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ID: 2656

Atos 2.14a, 22-32 - 2° Domingo da Páscoa - 16/04/2023

Auxílio Homilético

16/04/2023

 

Prédica: Atos 2.14a, 22-32
Leituras
Autoria: Gerson Acker
Data Litúrgica: 2° Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 16/04/2023
Proclamar Libertação - Volume: XLVII

 

Quem é Jesus?

1. Introdução

A comunidade discipular de Tomé se reúne de portas trancadas (Jo 20.19). É um grupo desanimado, sem coragem, preocupado com sua segurança diante do futuro incerto num contexto hostil. Após o horror da crucificação, há temor diante do que autoridades judaicas podem fazer. Então o Jesus ressurreto chega trazendo alegria e paz: Que a paz esteja com vocês. Somos surpreendidos com uma “antecipação” do Pentecostes no Evangelho de João. Jesus vai dizer: Recebam o Espírito Santo (Jo 20.22b) e perdoem os pecados (v. 23). Os discípulos, outrora medrosos, agora são enviados a proclamar o evangelho da reconciliação.

A Primeira Epístola Pedro, segundo alguns exegetas, foi escrita por volta do ano de 64 d. C., no início da grande perseguição aos cristãos, para as comunidades cristãs espalhadas pela Ásia. Percebemos isso, pois, no recorte previsto (1 Pedro 1.3-9), há uma ênfase nos muitos tipos de provações que vocês estão sofrendo (v. 6b). A carta busca dar sentido à resistência na provação. Como o ouro é provado pelo fogo, assim também a fé, que vale mais do que ouro, precisa ser provada para que continue firme (v. 7). Em meio ao sofrimento, a ressurreição é palavra de ânimo e de esperança (v. 3) para quem segue o Cristo.

A perícope de Atos 2.14a, 22-32, prevista para a pregação neste 2º Domingo da Páscoa, aproxima a festa da Páscoa e de Pentecostes. Aquele que morreu e ressuscitou, que havia prometido que não deixaria os discípulos sós, mas que enviaria o Auxiliador, cumpre a promessa na festa de Pentecostes. A mensagem da ressurreição é tão potente, é tão inspiradora, que aqueles discípulos, outrora amedrontados e trancafiados dentro de casa, agora testemunham sua fé. O porta-voz desse testemunho é Pedro.

2. Exegese

O livro de Atos dos Apóstolos é uma continuação do Evangelho de Lucas (At 1.1-2), no qual o autor relata o início da igreja cristã em Jerusalém e seus arredores, bem como a difusão do evangelho pelo Ocidente até Roma. Há um paralelismo entre o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos. No início do evangelho, Lucas descreve como Jesus nasce pela ação do Espírito Santo (Lc 1.35). No início dos Atos, ele descreve como a comunidade nasce pela ação do Espírito Santo.

No primeiro capítulo de Atos, narra-se o início da igreja, incluindo a comunidade de Jerusalém e seus bastidores antes de Pentecostes. No segundo capítulo, onde está inserida a perícope em estudo, narram-se o Pentecostes, o discurso de Pedro e a narrativa quase que romantizada de como vivia a protocomunidade cristã (At 2.43-47).

O discurso de Pedro pode ser estruturado em três partes:

1ª parte: Atos 2.14-15 – Pedro atua como porta-voz dos demais apóstolos e passa a explicar os sinais (ventania, línguas de fogo, glossolalia) para o povo que se aglomerou diante da porta da casa. O mesmo discípulo que, dois meses antes, por medo, tinha negado Jesus, agora fala diante de uma multidão. Pedro começa seu discurso desfazendo os argumentos dos que interpretavam o fenômeno como fruto de bebedeira.

2ª parte: Atos 2.16-21 – Pedro interpreta o fenômeno usando o texto do profeta Joel 3.1-5. Segundo ele, o vento, o fogo e o falar em línguas eram um sinal de que o tempo messiânico estava chegando.

3ª parte: Atos 2.22-36 – Aqui Pedro chega ao ponto central do seu discurso. O Espírito estava sendo dado naquele momento por causa de Jesus de Nazaré. Assim interpretado por Pedro, o Pentecostes torna-se uma prova da ressurreição de Jesus, uma denúncia do crime que foi cometido contra Jesus e um anúncio do perdão e da misericórdia de Deus para com o povo. Portanto a ressurreição é sinal identificador do Messias.

Quando tocamos no assunto “messias”, não é possível fugir da figura do rei Davi. Esse monarca de Israel está intimamente associado à ideia messiânica do Antigo Israel e das esperanças messiânicas do mundo contemporâneo do Novo Testamento. Provavelmente Pedro cita Davi para dar autoridade ao conteúdo do seu discurso, uma vez que busca adesão por parte de ouvintes de origem judaica. A intencionalidade é provar que, através da ressurreição, Jesus e, não Davi, é o Senhor que governará nos céus e o Cristo enviado para salvar Israel.

