Quaresma - Tríduo Pascal - Tempo Pascal



ID: 2656

Lucas 4.21-30

O Senhor me escolheu

31/01/2010

:
Autor: P. Carlos Möller
Origem: Sínodo Brasil Central
Cidade: Brasilia - DF
Data da pregação: 31/01/2010
Data Litúrgica: 3º Domingo antes do Tempo da Paixão / Septuagesimae

Prédica:

Para oficiar o culto das 19 horas do dia 31 de janeiro de 2010, a Comunidade Evangélica de Confissão Luterana em Brasília convidou o pastor sinodal Carlos Möller. O estagiário do Sínodo Brasil Central, Gleidson Ademir Fritsche, auxiliou na celebração, conduzindo algumas partes da liturgia e acompanhando os hinos com o teclado.

Baseados no texto de Lc 4.21-30, os oficiantes refletiram, com a comunidade, sobre o tema “O Senhor me escolheu...”.

Logo abaixo, encontra-se a prédica do pastor sinodal Carlos Möller.


SEPTUAGESIMAE / 3° DOMINGO ANTES DO TEMPO DA PAIXÃO
Lucas 4.21-30
O Senhor me escolheu...


* Graça e paz...
* HOJE[1] se cumpriu a Escritura. Jesus diz isso após ter lido na sinagoga o profeta Isaías / Lucas 4.18: “O Senhor me deu o seu Espírito. Ele me escolheu para levar boas notícias aos pobres e me enviou para anunciar a liberdade aos presos, dar vista aos cegos, libertar os que estão sendo oprimidos e anunciar que chegou o tempo em que o Senhor salvará o seu povo”.

* Sentido dos versículos 21 a 30:

v. 22: O choque surge a partir da sua procedência, sua baixeza humana. É incompreensível aos seus ouvintes que em Jesus deve se decidir salvação e perdição, perdão e juízo.

v.23: Onde as pessoas exigem de Jesus um “SINAL”[2] mas não crêem nEle, a elas Jesus sempre nega um milagre. Jesus escolhe Cafarnaum como local de ação.

v.25-27: Vocês não arrendaram a salvação de Deus!

v.28ss: A exigência messiânica de Jesus – nos olhos das pessoas de Nazaré uma blasfêmia contra Deus – colide em amarga contradição. A gente quer empurrar esse Messias para a cova e apedrejá-lo até a morte.

v. 30: Que ele passa pelo meio da multidão e vai embora é expressão de uma superioridade intocável.

* A Sinagoga e o Judaísmo

Uma pergunta – e ela está muito latente nessa passagem do Evangelista Lucas - que acompanha os tempos é: “Por que vocês não aceitam Jesus como Messias?”. O texto fala em “raiva” (v.28) dos ouvintes ao ouvir de Jesus que Deus – apesar da seca e da fome reinante - enviou Elias não às viúvas que viviam em Israel mas somente a uma viúva que morava em Sarepta, e que curou apenas um leproso, Naamã, o sírio.

A fé no Messias (Maschiach), o ungido de Deus da dinastia de Davi é uma parte fundamental do judaísmo[3]. Em nenhum lugar da bíblia hebraica se fala de Jesus de Nazaré. Jesus, que para os cristãos corporifica Deus e sua salvação, é o Messias anunciado pelo Antigo Testamento. O que com a sua chegada não se cumpriu, cumprir-se-á na sua segunda vinda. O judeu não pensa assim. Martin Buber, Schalom, Bem Chorin e outros vêem em Jesus o GRANDE IRMÃO. Mas ele não é o Messias.

Jesus – assim diz o antigo dogma cristão – é HOMEM, enviado por Deus. É o encarnado (Jo 1.14), o próprio Deus. Por isso, nós cristãos terminamos nossas orações “EM NOME DE JESUS”, nunca em nome do Messias. Deus se revela em Jesus, torna-se humano, é nascido de mulher, sofre e morre. O que era invisível torna-se no Natal visível. Suas chagas podem ser tocadas, e se Ele se levanta do túmulo e ressuscita testifica a vitória sobre a morte. Na fé no Salvador, é concedida à humanidade sofredora a salvação[4].

