Depois do sábado, no entanto, quando começou a clarear o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro. E então ocorreu um forte terremoto; pois um mensageiro do Senhor desceu do céu, aproximou-se, removeu a pedra e sentou-se sobre ela. A sua aparência era como de um relâmpago; e a sua roupa, branca como a neve. Os guardas tremeram de medo do anjo e ficaram como se estivessem mortos. O anjo, porém, dirigindo-se ás mulheres, disse: Não temais, porque eu sei que buscais Jesus, que foi crucifica do. Ele não esta aqui; pois foi ressuscitado, assim como -- havia dito. Vinde e vide o lugar, onde ele estava deitado. E ide depressa e dizei aos seus discípulos que ele foi res suscitado dos mortos. Ele vai a vossa frente para a Galileia; lá o vereis. Vede, eu o disse a vós! E elas se retiraram depressa do sepulcro, cheias de medo e de grande alegria, e correram para anuncia-lo aos discípulos. E eis que Jesus veio ao encontro delas e disse: Salve! E elas se aproximaram, abraçaram-lhe os pés e se ajoelharam diante dele. Então Jesus lhes disse: Não temais! Ide avisar aos meus irmãos que se dirijam à Galileia, e lá me verão.
Prezada comunidade: Hoje temos uma festa bonita. Páscoa. Em muitas famílias, as crianças já procuraram e acharam seus ninhos. Em outras famílias, isso acontecerá depois do culto. E em muitas, isso se passa provavelmente neste momento. Sim, é Páscoa. Uma festa bonita! Tão bonita como a inauguração do Gigante da Beira-Rio, como São João ou como uma festinha de quinze anos. Sim, e uma festa linda: toda a família se encontra, finalmente, depois de tanto tempo. É aquela euforia. E, entre outros, também se vai ao culto. E isso atrapalha, prejudica um pouco aquela alegria.
Esse culto de Páscoa atrapalha, incomoda a nossa festa - pelo menos deveria incomodar - porque ai se fala muito de uma coisa, que nós, seres humanos racionais do século XX, pessoas de cultura, versadas, instruídas, letradas, quase que não podemos admitir. Aí, neste culto de Páscoa, fala-se de algo que rompe todas as leis da Natureza, algo completamente contrário a toda nossa formação; de algo que, portanto, é impossível e não pode ser. AT se fala da Ressurreição de Jesus Cristo. Ele foi ressuscitado, assim como havia dito.
Quem nunca se ocupou com este problema, quem nunca teve uma ponta de duvida quanto á Ressurreição, provavelmente também nunca pensou seriamente sobre sua fé. Para quem pensa, a Ressurreição é um problema. Pode ter realmente acontecido, assim como dizem os Evangelhos? Ou foi uma ilusão dos discípulos? Talvez produto da fantasia fanática de um punhado de homens?
Prezada comunidade, se alguém me viesse com tais perguntas - aliás, perguntas perfeitamente justificáveis, que todo cristão deveria levantar alguma vez - se alguém me viesse com tais perguntas, eu não poderia apresentar provas, que o convencessem do contrário. A Ressurreição de Jesus não pode nem quer ser provada. Os Evangelhos não perdem uma palavra sequer procurando comprovar a viabilidade da Ressurreição. Eles não perdem uma sílaba procurando explicar o como da Ressurreição, como é que Deus fez — para ressuscitar Jesus Cristo, como é que Jesus conseguiu sair do túmulo, qual é a sua verdadeira aparência concreta, depois de ressuscitado. Tudo isso são coisas secundárias para o evangelista. Ele se encontra no cerne, no ponto central e decisivo, com uma simplicidade abismante: Jesus não está aqui; pois foi ressuscitado, assim como havia dito. Vinde e vede o lugar, onde ele estava deitado. Pronto, só isso! Com essas poucas palavras esta anunciada a — Ressurreição - e não há o mínimo intuito de querer prová-la ou torná-la plausível.
Contudo, há uma coisa que devemos considerar. Procurem os senhores acompanhar meu raciocínio. Jesus atua durante certo tempo na Palestina, fazendo milagres e pregando uma mensagem bastante radical: o amor em sua forma ex trema, o amor levado ás suas últimas consequências. Em torno de si agrupam-se um círculo de discípulos, que não tardam a reconhecer neste Jesus de Nazaré algo de excepcional, fora do comum. E depositam nele todas as suas esperanças referentes ao Messias, aquele que haveria de vir para restabelecer a harmonia entre o povo de Israel e Deus, para restabelecer a dignidade deste povo diante de seus vizinhos. E eles veneram esse Jesus a tal ponto, que chegam a abandonar suas famílias, seus empregos, para acompanhá-lo, para estar presentes, no momento em que ele entrará decisivamente em ação. E é assim que eles o acompanham a Jerusalém, na semana da Páscoa dos judeus, aguardando, ansiosos, o desfecho final, a realização derradeira e definitiva deste que para eles era o Messias. Mas, prezada comunidade, o que foi que aconteceu em Jerusalém? Nada! Ou melhor: exatamente o contrário do que esperavam os discípulos. Jesus é preso. E os discípulos desapareceram, ficando sorrateiramente pelos arredores, aguardando o desenrolar dos acontecimentos. E esse desenrolar foi horrível. Aquele que era dono de toda sua veneração, de toda sua dedicação, de toda sua esperança, aquele que deveria ter sido o Messias, mostrava-se fraco, frágil, quebrável, indefeso. E, com isso, foi águas abaixo, desmoronou aquele fabuloso edifício de esperanças. E os discípulos debandaram, procurando retomar o caminho de volta às suas redes.