A palavra grega chisthos traduz o termo hebraico mashiah (messiah), cuja raiz significa “o ungido”. No Antigo Israel, ungiam-se profetas, sacerdotes e, especialmente, o rei. O rei era considerado alguém apontado por Deus. O termo “messias” passou a ser ligado às expectativas do futuro de Israel, à ideia da vinda de um novo rei que, como Davi, reinaria sobre todo o Israel e expulsaria os ocupantes romanos. Importante destacar que os sentimentos nacionalistas cresceram intimamente ligados à expectativa messiânica no período da ocupação romana.

Jesus era considerado por alguns como potencial libertador político, que reuniria seu povo para acabar com o domínio romano. Porém, se Jesus considerava a si mesmo como messias, isso não se revestia de caráter político, como defendiam os zelotes e outros grupos nacionalistas. O antigo Israel esperava um messias vitorioso; o sofrimento e a crucificação de Jesus vão contra essa expectativa. Se Jesus era o messias, ele não era o tipo de messias que o povo estava esperando. Essa é a desconstrução proposta pelo discurso de Pedro. Segundo ele, a ressurreição era a prova da messianidade de Jesus. Nos v. 25-28, temos a inserção do Salmo 16.8-11, de autoria atribuída Davi, para mostrar que Jesus não podia ficar na sepultura, entregue à corrupção (apodreça na sepultura – v. 27 NTLH), mas que deveria ressuscitar. O evangelista Lucas argumenta que essa profecia sobre a não decomposição no túmulo (v. 29) não pode se aplicar ao próprio Davi, pois seu corpo nunca saiu de seu bem conhecido túmulo em Jerusalém (1Rs 2.10).

O discurso de Pedro testemunha de maneira convidativa sobre o evento que cria a igreja. No centro da pregação missionária encontrava-se o testemunho pascal (v. 22-24) testificado pela Escritura (v. 25-28) e pelo testemunho (v. 32). Os eventos da Páscoa e de Pentecostes são sinais de que o evento escatológico havia se iniciado.

O término de discurso é um contundente testemunho: Deus ressuscitou Jesus e nós somos testemunhas disso (v. 32). Jesus deve ser considerado o cumprimento das expectativas judaicas clássicas, lançando os fundamentos para um entendimento de uma continuidade entre o judaísmo e o cristianismo. O testemunho ao longo dos séculos sobre o messias é que permitiu essa continuidade e, como efeito, a chegada do evangelho até os tempos atuais.

3. Meditação

Uma questão tem sido fundamental nas reflexões sobre a cristologia ao longo dos séculos: Quem é Jesus Cristo e como um evento que aconteceu em um tempo e lugar específicos podem ser relevantes para todas as pessoas e todas as épocas?

É uma pergunta-geradora que dificilmente se esgota em uma resposta simplista. Creio que a perícope de Atos 2.14a, 22-32 pode auxiliar a iniciar algumas reflexões. No discurso de Pedro, somos colocados diante do Deus que se dirige à humanidade: encarna-se em Jesus Cristo, o Filho. Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro ser humano. O Cristo é uma figura histórica, pessoa que caminhou e sentiu na pele a difícil vida na Palestina sitiada por romanos, e verdade da fé, maneira pela qual o próprio Deus entra na história, cumprindo as profecias do Antigo Testamento. Jesus não é uma figura abstrata e inatingível, como nos aponta frei Betto:

Deus se revela em sua negação e nós o sentimos quando entramos em contato com aquele que nos revela Deus, Jesus Cristo. E o que encontramos? O onipotente? Não, alguém tão fraco que não foi capaz de resistir à prisão. O onisciente? Não, pois tão imprevisivelmente aconteceu a Paixão que teve medo, não estava preparado. O todo-poderoso? Não, pois teve que dobrar-se e ser esmagado diante do poder romano e judeu. Em Jesus Cristo, não há apenas uma identificação com os últimos dos homens, com os oprimidos [...], vai além disso, chega ao ponto de ser solidário com aqueles que se sentem abandonados por Deus (Betto, 1982, p. 221).

Jesus, através de toda a sua vida, morte e ressurreição, revelou a face amorosa de Deus. Sua obra redentora pode ser sintetizada em amor (Mt 22.34-40) e serviço/diaconia (Mt 20.28). Esse é o convite para aquelas pessoas que desejam ser cristãs: amar a Deus e ao próximo e servir aqueles que necessitam.