Para o judeu a encarnação de Deus é estranha. Deus até que se revela no Sinai (teofania), ou na experiência dos profetas, mas Deus nunca tornar-se-á Deus revelado. Se o judeu fala do Messias ele é convicto que a salvação nunca vem desse Messias, mas exclusivamente de Deus mesmo. Deus e Deus mesmo é o Salvador (Go’el jisrael), o Messias é um humano, enviado de Deus, para instaurar a paz mundial o que finalmente fundamenta o “Reino de Deus”, o reino dos céus (malchut schamajim).

O Novo Testamento para o judeu não é um escrito de fé, também não é um documento histórico. Não foram testemunhas oculares que o redigiram e sim homens tomados pela fé na messianidade de Jesus, homens esses que viveram após a morte violenta de Jesus. A promessa messiânica narrada na Bíblia leva o povo judeu a sério que rejeita e não reconhece em Jesus o “salvador da cristandade”. Não por “desobediência” diante do ensinamento profético, e sim num saber interior que esse ensinamento ainda não se cumpriu.

Dietrich Bonhoeffer: “o judeu mantêm em aberto a pergunta por Jesus”.

É preciso lembrar que a igreja cristã[5] tem sua origem no povo de Israel[6] e que a promessa de Deus não caducou para o povo judeu. Como o apóstolo Paulo nos ensina: quem julga a eleição de Israel como ultrapassada volta-se contra o próprio Deus, contra sua vontade e seu agir histórico. A Igreja cristã errou quando compreendeu outras passagens do apóstolo Paulo, Gl 4 e 2Co 3 por exemplo, ignorando o que ele afirmou nos capítulos 9 a 11 de sua carta aos Romanos onde insistiu que a aliança de Deus com Israel continua. A Bíblia nos ensina que apenas quando aprendermos a reconhecer o significado de Jesus a partir do judaísmo é que então reconheceremos o seu real significado de Deus[7]. Quem despreza a fonte do conhecimento como “antiga”, antiquada, fora de moda ou a questiona perde Jesus e sua mensagem

É o que está em jogo no texto de Lucas, o teólogo da história da salvação:

A atividade pública[8] de Jesus começa com a proclamação:“HOJE se cumpriu a vossos ouvidos esta palavra da Escritura”[9] porque agora o Espírito Santo repousa sobre Jesus e começa o tempo da salvação[10]. Quando pequenino Jesus também foi saudado no Templo, pelo velho Simeão, ao qual “o Espírito Santo profetizara que ele não veria a morte antes de enxergar o Messias do Senhor”[11]. Essa cena com Simeão deixa claro que o aparecimento de Cristo está em continuação direta com a história salvífica precedente[12].

* Mensagem: o discipulado - do Messias - é sempre de novo contestado, rejeitado, “Médico, cure-se a você mesmo”.

Imaginemos a cena!

Nessa cena na sinagoga de Nazaré somos lembrados do pensador canadense Marhall McLuhan “o meio é a mensagem, as sociedades tem sido modeladas muito mais pelos meios com os quais os seus cidadãos se comunicam, do que pelo conteúdo da sua comunicação, pois os meios modificam o ambiente...os meios de comunicação são extensões do homem...”.

A nossa cena e a Missão – de Deus – nossa paixão

O presidente da república em discurso não proferido em DAVOS afirma que “o mundo enfrenta desafios muito maiores do que os enfrentados pelo Brasil”.

7 milhões de jovens no país estão sem emprego por absoluta falta de qualificação. Aumentou o número de salas de aula, de matriculados, de faculdades, mas a capacidade de entendimento dos jovens brasileiros tornou-se pra lá de péssima[13].

Violência: taxa anual de homicídios no BR é de 25,7/100mil habitantes (Chile 1,9; EUA 5,8; Alemanha 0,98 e no Japão 0,68).

Corrupção: ocupamos o 75° lugar no ranking mundial

Dados do SENAI dão conta que mais de 15 milhões de trabalhadores terão de ser treinados, nos próximos cinco anos, para ingressar no mercado ou aproveitar as oportunidades de progresso em seus empregos.