Para dar uma ideia do que devem ter sentido aqueles discípulos, quero lembrar o ano de 1961. Jânio Quadros na presidência do Brasil, reunindo em sua pessoa o maior acúmulo de esperanças que já se viu nesta terra. Jânio era para quase todos os brasileiros o símbolo de um Brasil melhor, progressista, correto, onde imperaria a honestidade, o trabalho, e assim por diante. Os senhores se lembram daquele baque, daquele vazio, daquele gosto amargo que ficou na boca, quando o rádio nos trouxe a notícia da sua renuncia? Aquele desolamento, prezada comunidade, foi talvez uma fração infinitesimal daquilo que os discípulos experimentaram, quando viram seu mestre sendo preso, condenado e executado.
E, com isso, estaria no fim o Cristianismo. Mas não estava no fim. Aquele mesmo grupo cabisbaixo, desesperado, sem mais uma ilusão na vida; aquele mesmo grupo, de um momento para o outro se ergueu, de viva voz, se colocou diante de autoridades governamentais e policiais, empreendeu uma campanha de evangelização que deixou marcas por todo o Oriente Médio, na Ásia Menor, entrou pela Grécia, pela Itã lia, alcançou o centro e o norte da Europa e se espalhou — por todo mundo - veio até nós, até este pontinho no mapa que se chama Porto Alegre. Como é que se explica isso De onde é que os discípulos tiraram as forças para aquela ação fantástica. Como ë que podiam propagar o nome de Jesus, aquele mesmo Jesus que viram esfacelar-se nas mãos das autoridades romanas ?
Mateus explica isso assim: Jesus foi ressuscitado, assim como havia dito ... Ele vai a vossa frente para a Galileia; lá o vereis. Mais adiante: Seguiram os onze discípulos para a Galileia ... Jesus aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século. Isto é, Mateus explica: os discípulos passaram por aquela mudança radical porque viram o ressuscitado e compreenderam que ele estava vivo.
Meus caros paroquianos, não quero com esta exposição provar a ninguém a Ressurreição de Jesus. Já disse, de início, que ela não pode e nem quer ser provada. Ela não pode ser provada porque foge às limitadas capacidades da nossa razão, do nosso raciocínio. Minha intenção foi apenas procurar mostrar o que seria o cristianismo sem a ressurreição, onde estaríamos nós, se não fosse a Ressurreição. Contudo, não podemos prova-la com documentos, com fotografias. Podemos apenas ouvir o testemunho dos apóstolos, crer neste testemunho, sentindo em nossa vida a atuação do Jesus Cristo ressuscitado, do Jesus Cristo vivo.
Há pouco falei que, não fosse a Ressurreição, a mensagem de Jesus Cristo jamais teria corrido mundo, jamais te ria chegado até nós. Contudo, a ordem de missionar no é o único e nem mesmo o principal sentido da Ressurreição. A Páscoa, a Ressurreição de Jesus Cristo tem, antes de mais nada, um significado todo especial para cada um de nós pessoalmente. Durante estas últimas semanas da época da Paixão, falou-se muita da morte de Jesus Cristo. Foi dito que ele morreu por nós, pelos nossos pecados. Para conseguir através desta sua morte uma coisa que nós jamais conseguiríamos por próprias forças: obter o perdão de Deus, ficar reconciliados com Deus, em harmonia com ele, ganhar a ver dadeira vida. Jesus, o inocente, se deixou abater por nós-, culpados. Esta foi a mensagem da Paixão. E a Pascoa, prezada comunidade, coloca a assinatura, que faltava nesta mensagem.
Porque ao fazer ressuscitar Jesus Cristo, Deus estava assinando, confirmando, autenticando o sacrifício de Jesus. Deus não permitiu que Jesus ficasse na morte. Ele aceitou sua entrega. E é por isso que a Páscoa tem importância vital para cada um de nós: porque ali Deus demonstrou: eu aceito o sacrifício de Jesus por vocês; por causa dele vocês estão definitivamente perdoados. Creiam nele.
E tem mais: neste destino de Jesus já se configura o futuro reservado aos que depositaram nele sua fé. Jesus foi o primeiro a andar por aquele caminho, que todos seus seguidores andarão um dia. O caminho, que conduz através da morte para a vida com Deus. Para a vida com Deus, isto e, para a vida, em que, finalmente, não ofenderemos mais a Deus, em que viveremos em completa e perfeita harmonia com ele, assim como ele desejou que fosse, ao criar o mundo. Jesus Cristo desbrava o caminho, que nos levara de — volta para casa. E o caminho esta aberto a todos, prezada comunidade. A todos que estão dispostos a admitir que a sua razão, o seu raciocínio não é a última palavra. Que há alguém maior do que a razão e as leis da Natureza. Que este alguém, o nosso Deus, passou por cima da nossa razão e fez tudo para restabelecer o contato conosco. Que este nosso Deus é digno de que nos entreguemos totalmente aos seus cuidados.
O meu desejo de Páscoa a todos nós é que Deus dê aos senhores e a mim esta fé, esta confiança total. E, se isso acontecer, a Páscoa será realmente uma festa bonita, maravilhosa. Não apenas bonita como a inauguração do Gigante da Beira-Rio, não apenas bonita como São João ou a festinha de quinze anos. Não, será maravilhosa e fantástica como nenhuma outra festa pode sê-lo, por que lá, na Páscoa, eu ganhei a vida. Amém.
Oremos:
Senhor, nosso Deus, tu que aceitaste e confirmaste o sacrifício de teu Filho por nós, tu que permitiste que a mensagem do teu Evangelho viesse até nos, dá-nos uma fé inabalável na Ressurreição de Jesus Cristo, dá que confiemos mais em ti do que na nossa razão, leva-nos para uma vida harmoniosa contigo, pelo caminho que teu Filho desbravou. Amém.
Porto Alegre, Paróquia Matriz, Domingo da Páscoa de 1970
Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS