente. Porém, o texto precisa ser lido numa dimensão espiritual - o significado simbólico que está por detrás do mesmo - o que não anula a dimensão material, nossa responsabilidade de amor ao próximo. Aliás, a dimensão material/horizontal sempre será consequência e resultado de nossa dimensão espiritual/vertical - nossa fé, nossa gratidão.
Maria expressou sua dimensão espiritual demonstrando o quanto Jesus lhe era importante, o maior tesouro de sua vida, e o quanto ela era capaz de se sacrificar por ele. O nardo de 300 denários simboliza tudo isso. Nesse sentido e em meio à Quaresma, nós somos convidados a nos colocar aos pés de Jesus (Maria sempre é caracterizada assim - Lc. 10.39; Jo. 11.32; Jo. 12.3), ouvindo a sua palavra, compreendendo sua mensagem, amando-o, servindo-lhe, mostrando nossa gratidão. Temos essa firmeza de fé, esse profundo amor por Cristo, essa gratidão que compreende a dimensão daquilo que ele fez por nós na cruz? Somos capazes de dar o melhor de nós (tempo, dinheiro e dons) para a obra de Cristo? Aliás, o nosso amor ao próximo só se sustenta e se mantém se estiver firmemente alicerçado sobre o amor de Cristo. Do contrário, ele se transforma no amor de Judas - o amor a si mesmo, egoísta e falso.
Focada no agir de Maria, a história bíblica nos convida a seguir Jesus como seus discípulos, reconhecê-lo como nosso Senhor e Salvador, ouvir a sua palavra e deixar-nos inspirar e guiar por ela - para que todo nosso modo de pensar e de agir tenha origem e fundamento no Senhor Jesus Cristo. Quaresma é tempo de nos lançarmos aos pés de Jesus e compreender a dimensão do seu sacrifício por nós na cruz. Como discípulos e discípulas de Jesus, nós não queremos servir a nós mesmos nem procurar os próprios interesses, mas nos deixar preencher pelo amor de Cristo e sermos conduzidos por este amor que proclama a vida, nos caminhos que conduzem ao próximo. Amém.
Pastor Sinodal Geraldo Graf