O Senhor me escolheu para trabalhar... pois

Com Jesus - e sua vinda - começa o tempo da salvação;

Decisivo é ouvir o que ele tem a dizer, pois através do ouvir da palavra nasce a fé que acredita nas palavras da salvação e nos feitos do Salvador;

A palavra ouvida da boca de Jesus transforma a raiva das pessoas em testemunho. Aqui se repete o que Simeão anunciou[14]: na salvação surge o juízo;

Assim como Jesus escolheu Cafarnaum como local de seu trabalho, também nós somos animados a escolher um local / um assunto / uma pessoa para levar “palavra de salvação”. O “Hoje”, rejeitado pelos ouvintes de Jesus - os nazarenos depois pediram por ele - quer ser também a nossa oferta. Há diversos textos que confirmam esse dito: “Jesus disse: Nenhum profeta é agradável em sua cidade. Nenhum médico cura a quem a ele conhece”.

Importante: não é a pessoa que se escolhe a si, mas é Deus que escolhe e envia. Nesse sentido, também a Confissão de Augsburgo afirma: “sem chamado regular ninguém deve publicamente ensinar ou pregar ou administrar os sacramentos da igreja”[15]. Jesus está aqui na seqüência dos profetas Elias e Eliseu[16]. O v.30 deixa claro: Jesus rompe com os seus concidadãos. Seu caminho o leva ao estrangeiro e à paixão.

Hoje também pode se cumprir a Escritura.

[1] Lc 2.11 “Hoje mesmo, na cidade de Davi, nasceu o Salvador de vocês – o Messias, o Senhor!”;

Lc 19.9: “Hoje a salvação entrou nesta casa, pois este homem também é descendente de Abraão”;

Hb 3.7ss: “Se hoje vocês ouvirem a voz de Deus, não sejam teimosos como foram os seus antepassados quando se revoltaram contra ele, no dia em que eles o puseram à prova no deserto”.

[2] Mat 12.38 “Mestre, queremos ver o senhor fazer um milagre”

[3] Is 9.5-6; 11.1-9; Jer 33.14-16 e Zac 9.9-10 são os textos mais conhecidos sendo que além do Messias como pessoa é de decisivo significado a espeança na era messiânica, na época da paz mundial. Nesse tempo os povos vão se desarmar e transformar as armas em ferramentas, isto é, não apenas “desarmar” mas acima de tudo não mais aprender como fazer guerra, cfe. Is 2.2-4 e Miq 4.1-5. Mesa de negociações, o que hoje chamaríamos Fóruns, Conferências.

[4] HPD 02: “...que a promessa cumpre aos seus; pois enviou ao pecador, o seu Filho, o Redentor”.

[5] Romanos 9 a 11 nos adverte nesse sentido

[6] Para Lucas, três épocas salvíficas com a ação do Espírito Santo: nos profetas, em Jesus e na Igreja (pentecostal).

[7] At 14.46: Paulo e Barnabé “Era necessário que a palavra de Deus fosse

anunciada primeiro a vocês que são judeus”

[8] A apresentação de Jesus na sinagoga de Nazaré tem por modelo as apresentações de seus discípulos nas sinagogas da Ásia Menor (At 14 1-6; Lc 4.16-30)

[9] Is 61.1

[10] Lc 4.17ss

[11] Lc 2.26

[12] Discurso de Estevão em Atos 7 ao comparar a resistência dos judeus à missão cristã com a resistência de seus pais aos profetas: “Sempre resistis ao Espírito Santo...” (At 7.51)

[13] Ranking da Unesco o Brasíl despencou de 76 para 88.lugar no Educação para todos – Quase o paraíso, OESP 30/01/10.

[14] Lucas 2.34 Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe de Jesus: “Este menino foi escolhido por Deus tanto para destruição como para a salvação de muita gente em Israel. Ele vai ser um sinal de Deus; muitas pessoas falarão contra ele” (Qdo Jesus foi apresentado no Templo).

[15] Confissão de Augsburgo, artigo 14: Da ordem eclesiástica.

[16] 2 Reis 5 Naamã comandante do exército da Síria sofria de uma terrível doença da pele. Eliseu mandou que ele se lavasse sete vezes no rio Jordão.

 


 


Autor(a): Carlos Augusto Möller
Âmbito: IECLB / Sinodo: Brasil Central
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: Último Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 21 / Versículo Final: 30
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 126

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