A morte redentora de Cristo é consequência da fidelidade ao projeto do reinado que Deus quer para sua criação. Jesus não realiza esse reinado apenas nos seus discursos, mas na sua existência como um todo. Em decisão livre, lança mão da sua vida para que a vida prevista e guardada por Deus vire realidade (Gl 4.4). Cristo nos convida a viver de forma diferente e a ser, assim como ele, consequentes até o final na defesa do Evangelho. Jesus Cristo mostrou com palavras e ações que uma nova humanidade é possível. Sua palavra convida para mudança de atitude, arrependimento e conversão diária. Lutero afirmou, a partir do Batismo, que toda a nossa vida é um processo constante de morte e ressurreição. A “velha pessoa” em nós deve morrer diariamente para ressurgir, em Cristo, a “nova pessoa”, que ama a Deus e ao próximo, zela pela integridade da criação e se alegra com o milagre da vida.

Jesus caminha conosco em meio ao sofrimento. Segundo Bonhoeffer, um Deus que não sofre não pode nos libertar. Assim esse Deus, ao encarnar-se em Cristo, se torna patético, ou seja, assume o pathos, o sofrimento de seu povo (Boff, 1986, p. 36-37). A encarnação de Deus em Cristo revela toda a sua empatia e simpatia para com a humanidade pecadora. Tal ato revela a fonte inesgotável de seu amor. Deus não fica calado diante da dor. Ele mesmo sofre, assume a causa dos martirizados e sofredores. A dor não lhe é alheia. Mas se a assumiu, não foi para eternizá-la e tirar-nos a esperança. Pelo contrário, Deus quer eliminar todas as “cruzes” da humanidade (Boff, 1978, p. 141).

4. Imagens para a prédica

O discurso de Pedro discorre sobre quem é Jesus para aquela multidão reunida na festa de Pentecostes. Pedro fala de Jesus como o “Nazareno” (apontando sua humanidade); dos “milagres, prodígios e sinais” (apontando sua divindade); do “plano de Deus”; da morte e da ressurreição em paralelo ao rei Davi. Permitam-me ser “clichê”: Quem é Jesus para você?

Sugestão 1: Penso que seria uma abordagem provocante e instigante, no início da pregação, fazer a seguinte pergunta para a comunidade: Quem é Jesus? Permitir um tempo de partilha. Certamente surgirão formulações clássicas e “decoradas” conforme a ortodoxia. Definições que, muitas vezes, sequer são refletidas a fundo. Por exemplo, os termos “messias”, “Cristo”, “Salvador”. É uma oportunidade do pregador ou da pregadora desmistificar um pouco esses conceitos tantas vezes abstratos. Há também a possibilidade de surgirem respostas criativas e inesperadas, às quais devem ser acolhidas e incorporadas à fala. Em seguida, pode-se falar de como Pedro fala de Jesus no texto de Atos.

Sugestão 2: Preparar alguns cartazes com características de um personagem (no caso, Jesus), e pedir que as pessoas ajudem a descobrir de quem se trata.

Sugestão 3: Outra abordagem interessante pode ser iniciar ou inserir em algum momento da pregação a reflexão sobre a distinção entre o “Jesus histórico” e o “Cristo da fé”. Importante frisar que tal divisão é meramente pedagógica e, dependendo do contexto da comunidade, a reflexão pode ser muito produtiva.

5. Subsídios litúrgicos

Oração do dia: Senhor, contigo estão o amor e a misericórdia. O barro é moldado pelo oleiro; o metal é moldado pelo artífice. Assim, nós somos moldados por ti. É bem verdade que há momentos de tristeza e dificuldade, mas cremos que essa é apenas uma etapa no teu plano de nos dar alegria e plena salvação. Fortalece-nos na fé e dá-nos a alegria que brota da Páscoa, para que nossas palavras, pensamentos e ações reflitam a certeza da tua vitória sobre a morte. Por Cristo, na unidade contigo e o Santo Espírito hoje e sempre. Amém.

Bibliografia

BETTO, Frei. Deus brota na experiência da vida. In: ASSMANN, Hugo (Org.). A luta dos deuses: Os ídolos da opressão e a busca do Deus libertador. São
Paulo: Paulinas, 1982. (As notas entre colchetes “[ ]” são minhas inserções.)
BOFF, Leonardo. Como pregar a cruz hoje numa sociedade de crucificados? 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
______. Paixão de Cristo, paixão do mundo: Os fatos, as interpretações e o significado ontem e hoje. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1978.
GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal, 1983. v. 1.


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Autor(a): Gerson Acker
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 2º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 14 / Versículo Final: 32
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2022 / Volume: 47
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 69494

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